sábado, 1 de outubro de 2016

"The World That Waits Outside" | O álbum perdido de Noel Gallagher (V.b)

"The World That Waits Outside"
O álbum perdido de Noel Gallagher

Como o primeiro álbum a solo de Noel Gallagher se transformou no álbum mais mal-amado dos Oasis


V.b. "Solve My Mystery" | O álbum perdido (Lado B)

Na segunda parte do capítulo final (calma que ainda há mais), continuamos a análise faixa-a-faixa de "The World That Waits Outside", desta feita o Lado B.

"One Way Road" (4:05)
(B-Side de "Who Feels Love?")



Vira-se o disco, pousa-se a agulha e ouvem-se passarinhos a cantar. É o início do Lado B de "The World That Waits Outside".
Vamos pôr as coisas desta forma: "One Way Road" é um dos melhores temas que Noel já escreveu. De sempre. Seria um dos óbvios pratos fortes do álbum, mas em vez disso, foi atirado para Lado B de "Who Feels Love?", num caso paradigmático em que o B-Side é, de muito muito longe, melhor que o A-Side.

A ausência de "One Way Road" em SotSoG só é explicável por ser demasiado pessoal e ancorada a tempos que Noel prefere esquecer. Quando um tema começa com "I wanna get high but I never could take the pain" (drogas) e segue com "as soon as they come, feelings they go" (separação) e "all alone on a way way road" (solidão), dá para ver o estado de espírito do compositor. Grande, grande, GRANDE tema. De puta madre. O lado B de "The World That Waits Outside" abre a mandar arrepios na espinha.

"Idler's Dream" (3:00)
(B-Side de "The Hindu Times")



Por falar em arrepios na espinha, olhem quem vem agora. Conhecem uma baladinha que se chama "Wonderwall"? Passou umas quantas vezes na rádio nos anos 90. Conhecem? Ok. Então ouçam bem o que vos digo: ao pé de "Idler's Dream", "Wonderwall" corava de vergonha. É uma das melhor baladas que Noel já escreveu, tem uma das suas letras mais reais e é cantada com um power arrepiante. E o mais absurdo é que o mundo nunca a ouviu. Que pena.

Apesar de ter sido gravado durante as sessões de "Standing On The Shoulder Of Giants", "Idler's Dream" só apareceria como Lado B de "The Hindu Times", primeiro single do álbum seguinte. É mais uma pequena batota da minha parte, uma vez que não há Demo disto, mas uma vez que o tema é basicamente só Noel e piano (é o único tema dos Oasis que não tem uma guitarra), acredito que esta seja a Demo original.

"And as I close my eyes and the sky turns red, I realize just what you AAAAAAAAAARE". Lindo, lindo, lindo. Dá-me mais disto, Noel, por favor.

"Let's All Make Believe" (3:30)
(Demo original de 1998 | unreleased)

De todos os temas que Noel quis "esconder" do seu período de glaciação, "Let's All Make Believe" é o seu segredo menos bem escondido. Muito por culpa da NME, que pôs o tema em 1º lugar (!!!) na lista das "500 melhores faixas perdidas" de sempre. Quite impressive. Nessa versão, incluída como faixa bónus na versão japonesa de SotSoG, quem canta é Liam (e bem!), um caso raro nos B-Sides desta altura. Mas se Noel deu o tema a Liam, isso que significa que ainda considerou "Let's All Make Believe" para o álbum. Pena ter ficado outra vez com os pés frios.

Se a versão de Liam é "a melhor faixa perdida de sempre", que dizer da versão de Noel? Cantamos sempre com mais afinco quando a música fala de nós e da nossa vida, não é Morrissey? Nesta Demo gravada em 1998, Noel mostra a powerhouse de que é feita a sua voz: "vamos todos fingir que gostamos uns dos outros", canta, num momento em que é vetado ao isolamento; "vamos todos fingir que no fim não envelhecemos", grita, quando confrontado com a inevitabilidade da velhice.

"Let's All Make Believe" é real e é  um dos melhores temas que Noel já escreveu. Mais um, o terceiro, em 3 temas do Lado B de "The World That Waits Outside".

"Just Getting Older" (3:21)
(Demo | B-Side de "The Hindu Times")



Por falar em envelhecer, segue-se "Just Getting Older". Noel continua a sua luta interna, reflectindo se isto tudo ainda vale a pena: "Staying in, I can't be bothered making conversation with the friends that I don't know. Am I cracking up, or just getting older?". Pensar que apenas um ano antes, Noel estava a escrever "stay young and invincible".

"Just Getting Older" seria lançado como B-Side de "The Hindu Times", mas remonta às sessões de SotSoG, situação semelhante a "Idler's Dream". A minha aposta é que os Oasis foram pressionados a lançar um single no início de 2002, antes do álbum "Heathen Chemistry", mas Noel só tinha "The Hindu Times" pronto para sair. Então foi "obrigado" a ir ao seu filão de temas demasiado-pessoais do final dos anos 90 e de lá sacou "Idler's Dream" e "Just Getting Older". Só porque teve mesmo que ser.

