«Pink Floyd de "Animals" a "The Wall" - Um muro ao fundo do túnel» (Parte 1)
Prólogo - ...ao fundo do túnel
O álbum "The Wall" já foi assunto aqui no blog quando Roger Waters trouxe a Lisboa a sua megalómana digressão "The Wall Live", em Março de 2011.
Entretanto, Waters levou esse conceito uns passos mais além, expandido o espectáculo para uma escala ainda maior e levando-o a estádios um pouco por toda a América do Sul e do Norte. A digressão tem sido um sucesso retumbante, dando-lhe a visibilidade que lhe escapava desde que deixou os Pink Floyd, em 1985. De tal forma que o histórico baixista dos Pink Floyd foi entrevistado pela CBS, no popular programa "60 Minutes".
A história que vos quero contar (hoje numa primeira parte, que terá continuação mais tarde) explica qual é a origem da ideia por trás do icónico álbum dos Pink Floyd, um dos mais vendidos da História da música.
Mas para perceber a origem de "The Wall", temos que recuar até "Animals", mais precisamente até à noite de 6 de Julho de 1977, a última noite da lendária "In The Flesh Tour" - a digressão de promoção ao álbum "Animals". Mas já lá vamos.
Antes disso, atentemos no álbum "Animals", lançado em 1977, possivelmente o conjunto de temas mais agressivo de todo o catálogo dos Pink Floyd.
Capítulo I - Uma faísca perigosamente incandescente
Na ressaca do mega-sucesso dos álbuns "The Dark Side Of The Moon" (também um dos álbuns mais vendidos de sempre, ainda mais que "The Wall", ficando nas tabelas dos EUA durante mais de 15 anos (!!) consecutivos (!!!)) e "Wish You Were Here", os Pink Floyd estavam, em 1976, no topo do Mundo. No entanto, a gravação do álbum seguinte seria tudo menos pacífica.
Nesta altura, os Pink Floyd já tinham alcançado tudo o que poderiam sonhar, como artistas e como estrelas Rock. Desde o sucesso, primeiro localmente como banda de culto e depois internacionalmente como banda de massas, passando pelas vendas monumentais, a aclamação por parte da crítica, a enorme legião de fãs, que enchia estádios em toda a Europa e toda a América, o hedonismo e, como é óbvio... muito, muito, MUITO... dinheiro. Depois de tudo isto, já não havia muito mais que fazer para uma banda como os Pink Floyd, que neste momento já era um monstro fora do controlo de qualquer dos seus membros. A estes, restava continuar com o espectáculo.
O problema é que as tensões dentro dos Pink Floyd já faziam faíscas perigosamente incandescentes. À cabeça destes atritos, estavam as 2 questões clássicas que se levantam, sempre que se cria um monstro de popularidade: poder e dinheiro.
O dinheiro, apesar dos lucros obscenos que a banda apresentava, já começava a ser um problema, uma vez que em 1976, os Pink Floyd decidiram investir em capitais de alto risco, os quais fizeram a banda perder milhões de libras.
Já o poder, esse tinha um nome: Roger Waters.
Foi nesta altura que Waters começou a ganhar cada vez maior proeminência na banda. O novo álbum "Animals" tinha 5 faixas e com a excepção de "Dogs" (escrita com David Gilmour), todas as faixas foram escritas por Roger Waters, sendo a primeira vez que Richard Wright não contribui com qualquer tema num álbum dos Pink Floyd. "Pigs on the Wing", um curto tema acústico, foi dividido em dois, de modo a abrir e fechar o álbum. Porém, como as royalties (dividendos por direitos de autor) eram distribuídas de acordo com o número de faixas e não com a duração das mesmas ("Dogs" ocupava o Lado 1 praticamente todo), Waters recebia muito mais dividendos que Gilmour. Poder e dinheiro, portanto.
Capítulo II - O Triunfo dos Porcos
""Animals" was a slog. It wasn't a fun record to make, but this was when Roger really started to believe that he was the sole writer for the band. He believed that it was only because of him that the band was still going, and obviously, when he started to develop his ego trips, the person he would have his conflicts with would be me."
