quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Ringo Starr - "It Don't Come Easy"

"I don't ask for much, i only want your trust and you know it don't come easy."



Não vos estarei a dar uma grande novidade se disser que Ringo Starr não era o mais talentoso dos The Beatles. Não que ele fosse mau na sua função de baterista. Aliás, na minha opinião, Ringo era o baterista ideal para a banda; o seu estilo assentava que nem uma luva nos Beatles.
Ringo marcou um estilo de tocar e influenciou milhares de outros bateristas em todo o Mundo. Beneficiando da popularidade sem paralelo dos Beatles, não há dúvidas que Ringo foi influente na arte do seu instrumento como muito poucos.

No entanto, como compositor, o facto é que Ringo era a face mais pálida dos Beatles. Como referi aqui, quando escrevi sobre George Harrison, os The Beatles foram a banda de Lennon e McCartney, onde também tocavam Harrison e Ringo. Os momentos destes últimos debaixo dos holofotes foram efémeros e se pela parte de George, isso pode ser apontado como uma crítica à política vigente do grupo, pela parte de Ringo, isso só pode ser apontado como uma forma de proteger o próprio baterista.

À falta de material escrito por Ringo para incluir nos álbuns, este foi interpretando temas escritos por outros artistas, nos primeiros anos dos The Beatles: "Boys" (Dixon, Farrell) em "Please Please Me"; "I Wanna Be Your Man" (Lennon, McCartney) em "With The Beatles"; "Honey Don't" (Carl Perkins) em "Beatles For Sale" e "Act Naturally" (Russell, Morrison) em "Help!".
O primeiro crédito de Ringo Starr apareceria em "Rubber Soul" (6º álbum da banda), como co-autor de "What Goes On" (único exemplo de co-autoria Lennon-McCartney-Starkey), que na minha opinião salda-se como um dos temas pobres de um álbum que, no resto, é simplesmente fabuloso.

Se é verdade que Paul e John sempre tentaram ajudar Ringo na sua carreira, logo desde a fase inicial (George também o faria mais tarde, como veremos à frente), também não é menos verdade que sempre tiveram noção das limitações do seu colega e amigo. Numa entrevista em 1980, John Lennon acabaria por se mostrar (estranhamente) bastante cínico em relação à "ajuda" que dera a Ringo, referindo-se a "I Wanna Be Your Man" (primeiro tema composto pela dupla Lennon-McCartney para Ringo cantar) de forma muito pouco abonatória:
"It was a throwaway. The only two versions of the song were Ringo and the Rolling Stones. That shows how much importance we put on it: We weren't going to give them anything great, right?"

Não é habitual ouvirmos John referir-se a Ringo nestes termos. Alguns anos antes, em 1975, numa entrevista para a televisão americana, Jonh abordou a dificuldade que Ringo sentia em escrever o seu próprio material, mas defendeu o seu amigo, sublinhando que ele não era um estúpido (dumb) qualquer e que até àquele ponto a sua carreira a solo até já conhecera mais sucesso que a do próprio Lennon:



Desabafos à parte, dêem-se as voltas que quiserem, a verdade é que os membros dos Beatles sempre tentaram proteger o seu elo mais fraco. Ringo era o "gajo porreiro" da banda e contribuía, à sua maneira, para aquilo que os Beatles se tornaram.

Nesse sentido, reza a História que George Harrison lhe terá oferecido "It Don't Come Easy" em 1970, mais uma sobra da pilha de temas que tinha para o álbum "All Things Must Pass".
Em Abril de 1971, Ringo lançou "It Don't Come Easy" em single (figurando como co-autor) e o tema tornar-se-ia numa dos seus ex libris.



Meses depois, em Agosto de 1971, Ringo juntou-se à banda de George Harrison no Madison Square Garden, para o concerto de ajuda ao Bangladesh (The Concert For Bangladesh) e cantou "It Don't Come Easy", ao mesmo tempo que tocava bateria. Resultado? Ringo esqueceu-se da letra e assim imortalizou esta actuação com uma valente argolada:

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Noel Gallagher - "(It's Good) To Be Free" (Semi-Acoustic Live)

"The little things, they make me so happy. Well, it's good... Yes, it's good... It's good to be free"



