Rattle That Broken Fout Tour Journal
Tomo III - Gilmour e Gladiadores no Arena di Verona
As lutas de gladiadores que animavam o Império Romano tinham quatro desfechos possíveis para os intervenientes: ou ganhavam; ou perdiam e morriam em combate; ou perdiam e o público ordenava-lhes a morte apontando o polegar para baixo; ou perdiam e o público poupava-os por bravura ou misericórdia. De todos os desfechos, o quarto era o mais raro. Ao sentar-me nas bancadas de pedra do Arena di Verona para um espectáculo expectavelmente menos sanguinário, percebi porquê.O concerto de David Gilmour no Arena di Verona foi uma experiência surreal, para contar aos filhos e netos. Foi um regresso aos tempos de glória do Império, das lutas de gladiadores, quando havia uma contagem de baixas do público no fim do espectáculo. Muito álcool, muita droga à minha volta e nem sequer faltou a cena de porrada para animar. Surreal, mesmo.
Mas comecemos pelo início. Sair de Pula a um Domingo (o concerto fora no Sábado) e chegar a Verona para o segundo concerto não foi fácil. Desde logo porque não havia transportes. Autocarros para o estrangeiro, ao Domingo, nem vê-los. Aviões, só acima dos 1 000€. A alternativa eram os barcos. Mas como estávamos em Setembro — época baixa — só havia um ferry a sair da Croácia para Veneza nesse dia e era em Porec, a quase 100 kms de Pula. Ah e era às 7 da manhã. A minha única hipótese era assim apanhar um autocarro que saía de Pula às 5 da manhã e rezar para que ele não se atrasasse.
Bem dito, bem feito: o autocarro chega a Pula às 5:30 da manhã. meia hora de atraso. Foda-se. Furioso, dirijo-me ao condutor, explicando-lhe que preciso de estar em Porec às 7:00, misturando discurso em inglês com vernáculo em português. Imaginem um "I need to be there at seven, caralho!", à boa tradição benfiquista do Toni no Irão.
Talvez motivado pelo vernáculo que ele não entendia, o condutor arranca numa corrida desenfreada rumo a Porec, tirando vantagem do parco trânsito matutino, mas numa velocidade claramente desaconselhada para a segurança do veículo e dos seus ocupantes. Pouco antes da paragem em Rovinj... PA-PAUM!! ...o autocarro tropeça num buraco que deixa a suspensão num perceptível mau estado. Resultado: paramos em Rovinj, esvazia-se o autocarro e espera-se pelo seguinte. O tempo que o condutor recuperou no caminho, esfuma-se novamente. Mas ele tranquiliza-me que chegaremos a Porec a tempo, mesmo contra as leis da Matemática e do Google Maps, com o ar assustadoramente assertivo de quem relativiza as regras de trânsito. Mas chegamos mesmo: às 6:55, estou a Porec... para descobrir que o ferry vinha uma hora atrasado.
Chegado a Veneza, regresso à Praça de São Marcos para recordar o concerto que me introduziu aos Pink Floyd aos 5 anos. Mas não sem antes virar um pequeno almoço à campeão: uma caneca de litro.
Sigo para Verona. Segundo concerto do David Gilmour e logo num dos recintos que sempre quis visitar: a Arena di Verona, onde os Simple Minds gravaram um vídeo histórico nos late 80s. Depois da Arena de Pula, é mais um concerto num anfiteatro romano.
Penso em protestar, mas como? Não há ninguém indignado com a organização, todos agem como se fosse tudo normal. E protestar com quem? Seguranças? Stewards? Nem vê-los. Se houvesse problemas à séria, isto era um festival de pancadaria à antiga, com corpos a rebolar pelas bancadas de pedra até lá abaixo e cânticos em latim de sacrifícios divinos, como nos bons velhos tempos do Império. Há uma equipa da cruz vermelha, sim. Mas passam o concerto a filmar o palco, sentadinhos em lugares de honra. Maravilha.