Esta versão está rotulada como Demo, mas é virtualmente idêntica à versão que seria lançada mais tarde como B-Side de "The Hindu Times" (a mistura é diferente e há ali umas guitarras suplementares), o que confirma a minha teoria que a maioria dos Lados B desta época vieram directamente do lote de Demos que Noel gravou em casa durante 1998 e 1999.

"Roll It Over" (6:32)
(Demo | unreleased)




Se achavam que este Lado B estava intenso, ainda não viram nada. O mote de "Roll It Over" é peremptório: "I can give a hundred million reasons to build a barricade". Falamos, obviamente, de depressão. O estado a que Noel chegou para escrever uma coisa destas. Não deve ter sido fácil.

"Roll It Over" é um murro no estômago. O mood é sombrio, a letra é niilista (totalmente anti-Noel) e as guitarras soam a Pink Floyd. De repente, parece que estamos num tema do "The Wall".

Mas a jóia da coroa é a voz de Noel. De todas as Demos que gravou nesta altura, é aqui que Noel dá a maior demonstração de power vocal. "Roll it over my soul, leave me heeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeere". It just goes on and on and on. Nem o Liam conseguia segurar a nota durante tanto tempo.
Nada contra Liam (quem ler esta sucessão de posts até pode achar que eu não gosto dela ou da voz dele; nada mais falso), mas é criminoso que Noel lhe tenha dado este tema. "Roll It Over" é dele, sobre ele e só devia ter sido cantada por ele.

Batemos no fundo. Mas antes que "The World That Waits Outside" possa ser confundido com um álbum dos Radiohead, levantamos-nos já a seguir.

"Solve My Mystery" (3:30)
(Demo | unreleased)


"It's not called 'Solve My Mystery'! It's fucking called 'Revolution Song!!!'"
Noel Gallagher, cansado de responder às perguntas 
sucessivas dos fãs sobre um tal de "Solve My Mystery"

Noel pode dizer as vezes que quiser que "Solve My Mystery" se chama "Revolution Song" e até pode, just to prove a point, decidir-se a lançar o tema com o nome "Revolution Song", 17 anos depois de o ter escrito. Não importa. Eu já conheço "Solve My Mystery" há 15 anos e sempre o conheci como "Solve My Mystery" e sabem porquê? Porque o Noel era demasiado teimoso para lançar o tema oficialmente. E se ele é teimoso, eu também sei ser. Por isso para mim vai ser sempre "Solve My Mystery".
"We did have one track which didn’t go on called ‘Revolution Song’.  It was demoed two years ago and it’s an out-an’-out gospel song, but not in the sense that ‘I Still Haven’t Found What I’m Looking For’ by U2 is a gospel song.  I think it’s a really, really good song.  We were going to have the full-on gospel choir singing it until fucking Blur put out ‘Tender’ and then we went, ‘fucking bastards!’.  That’ll have to wait for the next one.  They always nick our ideas!"
Noel Gallagher, Melody Maker, 23 February 2000

Noel diz que "Solve My Mystery" ficou de fora de SotSoG por causa de "Tender" dos Blur, mas eu tenho as minhas dúvidas. Por que raio demorou Noel tanto tempo para lançar um dos melhores temas que já escreveu, outra das pérolas (mais uma!) provenientes do filão dos late 90s? Não sei, mas posso imaginar. "Solve My Mystery" representa, como mais nenhum outro tema de Noel, as suas inseguranças mais escondidas. Todo o secretismo à sua volta leva a crer que seja uma visão por trás da cortina de durão que Noel quer passar para o exterior, quase uma invasão de privacidade. E acreditem, ele não gosta que invadam o seu espaço.
" I don't have nothing to prove and I don't think the band has either"
Liam Gallagher, "Standing On The Shoulder Of Giants" EPK

Esta era certamente uma questão que ruminava no fundo da mente dos irmãos Gallagher. Talvez não para Liam, que acha que é o Elvis, mas com certeza para Noel. "Because I failed, they constantly ignore me", canta Noel na primeira estrofe. Quem é que gosta de estar continuamente a ser obrigado a provar o seu valor? Teria ele ainda algo para provar? Seria capaz de continuar a fazer música depois da quase-implosão da banda? "Solve My Mystery" foi a resposta de Noel a esta dúvida.

Quando recuperou o tema para "Chasing Yesterday" (2015), Noel incorreu no erro de domesticar a música, talvez achando que era demasiado cool para se voltar a despir. Aumentou-lhe o tempo e mudou a letra, pondo-se do lado de fora: "it won't be long until I solve MY mystery" passou a "it won't be long until I solve THAT mystery". Distanciamento completo, como se a música nem sequer fosse dele; como se os sentimentos, as inseguranças que originalmente deram origem à canção não fossem dele. Na prática, Noel abordou o tema como se fosse um cover dele próprio.

"Solve My Mystery" foi o tema que me fez pegar neste assunto e re-imaginar um álbum a solo de Noel Gallagher que nunca aconteceu. É o tema que fecha a história contada em "The World That Waits Outside" numa nota positiva. "I may have lost my mind but I believe that I rule my world". Noel está preparado para enfrentar o mundo lá fora outra vez.

