Subúrbios de uma qualquer cidade americana. Digamos que Detroit.
Um rapaz de 22 anos - digamos que Mike - é nesta altura, um (resistente) fã convicto de David Bowie e chega a casa com o novo álbum do seu artista preferido. Mike tira o enorme disco de vinyl da enigmática capa verde, com grande expectativa.
Afinal de contas, ao longo dos meses que se antecederam, Mike defendera o seu artista preferido acerrimamente, perante o seu grupo de amigos. Todos eles foram, em tempos, enormes fãs de David Bowie, mas todos haviam perdido a fé no seu ídolo. Todos menos Mike.
Corrijo: todos foram enormes fãs de Ziggy Stardust. Com a tenra e impressionável idade de 17 anos, em Outubro de 1972, o Mundo daqueles miúdos fora abanado pela chegada do extra-terrestre ao seu pequeno planeta suburbano. Pintaram o cabelo de vermelho, foram ver Bowie ao Fisher Theatre e saíram convertidos.
Poucos meses mais tarde, chegou Aladdin Sane - o expoente americano de Ziggy - e perante o novo trabalho de Bowie, o grupo de amigos fez-lhe juras de amor eterno. Público e artista estavam em sintonia. Mike e os amigos pintaram a cara como Aladdin e foram ver
Mas, como em muitas histórias de amor... Existe um "mas".
Com os anos, Bowie mudara. A sua música também. Em 1977, já muito pouco do que ligara Bowie ao grupo de amigos de Mike se mantinha na sua música e a gota de água fora o lançamento do álbum "Low", no início desse ano.
Todos recordavam vivamente aquele fatídico dia, em que se juntaram na casa de Mike para ouvir "Low" pela primeira vez e que acabou com uma gigantesca queimada de discos laranja no seu quintal.
Que raio era aquilo, afinal? Um álbum de electronica? Um lado integralmente instrumental?
Para o grupo, ouvir "Low" era como espetar unhas em mármore não polido. O artista que outrora veneravam já não estava em sintonia com eles.
Mas para Mike, com este novo álbum tudo seria diferente.
Depois da recepção difícil de "Low", a editora de Bowie - a RCA - fez uma promoção agressiva ao seu novo álbum:
"There's Old Wave.
There's New Wave.
And there's David Bowie."
""Heroes"" (as duplas aspas são propositadas) estava a ser bem recebido pela crítica. O Melody Maker e a NME teciam loas ao "regresso à grande forma" de David Bowie. Bom sinal. Mike estava mesmo convencido que tudo seria diferente.
E assim, Mike colocou ""Heroes"" no gira-discos. O que ouviu foi isto:
“Anyone who's playing "Beauty And The Beast"... You know they get erections.”
Robert Fripp, guitarrista convidado de David Bowie para o álbum ""Heroes""
O disco começa a tocar e mal sai aquele "weeeunnn" da guitarra de Robert Fripp - aquela primeira nota distorcida, erótica, perigosa - Mike estava outra vez com a cabeça a andar à roda.
"What the f...."
Gostava de estar presente no quarto de Mike neste momento. Ver a cavalgada de emoções a galope na sua cara: da desilusão, ao fascínio; da estupefacção, à euforia.
Não era isto que ele estava à espera. Ainda não era desta que David Bowie finalmente ressuscitava Ziggy Stardust... Mas foi desta que Mike teve a epifania que lhe permitiu perceber o seu artista preferido: Bowie nunca mais iria ressuscitar Ziggy.
E no fim de contas, Mike estava bem com isso. Afinal de contas, também ele crescera.
Daí em diante, ""Heroes"" seria o álbum preferido do Mike. Já os amigos, estes passariam a odiar Bowie e tudo o que de novo fez; compraram calças à boca de sino e foram ao cinema ver o "Saturday Night Fever". Nunca mais falaram ao Mike. E no fim de contas, Mike estava bem com isso.
Muito bom! :)) um post diferente do habitual, podia ser o ponto de partida para algum argumento de filme. Gostei imenso!
ResponderEliminarNão sabia que o Fripp tinha tocado para o Bowie...
Há aqui pano para mangas, de facto! Já estou a ver o título: "Young Americans - A história de um fã de música britânica nos EUA" :P
ResponderEliminarEsta foi a primeira vez que o Fripp colaborou com o David Bowie (um dia destes falo mais um pouco sobre esta colaboração :) ), a segunda foi no álbum "Scary Monsters", que também tem material fabuloso!