Richard Wright
A verdade é que Roger Waters era, de facto, a grande força criativa da banda. Pelo menos no que concerne ao lado conceptual. Tal como tinha sucedido com "The Dark Side Of The Moon", também "Animals" nasceu de uma ideia de Roger Waters: fazer um álbum conceptual baseado na obra "Animal Farm" (em português: "O Triunfo dos Porcos") de George Orwell.
"Animal Farm" é uma fábula politico-social, onde as várias classes da sociedade são equiparadas a diferentes espécies de animais: os cães, como forças de combate (exército); os porcos, como forças dominantes, déspotas e cruéis (classe política); as ovelhas, como seguidores cegos e acéfalos das forças dominantes (o povo).
Na alutra do seu lançamento, o livro de Orwell serviu como uma crítica ao Comunismo (mais precisamente o Estalinismo, em vigor na URSS), mas Waters usa as mesmas alegorias para desconstruir a sociedade capitalista em que vivia. Ao comparar a condição humana à de meros animais de quinta, Waters pretendia pôr a nu a dissolução moral e social da sociedade de então.
Sendo o capitalismo e o comunismo duas doutrinas teoricamente antagónicas, não deixa de ser curioso que as mesmas metáforas encaixem que nem uma luva na crítica a qualquer uma delas.
"Animals" é um álbum duro, raivoso, revoltado. Um álbum que bebeu a sua inspiração da raiva e da revolta que os membros dos Pink Floyd sentiam na época, seja em relação à sociedade (Waters), seja uns pelos outros. Estes sentimentos estão bem patentes ao longo de todo o álbum, quer na lírica e na forma irada como Roger e David cantam, quer na música e na forma furiosa como os Pink Floyd a tocam.
Ouçam os solos de David Gilmour em "Dogs" e no final de "Sheep" e digam-me se ele não estava fod**** da vida quando os tocou em estúdio. David vivia um dos momentos mais inspirados da sua carreira e, neste caso, não importa se a sua inspiração veio do (eterno) conflito/rivalidade que mantinha com Roger Waters, ou do nascimento do seu 1º filho. O que importa é o que ouvimos e o que ouvimos é fabuloso. Se é recorrente ouvirmos que Gilmour faz a guitarra falar, em "Animals" a guitarra de Gilmour fala alto e... com palavrões.
"It's too late to lose the weight you used to need to throw around.
So have a good drown, as you go down, all alone, dragged down by the stone."
Para materializar o álbum conceptual baseado em "Animal Farm", os Pink Floyd pegaram em 2 temas de 1974, deixados de fora de "Wish You Were Here", e desenvolveram-nos para a temática do álbum. Os temas em questão são "Raving and Drooling" e "You Gotta Be Crazy", peças longas já conhecidas pelo público que assistiu a qualquer concerto da digressão de promoção a "Wish You Were Here". "Raving and Drooling" deu origem a "Sheep" e "You Gotta Be Crazy" foi rebaptizado e reformulado para "Dogs", a única composição de David Gilmour (conjuntamente com Roger Waters) em "Animals".
"Dogs" e "Sheep" foram separados por "Pigs (Three Different Ones)" - um tema novo de Roger Waters - e, como referi em cima, a curta peça acústica "Pigs On The Wing" abria e fechava o álbum. Estava assim feito mais um álbum "à Pink Floyd", com apenas 5 temas, sendo que as duas partes de "Pigs On The Wing" não chegavam a 2 minutos e meio.
O tema que aqui deixo hoje é "Dogs", um dos temas mais furiosos deste álbum. Aqui ouvimos a receita para a criação de um bom homem de negócios, um homem que triunfe num mundo de porcos. Para tal, este homem deve estar sempre de sobreaviso em relação aos colegas, ser obediente à chefia (qual cão amestrado), não ter amigos e estar sempre preparado para lhes "espetar a faca".