Amanhã, a última parte com os B-Sides e os temas que ficaram de fora.

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

"The World That Waits Outside" | O álbum perdido de Noel Gallagher (V.a)

"The World That Waits Outside"
O álbum perdido de Noel Gallagher

Como o primeiro álbum a solo de Noel Gallagher se transformou no álbum mais mal-amado dos Oasis

V.a. "Solve My Mystery" | O álbum perdido (Lado A)

Na primeira parte do capítulo final (malta, é muito texto), uma análise faixa-a-faixa do Lado A de "The World That Waits Outside".

"Fuckin' In The Bushes" (3:19)
(Demo #2 | unreleased)



"Fuckin' In the Bushes" é o tema que faz a ponte entre os anos de excessos de Noel e a sua fase mais sombria. Abre com um drum loop (o primeiro na História dos Oasis) e vários sintetizadores e logo nos apercebemos que estamos perante um animal diferente.

Há 3 demos em circulação (mais a versão oficial), cada qual em diferente fase de finalização, mas é a do meio que está no ponto (por curiosidade, fiquem também com a Demo #1 e a Demo #3). Na versão que chegou ao álbum, o então baterista dos Oasis Alan White toca por cima do drum loop (Noel terá pretendido dar um toque mais Rock ao tema) e descaracteriza um pouco a ideia inicial.

Na Demo #2, que eu escolhi para "The World That Waits Outside", sem a bateria de Alan White, "Fuckin' In The Bushes" soa praticamente a um tema de drum n' bass, estilo que vigorava na época e que outros rockers como David Bowie (em "Outside") e Roland Orzabal (em "Tomcats") também experimentaram.
Para além da bateria ao vivo, a grande diferença da Demo #2 para a versão original é o reverb adicional. Sem o reverb, "Fuckin' In The Bushes" soa fria, crua e perigosa.

Fiquem com os excertos do filme "Message To Love" que foram utilizados em "Fuckin' In The Bushes" (em todas as suas versões) sobre desordem, juventude e sexo livre:


"Go Let It Out" (5:32)
(Demo original | unreleased)



Hesitei bastante em incluir "Go Let It Out". De todos os temas gravados entre 1998 e 1999, este é o único (juntamente com "Gas Panic!") que Liam canta melhor que Noel. No geral, talvez por serem muito pessoais, prefiro as versões de Noel, mas não aqui. À versão de Noel, falta aquele corpo, aquela rouquidão, aquela arrogância da voz de Liam, a quem o tema assenta que nem uma luva.

Mas como poderia eu deixar "Go Let It Out" de fora? É o tema mais upbeat que Noel escreveu nestes anos (sendo por isso uma escolha óbvia para primeiro single de SotSoG) e de certeza aquele em que mais trabalhou.
"It starts with a drum loop and you’ll go, “That’s not Oasis.” It’s really short and catchy, it hasn’t got a guitar solo and there are no backing vocals. You know like in “Live Forever” there isn’t actually a chorus, just a little refrain? It’s like that, and there’s a sort of hole in the song where everything goes swirly and mental – backwards stuff from Camberwick Green, Windy Miller dialogue – and then there’s like a false key shift which kicks the song into a totally new gear."
Noel Gallagher, Revista Q, Fevereiro de 1999

Mais uma vez, começamos com um drum loop e, nesta versão Demo, temos um sample que não apareceu no álbum (autorização negada?) do filme "Austin Powers: International Man of Mystery". Mais uma vez, drogas e o sexo promíscuo:

O último minuto da versão Demo parece retirado de "Piper At The Gates Of Dawn" dos Pink Floyd. Noel andava a experimentar e esta é a primeira amostra do Noel psicadélico, estilo onde ele haveria de voltar mais tarde, por alturas do álbum "Dig Out Your Soul" em 2008.

"Full On" (4:18)
(B-Side de "Sunday Morning Call")



Depois do psicadelismo de "Go Let It Out", chega mais um exemplo de como Noel não tinha medo de arriscar nesta altura. "Full On" é Noel a roçar o Industrial e a safar-se muito bem com isso. Oasis a fazer Industrial? Oi? Por esta não esperavam. Mas estes eram os late 90s, os Nine Inch Nails estavam na berra, os Smashing Pumpkins lançavam "Everlasting Gaze" e os Guns N' Roses editavam "Oh My God". O Industrial estava por todo o lado.

Infelizmente, este é mais um caso em que Noel teve pés frios. "Full On" foi lançado como Lado B de "Sunday Morning Call", but not quite. Na verdade "Full On" é mais o um "Lado C", uma vez que não aparece na versão 7'' do single (aí só está "Carry Us All"), o que diz bem da atenção que Noel queria que dessem ao tema - pouca ou nenhuma.

Não há demo de "Full On", por isso incluí a versão que foi lançada como Lado B (ou C) de "Sunday Morning Call". Porém, uma vez que é o último Lado B do último single de SotSoG, não acredito que Noel fosse para estúdio para terminar o tema, pelo que a versão editada deve ser a Demo original.

