"Though my problems are meaningless, that don't make them go away."
Já estou a dever meia dúzia de posts ao Neil Young. Mas tenho desculpa. Até há pouco tempo, vivi toda a minha vida oblívio à sua existência. Mas desde o inverno passado que acordei desta hibernação e ganhei uma obsessão pela sua música.
Conforme acontece frequentemente na minha relação com a música, ela vem ter comigo quando eu mais preciso, isto é, quando ela encaixa naquele momento específico que eu estou a viver. Foi isso que aconteceu com Neil Young.
"All my pictures are fallin' from the wall where I placed them yesterday."
A carreira de Neil Young é demasiado extensa no tempo e no volume para ser absorvida num ano, ou condensada num punhado de parágrafos.
Por isso não esperem aqui uma visão alargada sobre a mamutiana carreira de Neil. Nem eu tive tempo que me permita fazer essa análise.
Mas tive o tempo mais que suficiente para amadurecer um determinado período da carreira de Neil Young - o período que mais me fascinou quando comecei a pesquisar o seu trabalho - chamemos-lhe o período de glaciação de Neil Young.
Neil Young, no livrete de "Decade", sobre "Heart Of Gold"
"Heart Of Gold" e o respetivo álbum "Harvest" catapultaram Neil Young para o sucesso em 1972. "Harvest" está carregado de canções folk que ficam imediatamente no ouvido, quais êxitos instantâneos. É impossível não gostar de "Harvest". Desde "Old Man", passando pelo tema-título "Harvest", a balada "A Man Needs A Maid", o clássico "The Needle And The Damage Done" e claro, "Heart Of Gold", há neste álbum melodias em barda para agradar a todos. Cada tema conta uma história, valendo a Neil o epíteto de novo Bob Dylan.
Agora atentem à nota que Neil Young escreveu na compilação "Decade", sobre o seu maior êxito "Heart Of Gold" - o tema que lhe deu o sucesso que qualquer artista ambiciona: "This song put me in the middle of the road (...), so I headed for the ditch". Traduzindo: "Este tema pôs-me no meio da estrada, por isso eu dirigi-me para a valeta."
A valeta / fosso de que Neil Young fala é o período negro da sua vida, que foi berço do seu trabalho mais fascinante. O fosso prolongou-se durante 2 anos (1973/1974), tempo em que Neil lidou com a perda de alguns amigos para a droga, com os fantasmas do sucesso e o alheamento do Mundo que o rodeava.
Este período produziu 3 álbuns: "Time Fades Away", "Tonight's The Night" e "On The Beach" - popularmente agrupados e baptizados como a Ditch Trilogy (Trilogia do fosso), Doom trilogy (trilogia da condenação) ou como eu gosto de chamar: a trilogia da glaciação de Neil Young.
Glaciação, porque se dá o congelamento de Neil Young para com o Mundo à sua volta e tudo o que esperavam dele. É a completa alienação para com o exterior e o foco no que se passa nas profundezas da sua mente.
"I went to the radio interview, but I ended up alone at the microphone."
"Time Fades Away" foi o 1º da trilogia - um álbum ao vivo que documenta a digressão mais desastrosa da carreira de Neil (segundo o próprio). O álbum é o despiste em direcção ao fosso a que Neil Young se refere. Ao fim de 40 anos, "Time Fades Away" permanece sem voltar a ver a luz do dia, não tendo sequer sido lançado alguma vez em CD.
Se "Time Fades Away" foi o despiste para o fosso, "Tonight's The Night" - o 2º volume da trilogia - foi o desespero que sucede a tragédia. Cheio de pregos e desafinações, o álbum é um exercício de lamentação puro e cru. De tal forma que, quando acabou de gravar o álbum, Neil Young decidiu arquivá-lo e gravar o próximo.
O próximo seria "On The Beach".
"On The Beach" é assim o álbum que fecha a trilogia da glaciação de Neil Young e fecha numa nota que tem tanto de depressão, como de cinismo. Enquanto o título do álbum nos pode remeter para uma paisagem como esta:
...o conteúdo de "On The Beach" leva-nos para o interior da mente de Neil Young e revela um cenário bem diferente:
É a obra prima de Neil Young.
Inexplicavelmente, este álbum também não voltaria a ver a luz do dia até 30 anos depois do seu lançamento, quando foi finalmente lançado em CD em 2003. Mas isso evidencia a relação de amor-ódio que Neil Young terá com os álbuns que gravou no período mais negro da sua vida.
"Now I'm livin' out here on the beach, but those seagulls are still out of reach."
O desencanto (e congelamento) de Neil Young para com o Mundo é bem evidente por todo o álbum, mas ressoa-me especialmente no tema-título "On The Beach".
Embora Neil confesse o privilégio de viver na praia - isto é, de ter atingido o sucesso que todos os músicos desejam - as gaivotas que ele ambiciona continuam fora do seu alcance. E aposto que nem ele sabe muito bem quem são e o que lhe podem trazer essas gaivotas. Mas ele quere-as. Disso, ele sabe.
Embora Neil confesse o privilégio de viver na praia - isto é, de ter atingido o sucesso que todos os músicos desejam - as gaivotas que ele ambiciona continuam fora do seu alcance. E aposto que nem ele sabe muito bem quem são e o que lhe podem trazer essas gaivotas. Mas ele quere-as. Disso, ele sabe.
"I follow the road, though I don't know where it ends.
Get out of town, think I'll get out of town"