O que não falta são tipos a vender cerveja. É vê-los a subir aquelas bancadas de pedra íngremes sem qualquer protecção ou preocupação. Não pode faltar cerveja com fartura, para satisfazer este público dos gladiadores, que bebe como se a bexiga não tivesse limite.
Se nas bancadas há gente a mais, lá à frente não há gente nenhuma. Ou as primeiras filas faltaram ou o David tem medo destes italianos, porque nunca vi um espaço tão grande entre a primeira fila e o palco.
Neste cenário reminiscente do Século I, penso que só falta mesmo uma boa cena da pancada. E ela aí está! Mesmo na minha fila. O que vale é que a porrada se dá entre um tipo que é um cruzamento entre o Totti e o Michael Scofield e um que parece o Fernando Mendes do Preço Certo em Euros. O Fernando Mendes viu à partida que não tinha grande hipótese, mas ainda assim levou três tabefes de mão fechada, mesmo ao lado da mulher e dos filhos. Não contente, o Totti Scofield ainda lhe arrancou os óculos, atirou-os para o chão e pisou-os repetidamente. Só visto.
Dito isto, por mais incrível que pareça, Verona foi uma experiência interessante. O concerto perdeu obviamente para Pula, mas só porque depois de chegar ao Olimpo, só se pode descer. A performance da banda até foi melhor: David já não borrou a pintura tantas vezes (só o solo de "The Blue" é que foi destruído pela distorção nos agudos) e até tivemos um "Comfortably Numb" para a história. Mas as distracções à minha volta eram tantas, que o espectáculo no palco era apenas um dos factores de interesse.
Se alguém disse que o Rock está morto, tem que vir a Itália. Onde haviam combates de gladiadores, há hoje concertos Rock. A sede de sangue é a mesma.
Próxima paragem: Florença.
A minha experiência deste concerto foi mesmo completamente diferente da tua. Tudo bastante tranquilo, sentadinha num lugar marcado :P mas tu tens a vantagem de 3 concertos vs 1, vá ;)
ResponderEliminarA única coisa que me deixou mais indignada foi a quantidade de gente sempre agarrada ao telemóvel e nem era para tirar foto, muitas vezes era para ver as actualizações do FB o_O Como é possível, num concerto destes?!
Eu tive de tirar 4 ou 5 fotos no início, mesmo do género: "aconteceu-me uma coisa completamente improvável na vida: vi o David Gilmour ao vivo!!" :P e sei bem que isso se deveu também a ti ("anda lá, não podes perder uma oportunidade destas!!" algo do género). Ainda bem que decidi ir, em Março.
Foi um daqueles momentos que vou levar comigo pela vida, o som da guitarra dele, aquela noite, aquela cidade, tudo... Uma das noites mais incríveis da minha vida. Que concerto, que concerto, fdx!
Grande odisseia a tua para chegares a Verona lol muito bom.
Mais um *daqueles* posts ;)
Eu adorava ter tido uma experiência como a tua, mas em retrospectiva, tendo estado em 3 concertos, nem me importo de ter estado na bancada dos gladiadores em Verona. Como estava de lado do palco e não podia ver o David, passei grande parte do concerto a olhar para a Arena. Uma visão espectacular :)
EliminarQuanto aos telemóveis, o que eu fazia era, de quando em quando sacava do meu e num movimento de Parkinson, disparava 20 a 30 fotos. Depois ia logo para o bolso. Um espectáculo destes é demasiado majestoso para estar a olhar para o telemóvel.
Falando nisso, à minha frente (no lanço de escadas imediatamente em baixo) estava um bacano que passou o telemóvel a mandar mensagens. Uma delas tinha como remetente "MAMMA". E dizia qualquer coisa como "está tudo bem, tudo tranquilo aqui". O que era curioso, na medida em que tranquilidade era das poucas coisas que não se passava ali, ao contrário dos charros que ele passou o concerto a fumar. :P
lol mas se fores a ver para ele estava mesmo tudo tranquilo, todo charrado :P
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