"Full On" termina a fase "festiva" de "The World That Waits Outside" com o som de sucção de um ralo. Bate certo, tendo em conta o que vem a seguir.

"Gas Panic!" (6:41)
(Demo | "Who Feels Love?" Japanese single)



Chegámos ao clímax do Lado A. A vida de Noel dá uma volta para baixo e os excessos começam a dar de si. "Gas Panic!" descreve uma noite de pânico nos tempos em que Noel deixou as drogas cold turkey. "What tongueless ghost of sin crept through my curtains, sailing on a sea of sweat on a stormy night?" É o tema que melhor pinta o estado de quase absoluto isolamento de Noel, trancado em casa a lutar contra os seus demónios. É um cry for help.

Por mais incrível que pareça, foi esta a música que me fez um fanático dos Oasis (sim, leram bem). Talvez na altura me tenha revisto no pânico de Noel, no seu pedido de ajuda, não sei. Mas foi aqui que tudo começou.

Esta Demo, lançada no CD-single japonês de "Who Feels Love?", mostra que Noel já tinha a faixa num estado praticamente finalizado quando Liam entrou em cena. Para além da voz do irmão mais novo, falta aqui só o solo de guitarra, que é substituído por um solo de pan pipes (oi?!) e que, estranhamente, faz jus ao mood sombrio e psicadélico do tema.

"Where Did It All Go Wrong?" (4:33)
(Semi-acoustic version | "Where Did It All Go Wrong?" US promo CD-single)



É uma pequena batota que eu faço aqui. "Where Did It All Go Wrong?" passou agressivamente na Rádio Comercial no Inverno de 2000, não na versão do álbum, mas sim numa raríssima versão semi-acústica, incluída num CD promocional americano. Não sei como, mas de alguma maneira esta versão chegou às mãos da malta da Comercial. Eles descartaram (muito bem) a versão do álbum e deram palco a esta soberba versão despida que mostra em primeira linha a powerhouse vocal de Noel Gallagher.

Infelizmente, quando quis Oasizar o álbum, Noel achou que era melhor asfixiar "Where Did It All Go Wrong?" com uma guitarra eléctrica, que em nada beneficia o tema. Que pena. Noel tivera uma ideia muito melhor na Demo original do tema (que eu chamo de Version #1), onde é acompanhado por um órgão:



A Demo original é superior à versão que acabaria no álbum, mas ainda assim, a versão acústica é aquela que melhor faz justiça ao tema. E é com a pergunta "where did it all go wrong?" que chegamos ao fim do Lado A de "The World that Waits Outside".

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

"The World That Waits Outside" | O álbum perdido de Noel Gallagher (IV)

"The World That Waits Outside"
O álbum perdido de Noel Gallagher

Como o primeiro álbum a solo de Noel Gallagher se transformou no álbum mais mal-amado dos Oasis

IV. "Where Did It All Go Wrong?" | O mundo que espera lá fora



Em 2013, foram vendidas pela internet duas cassetes (saudades!) e um CD com as demos que Noel gravou a solo durante 1998 e 1999. Para além dos temas que acabariam por figurar no álbum "Standing On The Shoulder Of Giants" (em forma diferente e/ou com a voz do Liam), estas compilações continham ainda material que só mais tarde veria a luz do dia em B-Sides e noutros álbuns (caso de "Revolution Song") e ainda outras canções que continuam na obscuridade ("For One So Young" é um objecto de lenda).

Ao contrário das demos de álbuns anteriores também cantadas por Noel, em que ele se limita a cantar a letra que escreveu como guia à forma como Liam deve cantar (uma guide vocal), estas demos mostram Noel a dar tudo na voz. E mostram por isso que a sua voz também é uma powerhouse, o que é ainda mais perceptível nestes temas de maior carga pessoal e emocional.

  

Tivessem as coisas acontecido de outra forma, não tivesse Liam sabido que Noel andava a gravar às escondidas e, quem sabe, estas demos poderiam ter sido o primeiro álbum a solo de Noel Gallagher. É esse exercício de suponhamos a que me proponho hoje. Para tal, vou utilizar as demos disponíveis na internet (no Youtube, mais especificamente), de forma a construir aquele que poderia ter sido a obra-prima dark de Noel.

Suponhamos então que em Fevereiro de 1999, Noel decide pegar no material que tinha gravado nos últimos meses e resolve entregar-me a tarefa de compilar aquele que seria o seu primeiro álbum a solo. Chamemos-lhe "The World That Waits Outside". Porquê? Três razões:
1. Porque soa a um título de um álbum dos Oasis (right?!);
2. Porque é uma linha de "Where Did It All Go Wrong?" e é cool pôr uma linha randómica de um tema do álbum, como título do álbum;
3. Porque é um álbum solitário e indoors, que pinta a imagem de alguém a olhar pela janela numa tarde de chuva;

"The World That Waits Outside" conta uma história, a de Noel no fim dos anos 90. Começa com drogas e sexo promíscuo em "Fuckin' In The Bushes" e "Go Let It Out" (especialmente nesta versão, mas mais sobre isso amanhã), leva o excesso ao limite em "Full On", mas rapidamente desce da euforia à miséria da ressaca em "Gas Panic!" e "Where Did It All Go Wrong?". Fim do Lado A.

