terça-feira, 16 de setembro de 2014

Queen - "White Queen (As It Began)" (Live At the Rainbow Theatre '74)

"The White Queen walks and the night grows pale"


Se há uma banda que ao longo da história inexplicavelmente ignorou os seus arquivos - tanto em áudio, como em vídeo - essa banda são os Queen.

Os Queen são sobejamente conhecidos pela sua imagem dos anos 80: Freddie Mercury de bigode, John Deacon e Roger Taylor com um look 80's Pop digno dos Duran Duran e Brian May com a sua farta cabeleira encaracolada.
O que nem todos sabem, é que antes dos grandes estádios e das grandes multidões dos 80's, na escuridão das arenas dos anos 70, tocavam uns Queen bem diferentes.

Nessa época, os Queen eram uma banda estandarte do movimento Glam Rock britânico e como era apanágio da banda, os seus membros levavam tudo ao limite: vestiam roupas femininas, pintavam as unhas, usavam maquilhagem e mostravam cabelos compridos e arranjados em palco.
Senhoras e senhores, isto são os clássicos Queen, uma banda de senhores que pareciam senhoras:


10 anos mais tarde, Freddie Mercury recordou esses tempos com algum humor, a propósito do sucesso de Boy George nos anos 80 (segundo 3:31) e de algum revivalismo dos tempos do Glam, que se vivia na altura. Vale a pena ver o vídeo, nem que seja para ver e ouvir a gargalhada musical de Freddie.

"At this point in time I think if I had long hair and fingernails and wearing those things, I would look ridiculous...I mean, I looked ridiculous then, but it worked!"



Se não conhecemos mais dos clássicos Queen - e o ouvinte mais casual pode mesmo desconhecer por completo - isso é porque estivemos sempre limitados ao espólio dos Queen ao vivo nos 80. Dos anos 70, fomos remetidos apenas às compilações de videoclips (e mesmo o DVD "Greatest Video Hits 1" já remonta a 2002, já lá vão 12 anos). Nesses vídeos, podíamos ver a banda a fazer playback dos seus maiores êxitos, mas nunca pudemos viver a experiência de um concerto dos Queen nos anos 70.

Esta experiência foi capturada na perfeição no filme "Live At The Rainbow", lançado em VHS em 1992, numa caixa de edição extremamente limitada, distribuída apenas pelo clube de fãs dos Queen.
Ainda que fortemente editado, o filme oferecido na caixa já dava um cheirinho do que eram os Queen nos early days.
A caixa dava pelo nome de "Box Of Tricks" e não, não consta da minha colecção. Apesar do esforço que tive em convencer os meus pais para me financiarem uma licitação de 100 euros no eBay em 2001, eles não foram na cantiga.


Durante anos, os fãs dos Queen desesperaram por um registo digno da banda ao vivo nos anos 70, mas ele nunca apareceu.
Até agora.

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Após longos anos de espera, Brian e Roger decidiram olhar para os arquivos e este mês chegou finalmente o superlativo "Live At The Rainbow" - um álbum ao vivo que reúne os 2 concertos que os Queen deram no Rainbow Theatre, em Londres, no ano de 1974. Nesse ano, os Queen foram ao Rainbow Theatre por 2 ocasiões diferentes - uma em Março e outra em Novembro.


Em Março, os Queen estavam a promover o seu 2º álbum, lançado nesse mesmo mês e apropriadamente batizado de "Queen II" - uma maravilha sónica, que é também um dos melhores álbuns de sempre (considerado por mim, obviamente).
Naquela altura, para uma banda que ainda não tinha alcançado um único êxito ("Seven Seas Of Rhye" estava somente a começar a ganhar alguma notoriedade), parecia uma loucura uma banda como esses tais de "Queen" ir ao Rainbow - uma das salas mais prestigiadas de Londres na época. Mas foram e... esgotaram os mais de 3 mil lugares, provando que eram uma banda que tinha vindo para ficar.