"Head like a rock spinning round and round"
Volvido praticamente um mês, hoje voltei a ouvir no carro o "álbum do acidente". O álbum é "The Dreams We Have As Children", uma gravação semi-acústica de Noel Gallagher, ao vivo no Royal Albert Hall, no concerto de beneficiência para Teenage Cancer Trust.
Chamo-lhe o "álbum do acidente", mas sem quaisquer ressentimentos. Ao ouvi-lo, obviamente me lembrei do acidente, mas acho que isso vai ficar para sempre. O meu primeiro acidente de viação (muito menos grave que este, só "chapa") foi há quase 4 anos e deu-se ao som de "Candy's Room" de Bruce Springsteen. Não há vez nenhuma que eu ouça o tema e eu não me lembre dessa manhã azarada...
Mas dizia eu que não guardo ressentimentos da música de Noel Gallagher. Afinal, o acidente foi muito mais que um simples azar, foi uma chamada de atenção, um wake up call.

A vida testa-nos de muitas maneiras e às vezes dá-nos um valente abanão, que no mínimo serve para nos obrigar a repensar o nosso caminho. Não estou aqui a teorizar sobre o destino, ou sobre qualquer ordem que o Universo tenha sobre os acontecimentos caóticos da nossa vida, de modo a dar algum sentido a "tudo isto". Nada disso. À parte de toda a subjectividade de tais discussões, reitero apenas que alguns destes acontecimentos caóticos nos obrigam a parar... e a pensar.
E foi o que se passou comigo.

"So what would you say if I said to you: "it`s not in what you say, it`s in what you do!"...?"
Esta manhã, ao ouvir novamente o maravilhoso órgão na introdução de "(It's Good) To Be Free" - tema de abertura de "The Dreams We Have As Children" - mais do que recordar o acidente, lembrei-me que o abanão teve resultados práticos.
Lembrei-me de como é bom ser livre para operar uma revolução na nossa vida , sempre que tal seja necessário. ("so I start a revolution from my bed", como dizia Noel em "Don't Look Back In Anger")
Lembrei-me que, volvido um mês um mês do acidente, a palavra já deu lugar a acção.
A palavra escrita vai dar lugar à palavra falada.
A palavra lida vai dar lugar à palavra escutada.

Lembrei-me de tudo isso... e esbocei um sorriso.
Porque são as pequenas coisas que me fazem feliz.

"The little things, they make me so happy. All I wanna do is live by the sea Well, it's good... Yes, it's good... It's good to be free"


P.S.: "(It's Good) To Be Free" foi originalmente lançado pelos Oasis em 1994, como um Lado B do single "Whatever". Criminoso, como é que Noel relegou um tema da tarimba de "To Be Free" para a obscuridão de um lado B... Crime esse que repetiria mais vezes ao longo da sua carreira, tanto nos Oasis, como a solo, ao deixar temas de fora dos álbuns temas como "Fade Away", "Masterplan", "Idler's Dream", "Listen Up", "Alone On The Rope" e muitos outros.
À semelhança de "Fade Away", a versão original de "(It's Good) To Be Free" era cantada por Liam Gallagher, num registo bem mais eléctrico. Ambas foram incluídas em 1998 na colectânea de Lados B "The Masterplan".


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Simple Minds - "Once Upon A Time"

"Well, that's a question down to time"



Um pouco à imagem do que acontece com os Scorpions, os escoceses Simple Minds vivem hoje com o estigma dos dinossauros do Rock, que com o passar dos anos foram rotulados com os trabalhos mais comerciais e de menor qualidade que fizeram.

Ainda que a fase mais inventiva dos Simple Minds tenha, efectivamente, ocorrido no período de 1979 a 1982  (com apogeu no álbum New Gold Dream (81/82/83/84)"), aquele que é, para mim, o grande trabalho da banda surgiria em 1985, com o nome de "Once Upon A Time".

"Once Upon A Time" capitalizou o sucesso do single "Don't You (Forget About Me)", da banda sonora do filme de culto "The Breakfast Club", que no ano anterior tinha chegado ao topo das tabelas em todo o Mundo (incluindo os EUA). O single de avanço do álbum seria "Alive And Kicking" e este projectou, em definitivo, os Simple Minds para a linha da frente do mainstream Pop/Rock internacional.
O álbum atingiria o nº 1 no Reino Unido, vendendo 4 milhões de cópias em todo o Mundo.