O Lado B começa com os passarinhos a cantar em "One Way Road". É o choque com a realidade na manhã seguinte, fria e sóbria. O novo paradigma da sobriedade continua em "Idler's Dream", onde Noel inusitadamente fala no medo de voltar ao mundo real. "Let's All Make Believe" mostra-o ainda mais descaracterizado (e por isso mais fascinante), sem fé no mundo, ou em quem o rodeia. Noel continua a escavar mais fundo no que sente e em "Just Getting Older" pergunta-se se está a colapsar ou apenas a ficar mais velho. Finalmente decide confinar-se ao isolamento em "Roll It Over" e só pede que o deixem sozinho.

Noel vai ao fundo, mas levanta-se logo a seguir em "Solve My Mystery". O álbum termina numa nota positiva, com a promessa que não vai tardar muito até ele resolver o seu mistério. Tentaram mandá-lo abaixo, mas em breve ele vai voltar a dominar o mundo.

Entre temas como "One Way Road", "Gas Panic!" e "Solve My Mystery" ("Revolution Song") está um álbum confessional, o mais pessoal da sua carreira, o seu "Nebraska"; um álbum escrito durante a desintoxicação das drogas e o quase desmantelamento dos Oasis; um álbum onde Noel luta contra os seus demónios pessoais com a caneta. Só é pena que Noel tenha achado que era demasiado cool para um "Nebraska".

Sem mais, apresenta-se então, "The World That Waits Outside", o grande álbum perdido de Noel Gallagher, conjuntamente com os respetivos singles e B-Sides acompanhantes:

______________________________________

Noel Gallagher

Side A
1. "Fuckin' In The Bushes" (3:19)
2. "Go Let It Out" (5:32)
3. "Full On" (4:18)
4. "Gas Panic!" (6:41)
5. "Where Did It All Go Wrong?" (4:33)

Side B
6. "One Way Road" (4:05)
7. "Idler's Dream" (3:00)
8. "Let's All Make Believe" (3:30)
9. "Just Getting Older" (3:21)
10. "Roll It Over" (6:32)
11. "Solve My Mystery" (3:49)


Bonus Track (CD only)
11. "Teotihuacan" (7:05)
______________________________________

1st single: "Solve My Mystery"
7''
1. "Solve My Mystery" (3:49)
2. "Sunday Morning Call" (5:16)
12''
1. "Solve My Mystery" (3:49)
2. "Sunday Morning Call" (5:16)
3. "Teotihuacan" (7:05)


2nd single: "Go Let It Out"
7''
1. "Go Let It Out" (Radio Edit)  (4:30)
2. "Who Feels Love?" (5:56)
12''
1. "Go Let It Out" (5:32)
2. "Who Feels Love?" (5:56)
3. "(As Long As They've Got) Cigarettes In Hell" (4:18)


3rd single: "Gas Panic!"
7''
1. "Gas Panic!" (Radio Edit) (4:35)
2. "Carry Us All" (4:06)
12''
1. "Gas Panic!" (6:41)
2. "Carry Us All" (4:06)
3. "Where Did It All Go Wrong?" (Version #1) (4:18)
______________________________________

"Teotihuacan" é demasiado longo (e fora de contexto) para ser incluído no álbum, mas aparece como faixa bónus no formato CD e como Lado B do primeiro single, "Solve My Mystery". "Go Let it Out" e "Gas Panic!" são os singles seguintes.

A capa do álbum, reconhecê-la-ão do single "Sunday Morning Call". Ilustra na perfeição o mood do álbum.

Amanhã, no último capítulo, uma análise faixa a faixa de "The World That Waits Outside", com a escalpelização de cada versão que devia ter entrado neste álbum imaginário.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

"The World That Waits Outside" | O álbum perdido de Noel Gallagher (III)

"The World That Waits Outside"
O álbum perdido de Noel Gallagher

Como o primeiro álbum a solo de Noel Gallagher se transformou no álbum mais mal-amado dos Oasis

I. "Fuckin' In The Bushes" | Cocaína e feedback
II. "Gas Panic!" | O período de glaciação
III. "One Way Road" | O álbum de um homem só
IV. "Where Did It All Go Wrong?" | O mundo que espera lá fora
V.a. "Solve My Mystery" | O álbum perdido (Lado A)
III. "One Way Road" | O álbum de um homem só


"I wanted to make a record that showed different sides to what I do."
Noel Gallagher, "Standing On The Shoulder Of Giants" EPK

"Standing On The Shoulder Of Giants" é efectivamente um disco a solo de Noel Gallagher - o primeiro. Basta olhar para os créditos no livrete para se perceber que Noel fez virtualmente tudo e o input do resto da banda (qual banda?) cingiu-se à voz de Liam, eventualmente alguma bateria de Alan White (o álbum é dominado por drum loops) e pouco mais. Ah, o Liam também tocou pandeireta, pois. É o álbum de um homem só, em todos os sentidos da expressão. A única ajuda veio do engenheiro de som Stuart Epps e dos produtores Mark Coyle e Paul Stacey, que auxiliaram Noel nas faixas que gravou entre 1998 e 1999 em Supernova Heights (o seu estúdio pessoal, bem baptizado, btw) e em Wheeler End (estúdio que os Oasis usaram nos 00s).