O concerto juntou algumas das melhores faixas de "Queen" e "Queen II" e foi gravado profissionalmente em áudio e em vídeo (embora a maior parte das fitas de vídeo tenham desaparecido e por isso apenas 10 minutos dessa noite estão presentes no DVD/Blu-Ray).  O que muito pouca gente sabe, é que os Queen se deram ao trabalho de documentar este concerto porque foram ao Rainbow gravar o seu 3º álbum ("Queen III - Live At The Rainbow" soa tão bem...). Só que o motor dos Queen estava em alta rotação e obviamente, esse álbum nunca veria a luz do dia (até agora).
Mesmo depois de Brian May ter caído na cama do hospital por exaustão, após 6 noites consecutivas de concertos em Nova York e de lhe ser diagnosticada hepatite, os Queen enfiaram-se em estúdio, escreveram novas canções para um novo álbum de originais e o programado álbum ao vivo foi posto na gaveta.

Em Novembro, os Queen voltaram então ao Rainbow Theatre para promover o tal novo álbum - "Sheer Heart Attack" de seu nome - um álbum menos polido que o anterior, mas mais pesado e com mais potencial comercial. Na semana do concerto, o single de promoção do álbum "Killer Queen" / Flick Of The Wrist" chegou a nº2 das tabelas, falhando por uma unha negra o posto mais alto. Brian May faria referência a essa frustração durante o concerto. Mal sabia ele que aquilo seria apenas o início de uma longa caminhada real dos Queen.

O concerto de Novembro foi mais uma vez gravado profissionalmente em áudio e em vídeo e os registos desta mantiveram-se intactos ao longo dos anos, como se pode observar tanto no CD, como no DVD de "Live At The Rainbow". Este fora o concerto parcialmente incluído na "Box Of Tricks" e aparece aqui, completo, em toda a sua glória.


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É preciso alguma perspectiva para olhar para estes concertos, principalmente para quem só conhece os Queen dos anos 80, conforme falei no início do post.
Em 1974 os Queen eram ainda uma banda em ascensão, esfomeada pelo sucesso, com tudo para provar ao público. E isso nota-se em "Live At The Rainbow", isso ouve-se.
Tanto no concerto de Março, como no de Novembro, podemos ouvir os Queen a esforçarem-se, a darem o litro.

Nesta altura, Freddie Mercury já se mostrava um predestinado a lidar com a plateia, mas ainda não era o showman que conhecemos dos estádios dos anos 80. Em sua defesa, ele não teve nenhum modelo para se basear, uma vez que foi ele, em grande parte, que inventou o seu próprio conceito. Freddie Mercury inventou-se a si próprio: inventou o seu nome, inventou a sua persona no palco, inventou a banda que os Queen se tornariam.


Mas quem ouvimos a brilhar mais intensamente em "Live At The Rainbow" e que eu não posso de maneira nenhuma esquecer é o Dr. Brian May. Munido da sua guitarra Red Special e do seu impressionante sistema de som Echoplex, Brian dispara lasers sonoros por toda a sala e desenha as linhas de um rendilhado que ornamenta os meus sonhos e me afaga a alma. Meu Deus, que paraíso.
Se o meu cérebro tem um estimulador, é aquele som que vem da guitarra de Brian. Um som vindo ao mesmo tempo do Céu e do Inferno.

E depois há as harmonias... Ai as harmonias. Que delícia.
Harmonias pode mesmo ser a palavra chave de "Live At The Rainbow". Freddie Mercury, Roger Taylor e Brian May, os 3 com um registo vocal bem diferente, juntos completam o espectro sonoro quando gritam em uníssono ao microfone. O efeito é arrepiante.
Infelizmente, por volta de 1976 / 1977, à medida que o espectáculo visual dos Queen crescia, o espectáculo das harmonias foi desaparecendo. Mas nos early days dos Queen, eles eram imbatíveis nas harmonias.

