sexta-feira, 13 de julho de 2012

Pink Floyd - "Pigs (Three Different Ones)"

«Pink Floyd de "Animals" a "The Wall" - Um muro ao fundo do túnel» (Parte 2)

Capítulo IV - Um porco na estrada

O nascimento de "Animals" foi um processo difícil e moroso, que deixou mazelas anímicas nos membros dos Pink Floyd, mas foi apenas o início: o início do fim.
Uma vez lançado o monstro para a rua, era preciso alimentá-lo, levá-lo à estrada. Mas isso, nesta altura do "campeonato", com os Pink Floyd no topo do Mundo, só poderia ser feito em larga escala. Assim, os Pink Floyd decidiram que, dando resposta à elevada procura em algumas cidades, estava na hora de sair do conforto das arenas e aí levar o seu espectáculo para grandes estádios.

A fome de sucesso (e de dinheiro) da máquina dos Pink Floyd era enorme, pelo que foi lançada uma campanha de promoção muito agressiva para a digressão de promoção a "Animals", enchendo páginas dos jornais com maior tiragem nos países que visitou. Embora o álbum não tenha sido comercialmente tão bem sucedido como os dois anteriores, os Pink Floyd bateram recordes de escala, de demanda e de vendas de bilhetes, esgotando arenas e estádios na Europa e nos EUA.
A procura era imensa e a ganância dos promotores ainda maior, de tal forma que, para fazer face à elevada demanda de bilhetes, as salas estavam muitas vezes claramente sobrelotadas. Foi o caso do Soldier Field Stadium em Chicago, para onde deveriam ter sido vendidos 67 000 bilhetes, mas foram na realidade emitidos mais de 95 000, lesando a banda em centenas de milhares de dólares.

"You're nearly a good laugh, almost a joker
With your head down in the pig bin saying 'Keep on digging'"



Dentro do espírito megalómano que já estava intrínseco a tudo o que os Pink Floyd faziam, a banda decidiu levar consigo Algie (em baixo, à esquerda), o grande ícone de "Animals" - um porco insuflável gigante, que flutuava sobre a audiência e se tornaria numa das imagens de marca da banda. Foi projectado um palco mais elaborado e foram ainda criados outros insufláveis, como a "Família Nuclear" (em baixo, à direita), para completar o cenário. Mas o que ficou para a História foi mesmo o porco insuflável, que passou a presença assídua nos concertos dos Pink Floyd e, mais tarde, de Roger Waters a solo.


E foi assim que nasceu a "In The Flesh Tour" (ou "Animals Tour"), que espalhou raiva e desdém pela Europa e os EUA fora, desde Janeiro a Julho de 1977, em 55 concertos.
Musicalmente e energicamente, a banda estava melhor do que nunca: coesa e confiante. Pela primeira vez desde 1972, foram dispensadas as backup singers, mas foi recrutado o guitarrista Snowy White (que já tinha estado nas gravações de "Animals"), bem como o saxofonista Dick Parry, que preenchiam a paisagem sonora da banda em palco.

A estrutura do espectáculo era fixa: no 1º Set, o álbum "Animals" completo, numa sequência diferente da original; no 2º Set, o álbum "Wish You Were Here" completo, na sequência original; nos encores, o normal era a banda tocar "Money" ou "Us And Them", do álbum "the Dark Side Of The Moon", embora nalgumas ocasiões tocassem os dois. Com a interpretação dos 2 últimos álbuns completos, muitas vezes reforçados por longas passagem de improviso, mais um encore (por vezes alargado), os espectáculos desta digressão foram uma demonstração de força dos Pink Floyd como "banda de palco", para além do espectáculo que os rodeava.
Embora as digressões anteriores já tivessem utilizado lasers, projecções e insufláveis, foi especialmente a partir daqui (começando com a digressão "The Wall Live" original), que os concertos dos Pink Floyd começaram a atirar os intérpretes da música para um plano quase "complementar" do espectáculo.