"I had basically done the album twice before it even got to the band. I had written and recorded the songs on a little Walkman, and then I demoed the tracks on ADATs in my bedroom. And we ended up using a lot of stuff from the demos on the actual record because the demos were that good."
Noel Gallagher, guitarplayer.com, 2000





Como escrevi aqui,  SotSoG é o álbum sonicamente mais audaz dos Oasis. E de longe. Ao contrário das sessões de gravação de "Be Here Now" (que duraram duas semanas), Noel teve aqui um ano para trabalhar nos arranjos dos seus novos bebés e isso nota-se bem. Bebeu influências das colaborações com Chemical Brothers e Goldie e experimentou à Lagardère com a Electrónica. Se seria impensável ouvir um drum loop ou um sintetizador em "Definitely Maybe", eles aqui estão por toda a parte. "Teotihuacan" é o exemplo mais extremo desta experimentação, um tema tão fora do espectro dos Oasis (parece Massive Attack), que nem sequer para B-Side ficou. Tivesse Noel os tomates de um tal David Bowie (lembrem-se do que fez em "Low") e o público poderia ter conhecido melhor as diferentes facetas do que é capaz de fazer. Talento não lhe falta.

"There's too much at stake now, d'ya know what I mean?"
Noel, "Standing On The Shoulder Of Giants" EPK


A verdade é que provavelmente o público dos Oasis não estava preparado para uma mudança assim tão radical na sua sonoridade (os U2 tinham feito algo semelhante com "Pop" poucos anos antes e afundaram-se tragicamente) e creio que nem o próprio Noel estava. Como aconteceu noutras ocasiões ao longo da sua carreira, Noel teve cold feet (recordo a desistência do álbum colaborativo com os Amorphous Androgynous), "Teotihuacan" acabaria atirado bem para fora dos Oasis, incluído na banda sonora dos X-Files, imagine-se, como um tema de Noel Gallagher a solo.
"It still sounds like an Oasis record, but it sounds like a different kind of Oasis record."
Noel, "Standing On The Shoulder Of Giants" EPK

Numa coisa Noel tem razão quando diz que os Oasis nunca deviam ter feito SotSoG. É que o seu lote de canções mais pessoal até à data deveria ter sido lançado como um álbum a solo de Noel Gallagher (à semelhança de "Teotihuacan"). E só não foi, porque alguém se chibou e Liam descobriu o que Noel andava a fazer.


"Noel got a call to say Liam had found out and was on his way over. Noel wasn't happy and said there would be trouble. Liam turned up and his first words were "looks like jimi hendrix bedroom" - he was great and they enjoyed themselves too."
Stuart Epps, engenheiro que acompanhou Noel nas gravações em Wheeler End

Liam apareceu no estúdio onde o irmão gravava secretamente e Noel já sabia que vinham lá problemas. Só que não. Quando Liam chegou a Wheeler End, já Noel tinha o álbum praticamente finalizado. O irmão mais novo estava a dar menos no álcool e, quiçá sentindo que a banda lhe estava a fugir das mãos, portou-se inusitadamente bem.


"With two members leaving, we got a lot closer"
Liam Gallagher sobre Noel, "Standing On The Shoulder Of Giants" EPK

Como se Noel não tivesse problemas suficientes, Guigsy (baixista) e Bonehead (guitarrista rítmico) decidiram abandonar a banda. Mais do que nunca, os Oasis pareciam condenados e Noel foi obrigado a sair da toca para dar explicações ao mundo sobre o futuro da banda, numa conferência de imprensa épica que, recordo-me bem, foi acompanhada de perto pela Rádio Comercial, como se um assunto de Estado se tratasse.



Os irmãos Gallagher chamaram os jornalistas e apresentaram-se com o melhor corte de cabelo de sempre para dizer que os Oasis estavam vivos:


A decisão estava tomada, os Oasis eram para continuar e assim os irmãos puseram mãos à obra: Liam pôs a sua voz por cima (da maioria) dos temas que Noel já gravara, Gem Archer e Andy Bell foram contratados e a banda prosseguiu por mais 10 anos. "Standing On The Shoulder Of Giants" passava assim de um projecto a solo de Noel Gallagher a um álbum legítimo dos Oasis.

Segundo um artigo da NME de 27 de Setembro de 1999, outros títulos foram considerados para o álbum: "Where Did It All Go Wrong?" (demasiado negativista) e "Coming Through" (as drogas, mais uma vez). "Standing on the Shoulder Of Giants" surgiu de um quote de Isaac Newton, que Noel Gallagher viu numa moeda de 2 libras e escreveu, já com os copos, num maço de cigarros. Esqueceu-se do "S" em shoulders, mas o título ficou bem assim.