Agora fica a questão que é sempre levantada sempre que certas bandas de culto, mestres num determinado registo (como eram os Simple Minds no New Wave), atingem o sucesso mainstream: a que preço é que veio o sucesso? Será que sucumbiram às regras da indústria em detrimento da sua arte?
A resposta não pode ser generalizada. Neste caso concreto, do álbum "Once Upon A Time", esse conceito certamente que não se aplica.
Apesar de terem, inequivocamente, adoptado um registo mais comercial, tal não significa que os Simple Minds perderam qualidade na sua música. Não aqui, não ainda. Bem pelo contrário.

"Once Upon A Time" mostra uma banda madura, sincronizada e com a perfeita noção das suas qualidades e limitações. Mostra uns Simple Minds inspiradíssimos, com 8 temas muitos fortes, ao mais alto nível na sua escrita.
Por outro lado, são também uns Simple Minds mais calculistas, atentos ao pormenor, com menos espaço para as divagações próprias do New Wave mais puro, que marcou os seus primeiros álbuns. Esta atenção ao detalhe não tem que ser algo necessariamente mau, quando o resultado é algo tão bem produzido e ao mesmo tempo, com tanta vida, como "Once Upon A Time".
Talvez se tenha perdido um pouco do "rasgo" nos Simple Minds. Mas o que se perdeu num lado, ganhou-se no outro.


"Once Upon A Time"  é um álbum fabuloso do princípio ao fim, um casamento perfeito entre as qualidades dos Simple Minds e as premissas do sucesso.
O álbum apresenta uma consistência notável, com o seu ponto alto a aparecer logo no início, no seu tema-título. Sem paragens para baladas, são 8 faixas antémicas de coração aberto e punhos erguidos no ar. Perfeitas para encaixarem que nem uma luva nas ondas da rádio dos anos 80.

Não sei se a intenção era, declaradamente, a de produzir um álbum de sucesso em massa (algo que aconteceu também, no mesmo ano, com o amigo e inspiração da banda Peter Gabriel e o seu álbum "So"), mas a verdade é que em 1985 as estrelas se alinharam na perfeição para os Simple Minds. O sucesso lançou a banda para um patamar de tal ordem estratosférico, que na época vendiam mais discos que, por exemplo, os U2.

Com isto tudo, reafirmo que "Once Upon A Time" é a prova que para produzir música com sucesso, não é preciso comprometer a sua qualidade. Aliás, basta olhar para as carreiras dos The Beatles, ou dos Queen, para termos exemplo disso mesmo.
É claro que esta viragem comercial é um movimento perigoso e tem um preço muito alto a pagar, caso corra mal. Muito poucos são os casos em que uma banda consegue manter a sua matriz base, adaptar-se ao registo da época e manter um sucesso continuado (já dei o exemplo dos Queen). O passar dos anos provou que os Simple Minds não são um desses exemplos.
Depois de "Once Upon A Time", a banda pagou a factura da viragem comercial, vulgarizou-se a pouco e pouco (os álbuns continuaram a ter material interessante, mas cada vez em menos quantidade) e comprometeu a sua música e a sua imagem.
"God only knows, God only knows... That's time!"

domingo, 23 de setembro de 2012

Blur - "Beetlebum"

"And when she lets me slip away..."


Em meados da década de 90, os Blur disputavam com os Oasis o domínio da cena musical do Reino Unido. Juntas (com a ajuda de mais um leque de outras bandas como os Pulp, os Suede, ou os Elastica), formavam o núcleo duro do movimento Britpop e conseguiram diluir a incessante "americanização" da música britânica, resultante da explosão do grunge e da invasão das tabelas do UK por bandas como os Nirvana, os Pearl Jam, ou os Soundgarden. Contra este tipo de música "I Hate Myself And Want To Die" do grunge (ressalvando que esta generalização não corresponde, obviamente, à totalidade da música americana da época), as bandas britânicas retaliaram com uma mensagem mais positiva e mais de acordo com as suas origens.

Damon Albarn previu que o público do seu país iria abraçar esta nova mensagem, de acordo com a sua herança, em detrimento do grunge e os Blur apostaram forte no sentimento british, com os seus álbuns "Modern Life Is Rubbish" (1992) e "Parklife" (1994). Por esta altura, surgia então a outra grande banda do Britpop, com o seu dilacerante álbum de estreia "Definitely Maybe". Falo, obviamente, dos Oasis.

Os Oasis e os Blur começaram por trocar elogios, como duas bandas do mesmo movimento a disputarem um lugar nas luzes da ribalta. Damon Albarn e Graham Coxon mostraram o seu respeito pelos Oasis quando nos Brit Awards de 1995 (que "limparam" com o seu álbum "Parklife"), lhes dedicaram o prémio de "Melhor Banda". No entanto, os irmãos Gallagher nunca foram especialmente conhecidos pela sua boa educação e começaram a olhar para os Blur como um adversário.

