sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Peter Gabriel - "Signal To Noise"

"Receive and transmit"


Uma das temáticas que mais gosto de ouvir na música é a comunicação; ou o problema da falta dela. É disso que trata o meu álbum preferido de sempre e é disso que fala este "Signal To Noise", superlativo tema do álbum "Up", o mais recente de Peter Gabriel (ainda o é, apesar de ter sido lançado em 2002).


A comunicação é a base de todo o relacionamento interpessoal e deveria ser uma das aptidões a merecer maior atenção da nossa parte. Mas não é. Ao invés, é uma competência tratada de forma débil, negligente e selectiva. Tiramos MBAs, vamos a cursos de oratória para aprender a falar em público, desenvolvemos todo um leque de capacidades comunicativas de uso profissional e esquecemo-nos da puta da capacidade para comunicar com quem gostamos. Uma coisa tão simples, mas tão difícil.

É mais fácil dizer "vai-te foder", "não vales nada" e "és uma merda", do que "amo-te", "não quero que vás embora", "senti a tua falta" ou "isto sem ti não tem piada nenhuma". Não me refiro a dizê-lo por mensagem, Messenger, Facebook, ou qualquer uma da miríade de redes sociais que catalisam palavras nunca ditas ao vivo. Refiro-me a dizê-lo cara-a-cara, no meio de uma discussão que dura há horas, sem que ninguém se lembre como começou e cujo único propósito é a pífia vitória de "ter razão". Como se isso fosse uma grande merda. Nunca ninguém foi para o Marquês de Pombal por ter ganho uma discussão com a namorada. Não há vencedores num jogo que não acaba com a taça de um beijo.

Ainda pior que a má comunicação, é a falta dela. No jogo do silêncio não há taças, saem todos a perder.
Não há coragem para falar nos problemas. Preferimos viver em paz podre, com sorrisos plásticos, olhares vazios e conversas que ignoram os elefantes que já não deixam ver mais nada na sala. Criou-se a noção que falar nos problemas é criá-los, como se os elefantes fossem embora sem que alguém os acordasse.

É desesperante, o atrito mental na hora de abrir o coração e expressar um sentimento. Mais desesperante ainda, é expressar um sentimento e ver o interlocutor fechar-se em copas, dentro de uma muralha intransponível.

Talvez devido à falta de comunicação, talvez devido à má comunicação com os que o rodeavam, Peter Gabriel fala desta muralha na sua música desde os tempos dos Genesis. O álbum "The Lamb Lies Down On Broadway" não é mais que uma amálgama de metáforas sobre isolamento e alienação de Peter, quando tinha apenas 24 anos. As estalactites e as estalagmites de "In The Cage" enclausuravam Rael (anagrama de Gabriel) nas catacumbas de Manhattan e protegiam-no do mundo mau lá fora, ao pé de pessoas. Ugh, outra pessoas.

Mais tarde, no álbum sem título de 1980 (conhecido por "Melt", devido à sua face que aparece derretida na capa), Peter deu conta da sua dificuldade em lidar com outras pessoas. "Sabes que eu detesto magoar-te, detesto ver a tua dor, mas não sei como parar, não sei como me controlar", dizia em "No Self Control", já com 30 anos e a perfeita noção das suas dificuldades na comunicação com quem ama.

"Man I'm losing sound and sight of all those who can tell me wrong from right
When all things beautiful and bright sink in the night"

"Signal To Noise" aparece muito mais tarde, depois dos 50, após inúmeras horas de psicoterapia, presumo eu. Mas não é por isso que Peter Gabriel já resolveu os seus problemas na comunicação. Infelizmente não é a idade, nem o falso sentimento de maturidade adquirido com o passar dos anos, que resolve os problemas de comunicação. É preciso falar sobre isso.
"Receive and transmit"