Talvez por não ter sido um álbum a solo e ter levado o carimbo dos Oasis, Noel se tivesse retraído na escolha dos temas a incluir em SotSoG. Só assim se explica a inclusão de "Put Your Money Where Your Mouth Is" (oi?), "I Can See A Liar" (um outtake de "Be Here Now"), "Who Feels Love?" (e foi single!) e "Sunday Morning Call" (o tema que Noel mais odeia do seu espólio e foi single também!). Para não falar no sofrível "Little James" que, enfim, foi um doce que Noel ofereceu ao irmão.

Noel nunca devia ter deixado os outros contribuírem com temas para a sua banda. Não antes de terem atingido o patamar de qualidade de "Don't Believe The Truth" onde, reconheça-se, em muitos casos passaram a ser melhores que os seus. Mas isso é porque Noel alegava que "não conseguia terminar as faixas", possivelmente já guardando reportório para a sua carreira a solo.



Num universo paralelo onde Noel Gallagher tivesse tido a coragem de lançar o álbum que já tinha gravado a solo, como seria então SotSoG? Amanhã.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

"The World That Waits Outside" | O álbum perdido de Noel Gallagher (II)

"The World That Waits Outside"
O álbum perdido de Noel Gallagher

Como o primeiro álbum a solo de Noel Gallagher se transformou no álbum mais mal-amado dos Oasis

I. "Fuckin' In The Bushes" | Cocaína e feedback
II. "Gas Panic!" | O período de glaciação
III. "One Way Road" | O álbum de um homem só
IV. "Where Did It All Go Wrong?" | O mundo que espera lá fora
V.a. "Solve My Mystery" | O álbum perdido (Lado A)

II. "Gas Panic!" | O período de glaciação



Só há uma coisa que o mundo gosta mais que a ascensão de uma estrela — a sua queda. Qual estrela cadente, Noel foi atirado para o esquecimento das últimas páginas dos tablóides no fim dos anos 90. Dos anos hedonísticos da Britpop, sobraram os problemas com a droga e a bebida e as tensões na banda e no casamento. Ao mesmo tempo, Noel teve que lidar com um divórcio, com a saída de dois membros fundadores da banda (Guigsy e Bonehead), com a sua própria saída das drogas e claro, com a sempre tempestuosa relação com o irmão mais novo. Noel refugiou-se na música e ali despejou os seus tormentos.


Noel Gallagher teve entre 1998 e 2000 o seu período de glaciação, em analogia ao período equivalente de Neil Young entre 1973 e 1975. Curiosamente, à semelhança de Neil, Noel também não gosta deste período decadente, presumo que devido às memórias traumáticas a que está associado e à dor de lidar com o mundo sóbrio ("I wanna get high but I never could take the pain") depois de anos de festa rija.

No espaço de apenas um ano, a escrita de Noel passou de "stay young and invincible", para "I'm just getting older"de "you know it's gonna be okay", para "where did it all go wrong?"; de "it's getting better, man!", para "I could give a hundred million reasons to build a barricade"; de "all my people right here, right now" para "all alone in a one way road"; os exemplos são inúmeros.

A mudança radical no estado de espírito de Noel num par de meses apenas é sintomática e não se vê só na lírica. Basta olhar para a imagery da banda. De uma tarde soalheira britânica na capa de "Be Here Now", passamos para uma skyline fria e cinzenta em NY. Nos vídeos, passamos das cores beatlescas de "All Around The World", para o deserto em "Who Feels Love" e a chuva em "Go Let It Out". Os Oasis mergulharam na escuridão.



"We should have never made Standing on the Shoulder of Giants, I’d come to the end. At the time, I had no reason or desire to make music. I had no drive. I had no inspiration and couldn’t find inspiration anywhere."
Noel Gallagher, grantland.com

My ass. É frequente ouvir estas tretas do Noel, que tudo o que escreveu por esta altura era merda. Pois é precisamente ao contrário. O material escrito entre 1998 e 1999 representa "apenas" o mais profundo, mais sincero e mais REAL lote de canções do seu espólioFoi aqui que Noel deitou tudo cá para fora. Não é por acaso que acabaria por servir de filão para muitos anos de repescagens para os seus álbuns ("Let There Be Love", "Little By Little" e "Force Of Nature", para além de inúmeros lados B, remontam a esta altura).


Para além dos temas "glaciares" sobre drogas e isolamento, há aqui um segundo lote de canções mais bem dispostas, escritas em dias em que, presumo, Noel se sentia melhor; talvez depois de sair à rua, talvez depois de assistir ao filme "Message To Love" sobre o festival Isle Of Wight, o que lhe terá dado uma outra visão mais madura sobre o seu próprio consumo de drogas (Noel usaria uma série de excertos de testemunhos do filme em "Fuckin' In The Bushes"). Infelizmente foram estes temas "mais seguros", mais "à Oasis", que apareceram maioritariamente no disco.