Por tudo isto e por ser a última digressão com maior "liberdade de improviso", a "In The Flesh Tour" é amplamente reconhecida como uma das mais memoráveis digressões da História dos Pink Floyd e ainda hoje é vista com saudade pelos fãs da banda. Mas esteve longe de ser uma digressão fácil. Começando pela escala monumental dos concertos.
Outrora intimistas e em salas pequenas, os concertos dos Pink Floyd eram agora um espectáculo teatral imenso - à imagem da megalomania de Waters - servido para dezenas de milhares de espectadores, onde a música representava apenas uma parte do entretenimento. O mais curioso é que quem estava a ter mais problemas em lidar com este novo paradigma, era o próprio Roger, cujo comportamento foi ficando sucessivamente mais agressivo, à medida que a digressão foi avançando.

As faíscas dentro da banda não tardaram a surgir e as relações entre os membros dos Pink Floyd foram-se deteriorando. Foi nos EUA que a situação piorou e a determinada altura, Richard Wright chegou mesmo a apanhar um avião para a Inglaterra, ameaçando deixar a banda a meio da digressão. Waters, mais uma vez ele, começou a isolar-se do resto da banda, chegando às salas sozinho e saindo imediatamente a seguir ao fim dos concertos. Para piorar, a sua nova namorada não se dava com Ginger Gilmour - a mulher de David na época (não eram só os homens que se davam mal...) e aí surgiu mais um ponto de discórdia entre os dois. Nesta altura, David Gilmour já não via futuro nos Pink Floyd, uma vez que já tinham atingido tudo o que sonharam e partir daí seria sempre a descer.

O ambiente estava muito difícil.
Quando finalmente chegaram as últimas noites da "In The Flesh Tour" em Julho, na Costa Leste dos EUA e Canadá, o copo transbordou.

Capítulo V - Um porco no estádio

Se é verdade que a "In The Flesh Tour" deve a sua especial mística à agressividade com os Pink Floyd interpretavam as suas músicas no palco, não é menos verdade que foi essa agressividade que matou a banda. Com ferros matou, com ferros morreu.
Roger Waters, sempre ele, era nesta altura a figura central da banda, quer como força criativa, quer como força anímica. O seu comportamento cada vez mais agressivo ao longo da digressão foi a faísca demasiado incandescente, que acabou por consumir a banda em lume forte, uns anos mais tarde. Até lá, Roger ainda foi a tempo de criar uma das maiores obras primas da História do Rock: "The Wall".
Grande parte do caminho pelo túnel tenebroso que levou Roger Waters ao muro de "The Wall" foi percorrido ao longo da "In The Flesh Tour" e terminou na noite de 6 Julho, no Estádio Olímpico de Montreal, a última data da digressão de "Animals".


Poucas noites antes, no Madison Square Garden em New York, Roger já tinha perdido a cabeça com os técnicos de luz, contratados localmente devido à greve dos técnicos da comitiva dos Pink Floyd. Dando-se conta da dificuldade em manusearem o equipamento da banda e acertarem com as luzes no palco, Roger mandou parar a banda e gritou: "I think you New York lighting guys are a fucking load of shit!".

Em plena era de rebentamento do punk, par uma banda de massas como os Pink Floyd, o público era um "bicho" difícil de lidar, para quem estava habituado às audiências mais contemplativas do início da década de 70.
Durante a digressão, especialmente nos concertos americanos, com audiências mais barulhentas, era frequente Waters insultar os espectadores das primeiras filas que não paravam de gritar nos temas mais calmos, bem como os que levavam petardos para rebentar na sala, desconcentrando a banda.
Na noite de 6 Julho, em Montreal, diante de aproximadamente 90 mil pessoas, Roger não aguentou mais. Um grupo de miúdos mais entusiasmados da fila da frente irritou Roger ao ponto de... já lá vamos.


Com a prática e a confiança acumulada ao longo da digressão (para além das já referidas tensões), o último concerto da "In The Flesh Tour" foi musicalmente muito forte. A banda mostrava forte coesão e durante os primeiros temas do álbum "Animals" ("Sheep", "Pigs on the Wing (Part I)" e "Dogs") tudo parecia correr dentro do normal em cima do palco. Fora dele... nem por isso. A audiência mostrava-se particularmente faladora e barulhenta, ouvindo-se uma série de petardos a rebentar, aqui e ali. Era impossível esperar que 90 mil pessoas se mantivessem quietas.



