sábado, 9 de junho de 2018

Peter Gabriel - "Big Time"

"The place where I come from is a small town, they think so small, they use small words"

Castelo Branco

Sempre tive uma relação muito difícil com a minha cidade natal. Bem, chamar ao meu sentimento por Castelo Branco uma "relação difícil" é obviamente um eufemismo somente dado ao facto do texto ser público. Deixemo-nos de palavras pequenas. Na verdade, sempre odiei o sítio de onde vim. E o tempo não melhorou o meu desdém.

"I've been stretching my mouth, to let those big words come right out"

"So" foi o álbum onde Peter Gabriel quis ser grande. Depois de se libertar das amarras dos Genesis em 1975, Peter embarcou numa carreira a solo onde pôde fazer uso da liberdade que a caixa dos Genesis (que é como quem diz, o Tony Banks) não lhe permitiam gozar.

O próprio Peter não negou a sua vontade em disparar para outras alturas. Em 1985, quando gravou "So", já dez anos tinham passado desde a sua separação dos Genesis. Nesse espaço de tempo, viu a banda alcançar mais sucesso do que alguma vez havia conseguido com ele, ou do que ele conseguira a solo. E claro, viu o seu amigo Philip, o insuspeito baterista da banda, o homem atarracado da sombra a quem poucos davam crédito, a tornar-se uma superestrela internacional com milhões de discos vendidos, muitos mais do que ele ou a banda já tinham vendido. Era altura de ripostar.

"Big Time" é o espelho do que PG estava à procura naquela altura. É sátira. Foi o auto-retrato satírico que Peter Gabriel fez a si mesmo, no álbum que usou para, conscientemente, atingir o sucesso: "This drive for success is a basic part of human nature and my nature". Genial. Como não poderia deixar de ser, Peter foi acusado pelos puristas de fazer um sell out com este álbum (fucking Genesis fans), mas ele sabia exactamente o que estava a fazer. E é aqui que devemos atentar.

Peter é um homem muito inteligente. Não sei de níveis de QI, mas pela complexidade que sempre exigiu da sua música e respectivo significado, Peter Gabriel será muito provavelmente o homem mais inteligente da história do Rock. É fácil alguém se identificar com os conflitos de Roger Waters. Não é de todo tão fácil identificar-se com os traumas de um homem que desenvolve uma obsessão por alfaces.

"I worked it out"

No plano estritamente teórico, de certa forma entendo o encanto bucólico do campo, ou no caso de Castelo Branco, de uma cidade sem trânsito nem correrias, em que se demora 5 minutos a chegar a qualquer lado e em que hora de ponta significa adicionar 15 minutos aos 5 habituais.
Tenho a perfeita noção que o problema não é de Castelo Branco, é meu. Não que eu goste de entrar em lugares comuns, mas este é o caso proverbial de "It's not you, it's me". Não sou dali. Nunca pertenci ali. Nunca na minha vida estive em Castelo Branco e me passou pela cabeça um raciocínio como "este é o meu lugar", ou "é aqui que eu pertenço". Não senti isso nos 17 anos que eu lá vivi. Não senti isso nos 16 anos seguintes que vivi em Lisboa e visitava a cidade esporadicamente. Não senti isso agora que emigrei e regressei à terra onde nasci. Posso entender o fascínio teórico, mas não é para mim.

Nada disto tem a ver com patriotismo. A viver no estrangeiro, cada vez mais me me sinto português e cada vez menos albicastrense. É estranho, mas é o que é.

Sempre odiei a calmaria. Aliás, não há nada que me deixe mais nervoso do que quando me dizem "tem calma, Nuno". Até fico com suores frios. Quando a minha mãe me diz para "ver isso com calma", até tremo. Não, mãe. Não, não, não. Seguir os impulsos sempre foi a minha forma de viver. Sempre me alimentei do barulho e das multidões. Sempre me ferveu o sangue. Para mim, Castelo Branco era a antítese de tudo o que eu era. É um lugar estranho para mim.

"I've had enough, I'm getting out to the city, the big big city"

Sentia-me sufocado em Castelo Branco. Contava os dias para sair de lá. Mas contava mesmo. Literalmente. Era uma ansiedade indizível de sair, de me ir embora dali e ir em busca do meu próprio "Big Time". Tinha uma folha quadriculada onde fazia ticks diariamente no dia de ontem — menos um, menos um, já falta pouco. Estava lá marcado o dia 29 de setembro de 2003, o dia em que começava o ano lectivo no Instituto Superior Técnico. Sabia que a partir daquele dia, tudo seria diferente. E assim foi. Na manhã de domingo, 28, arrumei a minha colecção de CDs numa caixinha (na altura ainda cabia ali) e acondicionei-a ao meu lado no carro do meu Pai. Meti-me dentro do automóvel e nunca mais olhei para trás.

A partir daí, foi sempre a trabalhar em busca do "Big Time". Ou de todos os big times que tinha na cabeça. Dizem-me que já alcancei alguns, mas nunca deixei de sentir aquela ansiedade indizível. Nunca senti que cheguei ao "Big Time". E por isso aquela ansiedade permanece, lingering, a perseguir-me dia após dia.