É um contra-senso, mas o critério de Noel na escolha de material para este álbum parece ter sido definido pela selecção dos temas que mais o distanciavam do seu próprio período negro. Só assim se explica que alguns dos melhores temas que já escreveu fossem atirados para Lados B ("One Way Road", "Let's All Make Believe) e outros nem sequer vissem a luz do dia ("Solve My Mystery", "It's A Crime"). Noel repudia frequentemente "Be Here Now" com o pretexto que "tempos felizes não fazem bons álbuns", mas depois nem quer ouvir falar dos tempos de SotSoG. Decide-te, Noel.

Nenhum período mostra uma visão caleidoscópica do interior da mente de Noel como o seu período de glaciação. A única lástima é que, enquanto o período análogo de Neil produziu 3 álbuns ("Time Fades Away", "On The Beach" e "Tonight's The Night"), Noel materializou apenas um álbum - "Standing On The Shoulder Of Giants". E que álbum pobre para representar esta época. Não foi por falta de canções que Noel não foi mais profícuo, foi só falta de coragem em lançá-las ao mundo.

Amanhã, como este lote de canções pessoais se transformou num álbum dos Oasis.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

"The World That Waits Outside" | O álbum perdido de Noel Gallagher (I)

"The World That Waits Outside"
O álbum perdido de Noel Gallagher

Como o primeiro álbum a solo de Noel Gallagher se transformou no álbum mais mal-amado dos Oasis

I. "Fuckin' In The Bushes" | Cocaína e feedback
II. "Gas Panic!" | O período de glaciação
III. "One Way Road" | O álbum de um homem só
IV. "Where Did It All Go Wrong?" | O mundo que espera lá fora
V.a. "Solve My Mystery" | O álbum perdido (Lado A)

I. "Fuckin' In The Bushes" | Cocaína e feedback



Se perguntarem ao Noel Gallagher qual foi o seu apogeu enquanto compositor, de certeza que ele vos aponta o período entre 1993 e 1995, anos em que escreveu e gravou as canções que viriam a figurar nos álbuns "Definitely Maybe" e "(What's the Story) Morning Glory?". É difícil contra-argumentar com isto. Mas se a seguir lhe questionarem sobre o seu pior período, é provável que Noel indique a era do álbum "Standing On The Shoulder Of Giants", lançado no ano 2000. E aí meus amigos, o Noel está out of his fucking mind.


Vou ser directo: "Standing On The Shoulder Of Giants" (SotSoG) é não só o álbum mais underrated dos Oasis, como também é o trabalho sonicamente mais audaz da banda de Manchester, a milhas de tudo o que fizeram antes. O álbum tem dois problemas que atormentam a sua reputação: é muito dark e portanto completamente diferente do que o público estava à espera (especialmente depois do hedonismo de "Be Here Now"); e porque, de facto, está pejado de um punhado de temas do mais desinspirado que Noel já escreveu ("Put Your Money Where Your Mouth Is"? Really?).

Só pondo as mãos numa daquelas compilações menos legais de demos das sessões de 1998 e 1999 é que percebemos o que se perdeu em SotSoG. E só conhecendo a História e juntando as peças do puzzle, conseguimos ter a noção que poderíamos estar na presença da obra-prima dark de Noel Gallagher; uma espécie de Definitely Maybe negro; um Morning Glory da depressão; o grande álbum perdido de Noel Gallagher. Mas lá chegaremos. Antes disso, um pouco de História.
"Once you've written the greatest Rock N' Roll album of the 90s, what do you do?"
Noel Gallagher, "Standing On The Shoulder Of Giants" EPK

Em primeiro lugar, para perceber a (óbvia) mudança de sonoridade de "Be Here Now" para SotSoG, é preciso contextualizar a miríade de tempestades que Noel Gallagher viveu no fecho da década de 90. Depois de ocupar a cadeira dos deuses em Knebworth, em Agosto de 1996, o melhor que Noel poderia ter feito seria gozar umas merecidas férias para limpar a cabeça. Mas Noel e a Creation (a editora dos Oasis) queriam capitalizar o momentum da banda e como tal afogaram-se em cocaína para conseguirem finalizar o álbum "Be Here Now", lançado um ano mais tarde, em Agosto de 1997.

O álbum denotava clara falta de quality control: metade brilhante, metade decepcionante, mas todo ele BOOOMfull-blown, in your face e outros anglicanismos que tais. Uma horda de layers de feedback desnecessário que nuns casos tentavam disfarçar canções insossas, mas noutros apenas asfixiavam temas ao melhor nível de Noel ("Don't Go Away" à cabeça).

O mundo recebeu "Be Here Now" em euforia, mas rapidamente se apercebeu que não era assim tão bom como ansiava (e precisava). Entretanto, Spices, Backstreets, Britneys e Robbies continuavam a sua ascensão até ao topo e rapidamente o mundo se esqueceu dos Oasis, tão depressa como tinha sido sacudido com a sua chegada em 1994/1995. De repente, todos duvidavam das capacidades de Noel, o mesmo homem que durante dois anos escrevera hits atrás de hits que haviam povoado as tabelas britânicas. Noel via-se obrigado a provar o seu valor outra vez.

Amanhã, a História dos anos negros de Noel Gallagher ou, como eu lhe gosto de chamar, o seu período de glaciação.