Quando chegou "Pigs on the Wing (Part II)", Roger Waters perdeu a paciência. Depois de tentar tocar os primeiros acordes do tema, por 3 vezes, na sua guitarra acústica, rebentou mais um petardo e Roger parou de tocar, dirigindo-se assim ao público:



"Aww, for fuck's sake, stop lettin' off fireworks and shouting and screaming, I'm trying to sing the song!
I mean, I don't care.. If you don't want to hear it, you know... Fuck you! I'm sure there's a lot of people here who do want to hear it. So why don't you just be quiet!
If you want to let your fireworks off, go outside and let them off there, and if you want to shout and holler, go and do it out there...
I'm trying to sing a song that some people want to listen to! I want to listen to it..."

Estava assim feita uma declaração de guerra à audiência, não só do Estádio Olímpico de Montreal, mas também de todos os concertos dos Pink Floyd. Pelo disparo de raiva contra o seu próprio público, como um pai para um filho mal comportado, percebe-se que Roger estava farto de tudo e tinha chegado ao seu limite.

A banda continuou, mas Roger não tinha ainda terminado de despejar a sua amargura no público de Montreal. Quando chegou "Pigs (Three Different Ones)", Roger cumpriu a profecia que o próprio lançara num verso do tema "Dogs", chocando a audiência, a banda e, principalmente, ele próprio. Durante a secção de improviso no final do tema, Roger chamou um dos fãs da fila da frente para cima do palco e cuspiu-lhe na cara. "Who was trained not to spit in fan", indeed.



É impossível dizer exactamente quando é que foi a cuspidela, mas pelo destempero que Roger mostra no fim do tema, percebe-se que perdeu o controlo e ficou perturbado com o que acabou de fazer. Depois de ter cuspido no rapaz, Roger grita:

"Come back pig! All is forgiven! Come on, boy!"
(assobia, como se estivesse a chamar um animal)
"Come on, son! YEEEAAAH"

Tudo o que se passa no palco ganha contornos ainda mais macabros com a música sinistra de improviso, de "Pigs (Three Different Ones)", que a banda está a tocar neste momento.

Este foi o momento de epifania de Roger Waters, quando chegou à conclusão que nada daquilo fazia sentido: "Afterwards I became really depressed and thought, ‘My God, what have I been reduced to?'"
No fim da noite, de volta ao quarto de hotel, Roger percebeu que a audiência era um perigo para ele, uma vez que o estava a alienar do Mundo real e, mais que isso, ele próprio se tornara um perigo para a audiência, como ficou demonstrado pela famosa cuspidela.
Foi desta ideia de perigo mútuo que Roger Waters formulou a ideia do muro, um muro que separasse a banda e a audiência, garantindo que ninguém fizesse mal a ninguém.
Foi esta a base de construção do muro, foi esta a origem da ideia por trás do álbum "The Wall".

Epílogo - Um muro...

Se é habitual ouvir que os álbuns dos Pink Floyd são uma viagem, eu diria que "Animals" nos leva para um túnel escuro, numa fábrica abandonada. Como a que vemos nas fotos que acompanharam a edição original do álbum, em vinyl. No fundo desse túnel, um muro: "The Wall".
Deixo a última palavra a Roger Waters:

"In the Old Days, pre-Dark Side of the Moon, Pink Floyd played to audiences which, by virtue of their size, allowed an intimacy of connection that was magical.
However, success overtook us and by 1977 we were playing in football stadiums. The magic was crushed beneath the weight of numbers. We were becoming addicted to the trappings of popularity.
I found myself increasingly alienated in that atmosphere of avarice and ego until one night in the Olympic Stadium, Montreal, the boil of my frustrations burst.
Some crazed teenage fan was clawing his way up the storm netting that separated us from the human cattle pen in front of the stage screaming his devotion to the demi-gods beyond his reach. Incensed by his misunderstanding and my own connivance, I spat my frustration in his face.
Later that night, back at the hotel, shocked by my behavior, I was faced with a choice. To deny my addiction and embrace that comfortably numb but magic-less existence or accept the burden of insight, take the road less traveled and embark on the often painful journey to discover who I was and where I fit.
THE WALL was the picture I drew for myself to help me make that choice."