Alimentado pela imprensa e pela indústria discográfica britânica, ávidas de lenha para a fogueira do lucro, o conflito entre os Oasis e os Blur teve o seu apogeu na famosa "Batalha do Britpop" que, a 14 de Agosto de 1995, pôs o Mundo em expectativa para saber quem ia tomar o 1º lugar das tabelas de singles britânicas. O conflito era comparado ao dos The Beatles contra os The Rolling Stones, 30 anos antes. Escusado será dizer, que as tabelas de singles britânicas ferviam como nunca e naquelas semanas foram batidos recordes de vendas dos últimos 10 anos.

Frente a frente, estavam "Roll With It" pelos Oasis (2º single de "(What's the Story) Morning Glory?") e "Country House" pelos Blur (1º single de "The Great Escape"). Na "Batalha do Britpop", os Blur ganharam, vendendo 274 mil cópias, contra 216 mil dos Oasis. Mas se os Blur ganharam a batalha, foram os Oasis que venceram a guerra.
Depois do lançamento de "Wonderwall", o álbum "(What's the Story) Morning Glory?" tornou-se num fenómeno de vendas no Reino Unido (4 Milhões (!!!) de cópias só no UK, tornando-se no 3º álbum mais vendido de sempre nas ilhas) e obteve enorme sucesso nos EUA (chegou ao nº 4 das tabelas), algo que os Blur nunca conseguiram.

Como resultado, os Blur acabaram o ano ridicularizados no Reino Unido, passando do estado de graça de "banda mais fixe" do Reino Unido em 1995, para a "banda dos choninhas", um ano mais tarde. Era anunciada a vitória da classe operária do Norte de Inglaterra, representada pelos Oasis, contra a classe intelectual do Sul, representada pelos Blur.
Nos Brit Awards de 1996, um ano depois da homenagem dos Blur, os Oasis resolveram devolver o mimo de uma forma ligeiramente diferente...


(note-se na qualidade dos nomeados para álbum do ano no Reino Unido em 1996 e compare-se com o marasmo vivido nos últimos anos...)

Para Graham Coxon, guitarrista dos Blur, chegara a hora de uma mudança de estilo. Fã de sempre de música underground britânica, Graham estava então imerso no Indie Rock americano, de bandas como os Sonic Youth ou os Pavement.
Inicialmente, a mudança proposta por Coxon não foi bem vista pelos outros membros da banda, mas com o tempo, Albarn deixou-se conquistar por aquele tipo de música mais caótico, em favor da sua Pop mais meticulosa, em parte responsável pelo ridículo em que a banda tinha caído.


E foi assim, na onda desta revolução na sua sonoridade, que os Blur endureceram e nos ofereceram aqueles que são, para mim, os dois grandes álbuns da banda: o homónimo "Blur", de 1997 e "13", de 1999.
A sequência de abertura de "Blur" não fazia por menos e apresentava desde logo os 2 primeiros singles do álbum - "Beetlebum" e "Song 2" - os veículos que os levariam à outra margem e devolveriam o respeito da sua audiência. O álbum acabaria por notabilizar-se mais com o seu 2º single "Song 2", mas o grande momento dos Blur, para mim, é mesmo este "Beetlebum".
"He's on, he's on, he's on it..."
Com "Beetlebum", Damon Albarn abriu as portas dos dramas da sua própria vida. O tema é sobre o seu vício da heroína, sendo que a "Beetlebum" é ela mesmo: a heroína.
Nas palavras do próprio Damon:



Não que eu não goste do material mais antigo dos Blur, mas quando eles fizeram esta transição de Britpop, para Britrock (chamemos-lhe assim) mostraram que, afinal, não eram apenas capazes de fazer música mordaz e irónica, com narrativas satíricas sobre a sociedade britânica. Para além disso, os Blur tinham sentimentos reais e eram capazes de os mostrar, com narrativas mais terra-a-terra e música mais dura e menos polida.


Graham Coxon queria com "Blur" fazer música "que voltasse a assustar as pessoas". Aquele solo de guitarra no fim de "Beetlebum" fez-me exactamente isso quando o ouvi pela primeira vez. Missão cumprida. Estavam aí os novos Blur.