"...we came in?"
"Run to the bedroom, in the suitcase on the left you'll find my favorite axe"
Hoje chega a Lisboa aquele que é um dos maiores, se não o maior, espectáculo da História do Rock: a majestosa apresentação ao vivo do álbum "The Wall".
"The Wall Live" não é um espectáculo de divertimento qualquer. Não é bem disposto, não é alegre e não faz sorrir a plateia. A magia de "The Wall Live" está na profundidade da mensagem e na forma extravagante como é transmitida. Conteúdo e forma.
A forma traduz-se pela construção de um muro físico entre a audiência e o palco durante a primeira parte do espectáculo, sendo que a segunda parte é feita integralmente com o muro à frente da audiência.
O conceito pode ser estranho, mas tem muito que se lhe diga. Desde projecções em vídeo, lasers, bonecos insufláveis gigantes, porcos voadores, destruição de mobílias, guitarristas em gruas... Não faltam elementos para manter os sentidos do público em constante hiperactividade.
O conteúdo é de uma enorme complexidade, mas pode ser dissecado em diversos tópicos simples. O álbum é essencialmente uma obra auto-biográfica de Roger Waters, primeiro abordando os seus problemas de infância, com a dificuldade de adaptação à sociedade, mas principalmente devido à falta do seu pai, morto na 2ª Guerra Mundial, que nunca chegou a conhecer; e depois abordando os conflitos internos resultantes da adaptação à vida de uma estrela Rock.
Assim, "The Wall" retrata a vida de
Pink, uma estrela Rock que tem uma infância muito perturbada, atormentada por professores tirânicos e uma mãe sobre-protectora. Quando adulto,
Pink também sofre com a dificuldade para lidar com a pressão de ser uma estrela e as suas relações invariavelmente se dissolvem em rasgos de violência, infidelidade, ou abuso de drogas.
A forma que
Pink tem de se defender de todos estes traumas é procurando o seu próprio isolamento, confinando-se ao abandono, à margem do resto do Mundo.
Metaforicamente, estes traumas são associados a tijolos no muro (
bricks on the wall) e é assim que
Pink vai construindo o muro ao longo da primeira parte de "The Wall".
A construção do muro é acompanhada pela espiral de auto-destruição de
Pink (levando mesmo à auto-mutilação, vista no filme) e da sua descida à loucura, completa no fim da primeira parte de "The Wall", quando se despede do Mundo ("Goodbye Cruel World") e o último tijolo é colocado no muro.
Pink pensa que finalmente está protegido.
Já do lado de lá do muro, isolado do Mundo, na segunda parte de "The Wall" a crise psicológica de
Pink dispara.
Pink é assolado por uma letargia ("Comfortably Numb") que o leva a um estado alucinogénico, onde se depara com as suas lutas internas de identidade. Isto culmina num julgamento no seu subconsciente ("The Trial"), onde
Pink é acusado de má conduta por todos os personagens da sua vida, nomeadamente de
mostrar sentimentos, um crime que teria cometido ao se expor ao Mundo. O veredicto do juíz é a
queda do muro, que devolve
Pink ao Mundo, completando o seu processo de luta interna.
Esta é a leitura mais linear do conteúdo do álbum. Na prática, a
construção do muro é uma técnica usada por todos nós para a luta contra os males que nos atacam, os traumas que nos assolam, os problemas que nos atravessam... O processo de
construção do muro/luta interna/queda do muro é algo por que todos já passámos, mais cedo ou mais tarde nas nossas vidas, qualquer que tenha sido o motivo. É uma metáfora com a qual todos nós nos podemos identificar.
É esta a força, é esta a magia de "The Wall".
Se é verdade que este princípio funciona na perfeição para descrever um processo pessoal, não é menos verdade que também pode ser associado a fenómenos bem mais palpáveis. O Muro de Berlim é um caso paradigmático disso mesmo.
Usado para isolar Berlim Leste do Mundo Ocidental, também aqui houve um processo de luta que levou à queda do muro.
Foi na ressaca da queda do Muro de Berlim, que em 1990 Roger Waters deu um concerto na "terra de ninguém", entre Potsdamer Platz e as Portas de Brandenburgo, onde tocou o álbum "The Wall" na íntegra, replicando os concertos da digressão original. Este foi um dos maiores concertos da História do Rock, com uma assistência de aproximadamente 350 000 pessoas e também um dos mais importantes, devido à carga emocional que transportou.
Aqui vemos a sequência "One Of My Turns" / "Don't Leave Me Now", um dos
clímaxes do espectáculo, em que o protagonista da história chega ao ponto de ebulição, em rumo descendente na sua espiral de loucura. Uma interpretação magnífica de Roger Waters, completa com a destruição de mobílias de um quarto.
Não sei ao certo o que vou ver, mas é mais ou menos isto que espero no concerto daqui a pouco, quando Roger Waters trouxer a Lisboa a digressão "The Wall Live".
"Isn't this where..."