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O tema que aqui deixo para mostrar "Live At The Rainbow" é "White Queen (As It Began)" -  tema composto por Brian May e incluído no Side White (ou 1º lado) do álbum "Queen II". "White Queen" é um dos meus temas preferidos dos Queen e esta versão em específico, ao vivo no concerto de Novembro no Rainbow Theatre, é a minha preferida de sempre.
Isto é Queen em estado cru: 4 senhores apenas, vestidos de senhoras, a fazerem Rock.


segunda-feira, 15 de setembro de 2014

U2 - "The Miracle (Of Joey Ramone)"

"I woke up at the moment when the miracle had come"

Aviso prévio: Esta não é (mais) uma crítica ao novo álbum dos U2. Se quiserem categorizar este texto, chamem-lhe uma crítica às críticas ao novo álbum dos U2.

O assunto desta semana no mundo da música foi o lançamento do novo álbum de originais dos U2 - "Songs Of Innocence". Sempre (desesperadamente) polémicos, sempre (desesperadamente) revolucionários, sempre (desesperadamente) preocupados em não deixar ninguém indiferente, os U2 atiraram mais uma pedra no charco com o lançamento do seu novo álbum. Uma pedrada no charco resulta num efeito fixe, dá boas fotografias, mas o problema é que molha quem está à volta e quem fica de calças molhadas pode não achar piada.

A Apple (lê-se Apple e não EIpal; deixem-se disso, por favor) pagou (e bem) aos U2 e no dia 9 de Setembro ofereceu aos seus utilizadores o novo trabalho da banda irlandesa. A oferta do novo álbum não é uma estratégia original - já em 2007 os Radiohead o fizeram para promover "In Rainbows" - mas quem tinha a opção de downloads automáticos activada, acordou naquele dia com o álbum dos U2 na sua playlist. Mais que uma oferta, o álbum passou assim a ser uma imposição.
Numa época em que os melómanos podem gerar a sua própria rádio, o novo álbum dos U2 foi enfiado pela garganta abaixo de um público com cada vez menos paciência para estratégias de marketing intrusivas. Não foi a ideia mais brilhante.

De repente, o foco de atenção deslocou-se do novo trabalho dos U2, para o marketing utilizado para o promover e o assunto da ordem do dia deixou de ser aquilo que realmente importava - a música.
Todos querem falar, todos têm algo a dizer: uns atiram odes à genialidade de tal campanha, outros varrem o objecto indesejado que lhes foi posto em casa durante a noite, muitos aproveitam para vomitar todo o ódio que transpiram contra os U2, centrando a mira no seu alvo de eleição - Bono Vox.

Quando Bono se afirmou como um investidor e como um homem de negócios, comprou uma guerra com os puristas. Embora a música seja um negócio de milhões, os puristas ficam com a consciência mais tranquila quando se convencem que a arte não envolve dinheiro e que os artistas não se movem em função do seu trabalho, neste caso a música. Hipócritas.
E já nem falo nas ligações políticas de Bono, que também não lhe fizeram valer novos fãs e que é coisa que eu, pessoalmente, dispenso. Não é que eu não goste de ouvir músicos advogarem pela solidariedade social. Mas o que eu gosto mesmo é que falem sobre a condição humana. E os U2 fazem isso tão bem.

O problema dos U2 é a sua ânsia pela revolução, pela transformação, pela reinvenção. Ainda inebriados pela (brilhante) reinvenção que fizeram em "Acthung Baby" - já lá vão quase 25 anos - os U2 passaram o resto da sua carreira a tentar repetir o feito.
Embora os anos passem diabólicos por eles (e por todos nós), os U2 continuam a recusar o estatuto de dinossauros do rock e querem desesperadamente continuar a ser fixes, a ser relevantes. E isso pode ter tanto de aplaudível, como de irritante.

O facto que é que tornou-se moda bater nos U2. É fixe bater nos U2. (eu gosto mais de bater nos hipsters, nos puristas e nos outros hipócritas)
Como já vi escrito na net, o dia lançamento do novo álbum dos U2 foi "A Beautiful Day" for haters.

A popularidade dos U2 torna-os num alvo fácil. Se esta estratégia viesse do motor dos Radiohead, talvez fosse ultra-pioneiro-genial. Como são os U2, é ofensivo-intrusivo.
Desde que os U2 se tornaram um fenómeno de popularidade, não só musical (desde "The Joshua Tree"), como também cultural (desde "Achtung Baby"), que assim é. Os U2 mexem com muitos números - com muito público, com muitos discos, mas acima de tudo, com muito, muito dinheiro. E quem mexe com dinheiro é sempre olhado de lado, mesmo que nos dêem obras primas que nos engrandecem o quotidiano (deixem-se de merdas e de alternativismos; não me venham dizer que não há um único tema do (vasto) catálogo dos U2 que nunca tenha melhorado um dia das vossas vidas).

No meio disto tudo, o que me deixa irritado é que não se fale da música e que quando se fale, se remeta a uma referência em tom jocoso e irónico, anexada à análise da estratégia de marketing dos U2, essa sim, a notícia que interessa dissecar.
Porra, eu próprio já vou no 8º parágrafo e ainda não falei na música.

Falando na música... não vou falar ainda sobre "Songs Of Innocence". Pelo menos não em definitivo.
Só consigo fazer um crítica apropriada a um álbum após múltiplas audições e semanas, sei lá, meses de maturação. É preciso perspectiva.
Só depois do amadurecimento da música na alma é que eu consigo saber se ela deixa marca e se deixa, se a marca é doce, amarga ou insonsa.

Sim, eu sei: há álbuns que entram à primeira, ouvimo-lo uma vez e ficamos apaixonados. Mas nem todos são assim.
Eu adoro o "The Lamb Lies Down On Broadway", mas quem me disser que se perdeu por amores por Lamb à primeira audição, das duas, uma: ou é um grande aldrabão, ou é um tipo muito estranho.

Mas talvez por isso eu nunca serei um crítico musical.
Impressionam-me sempre as críticas definitivas ("tudo o que precisa saber sobre o álbum x está aqui!!!", assim, com vários pontos de exclamação) que saem umas horas depois do lançamento de um álbum e que as publicações estampam eternamente nos álbuns, após o crítico - esse ser suprassumístico da análise sonora - ouvir um trabalho uma única vez. Alguém teve que enterrar a cabeça na areia depois das 5 estrelas a "Be Here Now" dos Oasis, ou (no pólo oposto) do assassinato ao 1º e 2º álbuns dos Led Zeppelin, mas estes estão longe de ser dos piores exemplos. Até "Abbey Road" (sim, esse mesmo) dos The Beatles foi arrasado pela Rolling Stone.

Aliás, voltando aos U2, "Songs Of Innocence", o álbum foi 5 estrelas para a Rolling Stone, 3 estrelas para a Blitz e 4.6 (em 10) para a Pitchfork. Viva a subjectividade. E viva o hype. E já agora, viva a política.
Sim, política. Porque nisto das reviews, ter uma linha editorial para agradar ao target da revista é tudo.

Claro que 1 ou 2 audições já servem para dizer qualquer coisa sobre um trabalho, mas fazer uma avaliação definitiva? A música não é um sistema de equações. Adoro matemática, mas se a música fosse números, este blog não existiria.



Ah, sobre o álbum... Tenho que o ouvir mais vezes (quão irónico seria, se depois deste texto todo fizesse uma crítica ao álbum?). Não, não é o melhor álbum dos U2, não é um "The Joshua Tree", tão pouco um "Achtung Baby", mas também não será o pior. Há lá bom material.
E no fim do dia, o que é que preferem: um novo álbum dos U2, ou um novo álbum da Rihanna?