"You have to be trusted by the people that you lie to, so that when they turn their backs on you, you'll get the chance to put the knife in"
Capítulo III - Um porco a voar
Apesar de não ter sido comercialmente tão bem sucedido como os seus antecessores, o álbum "Animals" deixou uma marca iconográfica indelével na cultura Rock. E isso deve-se a Algie (o porco a voar), à Battersea Power Station em Londres e a uma fotografia sublime, que ficará para sempre como uma das melhores capas de um álbum na História do Rock.
Sombrio e intrigante. Fabuloso.
Lembro-me perfeitamente de, quando miúdo, olhar para a capa do vinyl do meu Pai e ficar assustado. Era uma mistura de sensações sui generis: por um lado, intrigado com o porco a voar junto às chaminés, por outro estarrecido com o poder sombrio desta imagem. Assustava-me, mas eu tinha que olhar. Uma atracção fatal.
A ideia do porco a voar sobre a Battersea Power Station foi também de Roger Waters. Nessa época, Roger passava pela estação regularmente e terá achado que aquela era uma imagem muito forte. E com razão.
"I’d always loved Battersea Power Station, just as a piece of architecture. And I thought it had some good symbolic connections with Pink Floyd as it was at that point:
A) It was a power station, that’s pretty obvious.I had already started thinking about using inflatables during a live show. Parachuting sheep and floating pigs and all of that. And so I thought why not combine the ideas for the live show with this symbol of a decaying rock group, and put them together? Added to all that, kind of simple stuff about pigs flying, the unlikely nature of that."
B) It had four legs. If you inverted it, it was like a table. And there were four bits to it, representing the four members of the band. But it was upside down, so it was like a tortoise on its back — not going anywhere, really.
Roger Waters
Ainda mais forte, era a primeira ideia de Roger para a capa de "Animals": um rapaz a entrar no quarto dos seus pais, de urso de peluche na mão, apanhando-os a fazer sexo. Segundo Roger: "copulating, like animals!"
Felizmente para nós e para a banda, a ideia que vingou foi a do porco a voar sobre a estação.
O porco original, ao qual foi dado o nome de Algie, foi projectado por Waters e construído em Dezembro de 1976, com mais de 12 metros de comprimento. A ideia era fazer subir o porco a meia-altura das chaminés da estação, fotografar e fazê-lo descer. Para o caso do porco se soltar, os Pink Floyd contrataram um sniper para atirar sobre o insuflável e assim evitar que este voasse, literalmente, sobre os céus de Londres. Com tudo pronto, faltava apenas pôr a ideia em prática.
Porém, a tarefa não se revelou nada fácil. A sessão fotográfica prolongou-se ao longo de 3 penosos dias, em que tudo parecia correr mal.
No 1º dia, com o sniper preparado, e o céu ameaçador, o cenário foi fotografado, mas o porco não subiu.
No 2º dia, o porco subiu, mas uma rajada de vento forte soltou-o das chaminés e, por azar, tinham-se esquecido de avisar o sniper para regressar no 2º dia. Assim, o porco voo mesmo, desaparecendo no horizonte até se atravessar na rota aérea de alguns aviões que iam aterrar no Aeroporto de Heathrow, levando ao cancelamento de vários voos. O porco acabaria por aterrar numa quinta em Kent, a aproximadamente 100 km de distância de Battersea.
O porco foi assim recuperado e reparado para o 3º dia de sessão fotográfica, em que finalmente se conseguiu a tão desejada fotografia. No entanto, neste dia o céu estava azul, faltando-lhe a personalidade que tinha, por exemplo, no 1º dia.
Desta forma, a capa do álbum acabou por ser uma montagem do cenário do 1º dia, com o porco do 3º dia.
O céu escuro e ameaçador na capa de "Animals" reflecte aquilo que ouvimos no álbum. É um casamento perfeito entre a imagem e a música.
P.S.: O próximo post vai continuar a história de "Animals" e fazer a ligação à origem de "The Wall". O mote é uma frase do tema "Dogs", que podemos ouvir em cima:
"Who was trained not to spit in the fan"
Edit : Parte 2 aqui.