sábado, 29 de dezembro de 2012

New Order - "True Faith"

"I feel so extraordinary, something's got a hold on me"



"Who is the laziest member of the band?
Ian Curtis. I've never seen him do anything for years!"
Peter Hook - baixista dos New Order e dos Joy Division - por volta de 1993


Não deve ter sido fácil. Perder um amigo, um amigo que era também o vocalista da banda, que era o principal autor das letras e figura de proa do grupo... Perdê-lo quando, finalmente, a banda começara a ganhar alguma notoriedade...
Não deve, não pode ter sido fácil.

Contudo, os restantes Joy Division queriam continuar a fazer música. Nem fazia sentido ser de outra forma.
A perda de Ian Curtis significava que a identidade carregadamente urbano-depressiva da banda ia também cair. As temáticas do isolamento, da alienação, ou da depressão, trazidas pela mente perturbada de Ian, dissipar-se-iam com a sua saída. Mas a música, essa, estava lá intacta.

Porém, sem Ian Curtis, os Joy Division não faziam mais sentido. Assim, Bernard Sumner, Peter Hook e Stephen Morris decidiram adoptar um novo nome e recrutar um novo elemento para as teclas - Gillian Gilbert; nasciam então os New Order.

Os primeiros singles e o primeiro álbum dos New Order, lançados entre 1981 e 1982, cheiravam ainda a Joy Division. Por vezes, isso era bom, como em "Ceremony", "Everything's Gone Green", ou "Dreams Never End", por outras nem por isso. Em todo o caso, era impossível esconder que a banda dos subúrbios de Manchester estava a passar uma fase de transição.

"I can't tell you where we're going, I guess there's just no way of knowing"

Porém, quando em 1983 rebentou "Blue Monday" e se tornou no single de 12'' mais vendido de sempre (ainda hoje detém esse título), era evidente que os New Order já tinham passado para a outra margem. Já não eram uma referência do Post-punk, eram agora um porta-estandarte do Synthpop e do New Wave. Passaram do registo urbano-depressivo para um registo "dançável".

Confesso: não sou, em geral, um apreciador de música de dança; nem sequer, num conceito mais abrangente, de música "dançável". Nunca fui.
Nunca fui... até chegar aos New Order. Talvez pelo facto de misturarem as guitarras e as influências Punk, com as influências electrónicas germânicas (Kraftwerk, etc.), como David Bowie tinha feito 6 anos antes, os New Order arrebataram-me de imediato. Primeiro, com o inevitável "Blue Monday" e depois, com este superlativo "True Faith".

"True Faith" é o meu tema preferido dos New Order, mas é mais que isso: é o meu tema preferido de toda a "música dançável"; e mais ainda: é o meu tema de 2011.

Já devo um post aos New Order há muito tempo. Pelo menos desde há um ano quando, por esta altura, deveria ter feito o balanço de 2011. Porque a escolher o Tema do ano de 2011, seria "True Faith", na sua versão de 12''. O tema que simboliza uma das melhores coisas que me aconteceu nos últimos anos.

O papel dos New Order em 2102 foi diferente, não tão centrado num tema, como em 2011, mas mais abrangente.
Se ontem falei da banda Revelação do ano - os The Smiths - hoje é tempo para a Banda do ano - a banda que mais marcou o meu quotidiano, em 2012. Como já terão percebido por esta altura, trata-se dos New Order. Curiosamente, foi uma banda que explodiu no Reino Unido, mais ou menos na mesma altura que os The Smiths.

Já a minha explosão de New Order deu-se no último trimestre de 2012, quando descobri esta pequena maravilha:


"Substance" (ou "Substance 1987", para os puristas) deixou-me cabalmente agarrado aos New Order. A partir do dia em que ouvi a versão de 12'' "The Perfect Kiss" (WTF is that?!), o resto veio de arrasto, qual enxurrada: "State of the Nation", "Everything's Gone Green",  "Ceremony", "Touched By The Hand Of God" e mais.... muito mais.

