"Now you're expecting me to live without you, but that's not something that I'm looking forward to..."
Hoje continuamos a olhar para o trajecto de Ringo Starr nos Beatles e na impotância da banda na sua carreira a solo.
No último dia, ficámos em 1965, no álbum "Rubber Soul", onde John Lennon e Paul McCartney ajudaram Ringo no seu primeiro crédito de autoria, com o sensaborão "What Goes On" (único tema creditado a Lennon-McCartney-Starkey).
Lennon e McCartney continuariam a ajudar Ringo ao longo dos anos, mas em 1966, logo a seguir a "Rubber Soul", dar-lhe-iam um presente envenenado. Ou não, depende da perspectiva.
Na gravação de "Revolver", Paul McCartney achou por bem escrever um tema para Ringo, um tema que se adequasse à sua imagem e à sua voz. O resultado de tal ideia pioneira seria... "Yellow Submarine".
Segundo as palavras de John Lennon, "Yellow Submarine" foi:
"Paul's inspiration. Paul's idea. Paul's title... written for Ringo".
"Yellow Submarine" é um tema que parece saído dos megafones de uma banda marcial (para quem não sabe, é o que em inglês se denomina
marching band), que desce a rua a anunciar que
"vivemos todos num submarino amarelo"... Exacto. Foi esta a brilhante conclusão de Paul, depois de mais uma daquelas sessões de inspiração transcendental (
cough...
trips) que ele gostava de experimentar na época: a de que vivemos todos num submarino amarelo!
Bem... Eu sou o primeiro a dar graças pelas
trips dos Beatles! Afinal, elas deram-nos coisas fantásticas como os álbuns "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" e
"Magical Mystery Tour". Louvado seja o cogumelo que deu
"I Am The Walrus" a Lennon, ou "Fixing a Hole" a McCartney!
Mas
isto?! WTF?!
Não contentes com a façanha, os Beatles resolveram lançar
"Yellow Submarine" em
single... E não é que acertaram?! O tema esteve no 1º lugar das tabelas britânicas durante 4 semanas (1 mês!!!) e venceu um
Ivor Novello Award como o
single mais vendido de 1966 no Reino Unido. Incrível.
Para elevar a demência a níveis estratosféricos, ainda foi feito
um filme de animação baseado no conceito de
"Yellow Submarine": uma viagem dos Beatles... num submarino amarelo.
(Jesus...) Incrível, mesmo...
A redenção de Lennon e McCartney para com Ringo (na minha opinião, claro; porque para o resto do Mundo, parece que "Yellow Submarine" é coisa que se apresente...) surgiria logo a seguir no álbum "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band". Apresentando-se como
Billy Shears - líder da
Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band - Ringo canta "With A Little Help From My Friends", na minha opinião, um dos melhores temas do álbum. Aqui sim, um tema digno de Ringo.
O primeiro tema da autoria exclusiva de Ringo Starr seria
"Don't Pass Me By" e apareceria apenas em 1968, no álbum homónimo da banda "The Beatles" (vulgarmente conhecido como o "White Album"). Convenhamos que foi um início muito pouco auspicioso para o baterista dos Beatles como compositor.
Por esta altura, Ringo ameaçou abandonar a banda, por achar que estava a um nível muito inferior de todos os outros. Com a auto-estima em baixo, farto das incessantes discussões em estúdio (lembro que foi aqui que uma nova personagem entrou no quotidiano da banda - a sinistra Yoko Ono) e de um processo de gravação cheio de precalços e indefinições, Ringo deixou Londres e foi de férias para o sul de França.
Duas semanas depois, a pedido dos restantes Beatles, Ringo regressaria ao estúdio para terminar as gravações do álbum. Fruto dos rasgos criativos individuais de cada um dos Beatles, sem qualquer matriz orientadora, o "White Album" acabaria por resultar numa compilação de álbuns a solo dos vários elementos da banda (obviamente com o domínio de John Lennon e Paul McCartney).
Depois da primeira amostra de criatividade com "Don't Pass Me By", o ano seguinte traria um enorme salto qualitativo para as composições de Ringo, quando contribuiu com
"Octopus's Garden" para "Abbey Road", o último álbum gravado pelos Beatles. Agora sim, finalmente: um tema divertido e jovial, mesmo à imagem de Ringo Starr, para terminar o seu trajecto na banda.
Continuando na saga do surrealismo que tantos frutos tinha dado no passado, desta vez Ringo exclama que quer viver num jardim habitado por polvos no fundo do mar. Muito bem. Entre o
jardim dos polvos e o cântico da banda marcial em como vivemos num
submarino amarelo... fico com o jardim!
Com este panorama, previa-se que a carreira a solo de Ringo seria a menos interessante de todos os Beatles. E é assim sem surpresa que, a meu ver, percebemos que essa previsão se confirmou.
Só não digo que a carreira a solo de Ringo Starr foi, de todo, "desinteressante", porque em 1971 George "apareceu" com
"It Don't Come Easy" e em 1973, Ringo chamou os restantes amigos da sua antiga banda (afinal, Ringo até era o "gajo porreiro" dos Beatles) para o álbum "Ringo".
O álbum "Ringo" foi a estrela que iluminou todo o seu reportório a solo.
"Ringo" é a cara de Ringo: é divertido, descontraído e despreocupado. A adicionar a esta equação, tem um punhado de boas canções, compostas com o auxílio dos seus amigos. Não é nada de extraordinário, nada que se possa pôr lado a lado com discos como "Band On the Run" (dos Wings de McCartney), ou a
"All Things Must Pass" (de Harrison); mas cumpre. Cumpre a missão de deixar um trabalho de referência na carreira a solo de Ringo e mostra aquilo que ele pode e sabe fazer, especialmente quando é bem auxiliado.
O caso mais bem sucedido é este "Photograph", escrito (mais uma vez) com o auxílio de George Harrison (que andava
on fire nesta altura), tema lançado em
single em Maio de 1973 e que liderou as tabelas nos EUA; um feito que seria repetido no fim desse ano por "You're Sixteen".
No concerto de tributo a George Harrison no Royal Albert Hall, depois da sua morte em 2002, Ringo apareceu para tocar o tema escrito conjuntamente com o seu amigo, numa homenagem que, tendo em conta o conteúdo da letra de "Photograph", fez todo o sentido:
"Every time I see your face, it reminds me of the places we used to go.
But all I've got is a photograph and I realize you're not coming back anymore..."
"I thought I'd make it, the day you went away. But I can't make it, 'til you come home again to stay..."
George e Ringo partilhavam uma enorme amizade. No documentário "Living In The Material World" de Martin Scorsese (
que já recomendei, sem reservas, aqui), Ringo conta a comovente história da última vez que viu George, já este estava gravemente doente... e não conseguiu evitar as lágrimas: