terça-feira, 29 de julho de 2014

Neil Young - "On The Beach"

"Though my problems are meaningless, that don't make them go away."



Já estou a dever meia dúzia de posts ao Neil Young. Mas tenho desculpa. Até há pouco tempo, vivi toda a minha vida oblívio à sua existência. Mas desde o inverno passado que acordei desta hibernação e ganhei uma obsessão pela sua música.
Conforme acontece frequentemente na minha relação com a música, ela vem ter comigo quando eu mais preciso, isto é, quando ela encaixa naquele momento específico que eu estou a viver. Foi isso que aconteceu com Neil Young.

"All my pictures are fallin' from the wall where I placed them yesterday."

A carreira de Neil Young é demasiado extensa no tempo e no volume para ser absorvida num ano, ou condensada num punhado de parágrafos.
Por isso não esperem aqui uma visão alargada sobre a mamutiana carreira de Neil. Nem eu tive tempo que me permita fazer essa análise.
Mas tive o tempo mais que suficiente para amadurecer um determinado período da carreira de Neil Young - o período que mais me fascinou quando comecei a pesquisar o seu trabalho - chamemos-lhe o período de glaciação de Neil Young.

Neil Young, no livrete de "Decade", sobre "Heart Of Gold"

"Heart Of Gold" e o respetivo álbum "Harvest" catapultaram Neil Young para o sucesso em 1972. "Harvest" está carregado de canções folk que ficam imediatamente no ouvido, quais êxitos instantâneos. É impossível não gostar de "Harvest". Desde "Old Man", passando pelo tema-título "Harvest", a balada "A Man Needs A Maid", o clássico "The Needle And The Damage Done" e claro, "Heart Of Gold", há neste álbum melodias em barda para agradar a todos. Cada tema conta uma história, valendo a Neil o epíteto de novo Bob Dylan.

Agora atentem à nota que Neil Young escreveu na compilação "Decade", sobre o seu maior êxito "Heart Of Gold" - o tema que lhe deu o sucesso que qualquer artista ambiciona: "This song put me in the middle of the road (...), so I headed for the ditch". Traduzindo: "Este tema pôs-me no meio da estrada, por isso eu dirigi-me para a valeta."
A valeta / fosso de que Neil Young fala é o período negro da sua vida, que foi berço do seu trabalho mais fascinante. O fosso prolongou-se durante 2 anos (1973/1974), tempo em que Neil lidou com a perda de alguns amigos para a droga, com os fantasmas do sucesso e o alheamento do Mundo que o rodeava.
Este período produziu 3 álbuns: "Time Fades Away", "Tonight's The Night" e "On The Beach" - popularmente agrupados e baptizados como a Ditch Trilogy (Trilogia do fosso), Doom trilogy (trilogia da condenação) ou como eu gosto de chamar: a trilogia da glaciação de Neil Young.
Glaciação, porque se dá o congelamento de Neil Young para com o Mundo à sua volta e tudo o que esperavam dele. É a completa alienação para com o exterior e o foco no que se passa nas profundezas da sua mente.

"I went to the radio interview, but I ended up alone at the microphone."

"Time Fades Away" foi o 1º da trilogia - um álbum ao vivo que documenta a digressão mais desastrosa da carreira de Neil (segundo o próprio). O álbum é o despiste em direcção ao fosso a que Neil Young se refere. Ao fim de 40 anos, "Time Fades Away" permanece sem voltar a ver a luz do dia, não tendo sequer sido lançado alguma vez em CD.

Se "Time Fades Away" foi o despiste para o fosso, "Tonight's The Night" - o 2º volume da trilogia - foi o desespero que sucede a tragédia. Cheio de pregos e desafinações, o álbum é um exercício de lamentação puro e cru. De tal forma que, quando acabou de gravar o álbum, Neil Young decidiu arquivá-lo e gravar o próximo.
O próximo seria "On The Beach".

"On The Beach" é assim o álbum que fecha a trilogia da glaciação de Neil Young e fecha numa nota que tem tanto de depressão, como de cinismo. Enquanto o título do álbum nos pode remeter para uma paisagem como esta:


...o conteúdo de "On The Beach" leva-nos para o interior da mente de Neil Young e revela um cenário bem diferente:


É a obra prima de Neil Young.
Inexplicavelmente, este álbum também não voltaria a ver a luz do dia até 30 anos depois do seu lançamento, quando foi finalmente lançado em CD em 2003. Mas isso evidencia a relação de amor-ódio que Neil Young terá com os álbuns que gravou no período mais negro da sua vida.

"Now I'm livin' out here on the beach, but those seagulls are still out of reach."

O desencanto (e congelamento) de Neil Young para com o Mundo é bem evidente por todo o álbum, mas ressoa-me especialmente no tema-título "On The Beach".
Embora Neil confesse o privilégio de viver na praia - isto é, de ter atingido o sucesso que todos os músicos desejam - as gaivotas que ele ambiciona continuam fora do seu alcance. E aposto que nem ele sabe muito bem quem são e o que lhe podem trazer essas gaivotas. Mas ele quere-as. Disso, ele sabe.


"I follow the road, though I don't know where it ends.
Get out of town, think I'll get out of town"

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Alice In Chains - "Them Bones"

"I believe them bones are me.
Some say we're born into the grave.
I've been so alone, gonna end up a big ol' pile o' them bones"

"Ha!!!...... Ha!!!...... Ha!!!......"  ...é com estes gritos, em prantos de quem está ao microfone debaixo de um chicote, que os Alice In Chains dão início ao seu 2º álbum "Dirt".
"Them Bones", como a maioria da discografia dos Alice, soa-me a isto:


A imagem em cima é uma fotografia de um combate de boxe, onde vemos a expressão de dor de um homem que leva um murro na cara. É disto que trata a música dos Alice In Chains - são representações de dor, de sofrimento.
Não havia, de certeza, melhor imagem para capa da colectânea "Greatest Hits" da banda:


É por demais evidente que os Alice In Chains levavam a sua música muito a sério. Tão a sério que roçavam a aversão ao mercado mais comercial. Os Alice eram demasiado mórbidos para serem do mainstream. E não digo mórbidos no sentido a que estamos habituados nas bandas de metal - eles não falam em entranhas expostas, nem no mau hálito do demo, ao som de grunhidos do vocalista e de mil notas por segundo do guitarrista.
Os Alice são mórbidos porque falam da morte, falam da dor e do sofrimento, falam de sentimentos reais. Eles não faziam música para agradar às massas, nem mesmo para os miúdos das camisas de flanela, que acharam piada aderir à moda do grunge. Os Alice faziam música porque sabiam o que é a  dor, o que é o sofrimento e queriam mostrar-nos alguma dessa dor e desse sofrimento, para que nós saibamos o que é também.

"I've been so alone, gonna end up a big ol' pile o' them bones"
Se havia veículo perfeito para passar esta mensagem, esse veículo era Layne Staley - o já falecido vocalista original da banda.
Layne Staley é a voz da morte. Se a morte tivesse uma voz, eu imagino-a como a voz do Layne Staley.

Não há esperança da voz arrastada de Layne, nem na música dos Alice In Chains. Não é como, por exemplo, os Pearl Jam, onde Eddie Vedder cantava sobre o pai que tinha morrido e nunca tinha conhecido, mas ao mesmo tempo exclamava a plenos pulmões que "Oooooh-aaaaaah-aah Ooh-ooh I'm still alive!", ou seja, que ainda estava vivo - há esperança ali. Não há nada disso nos Alice, aqui só há desolação, só há aridez.
Nomes de temas como "Rain When I Die", "Down In A Hole",  "Sea Of Sorrow", ou "We Die Young", falam por si.


Não gosto de bater sempre na mesma tecla, mas palavra que eu não entendo como é que os Nirvana é que foram a "cena" dos early 90's. Só entendo na perspectiva da "acessibilidade".
Por mais que eu esteja aqui a elevar a sua música, o apelo comercial dos Alice In Chains para as massas era diminuto. O sucesso que tiveram acabou por ser muito devido a terem surfado na onda dos Nirvana - banda que me parece em tantas coisas inferior aos Alice... e a muitas outras de Seattle.