Fiquei de tal forma agarrado aos New Order, que 2012 viu a minha única interpretação de um tema em público, num karaoke de um bar. Nem mais nem menos que... "True Faith".

Depois, respeitando a minha pancada coleccionista (a partir do momento que gosto de alguma banda, tenho que ter tudo dessa banda), prima directa da minha pancada de romântico (se gosto de algo ou alguém, gosto mesmo muito), fui "obrigado" a comprar este lote:



Exacto. Falo de edições de coleccionador, expandidas, dos 4 primeiros álbuns dos New Order. Isto resultou, como já referi, num verdadeira enxurrada de New Order na fase final de 2012, o suficiente para ganharem o meu prémio de Banda do ano. E tenho para mim que isto ainda não acabou...

Nota: a versão 12'' de "The Perfect Kiss" - o meu ex libris dos New Order em 2012 - só não leva as honras deste tópico porque... Bem, porque já devia um post ao "True Faith"!

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

The Smiths - "What Difference Does It Make?"

"So, what difference does it ma-a-ake?
It makes none."



"What came first? Music or the misery?
People worry about kids playing with guns or watching violent videos; that some sort of culture of violence will take them over...
Nobody worries about kids listening to thousands - literally thousands - of songs about heartbreak... rejection... pain... misery... and loss.
Did I listen to pop music because I was miserable? Or was I miserable because I listened to pop music?"
 John Cusack, como Rob Gordon, no filme "High Fidelity"




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Há uns dias atrás, um amigo confessava-me a sua convicção que "Se não fosse a música, os psicólogos e os psiquiatras teriam muito mais trabalho." Eu próprio já aqui defendi essa visão terapêutica da música várias vezes e ainda ontem, no post alusivo à importância da música de Bruce Springsteen, no desenrolar da minha vida em 2012, fiz questão de o fazer novamente.
No filme "High Fidelity" (que eu recomendo vivamente, que mais não seja porque parece contar um pouco da minha História no grande ecrã), a personagem interpretada por John Cusack - como eu, um daqueles amantes de música - levanta uma questão pertinente: ouvimos música porque nos sentimos miseráveis? Ou sentimo-nos miseráveis porque ouvimos música?
Será que a música nos tira da miséria? Ou será que prolonga o nosso sofrimento?

Excelente questão. Eu, confesso, não sei a resposta. Dependerá de pessoa para pessoa e a verdade andará algures no meio dos dois conceitos. Mas façamos uma reflexão sobre o assunto.
O que eu sei é que não vou deixar de ouvir música, por pensar que esta me pode por num lugar pior do que aquele em que estou. A História, a minha História, já me deu provas mais que suficientes em sentido contrário.

O Mundo é um lugar não raras vezes difícil. A música tem o condão de nos transportar para um lugar seguro, onde quer que estejamos, seja em que situação for. Ao ouvirmos os acordes daquele tema que gostamos, ou o som da voz terapêutica daquele artista, somos automaticamente levados para um abrigo, sãos, salvos e em segurança de todos os danos que nos possam infligir.

"I'm feeling very sick and ill today, but I'm still fond of you, oh-ho-oh"

Mas porquê, afinal, todo este discurso sobre a bondade da música e o que é que isso tem a ver com os The Smiths?
Bem, digamos que o papel dos The Smiths em 2012 foi, no mínimo, sui generis. Pode ser que no final do post, esta relação já seja perceptível.

Começo por declarar que os The Smiths levam o epíteto de Revelação do ano em 2012 e é por isso mesmo que lhes dedico este post. Claro que antes deste ano já tinha ouvido algumas coisas aqui e ali, mas ainda não estava familiarizado com o legado e a lenda da banda de Manchester.
2012 mudou tudo isso e com grande impacto. Literalmente.

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Há uns meses atrás, um certo acontecimento dramático desencadeou uma série de transformações na minha vida.
O acontecimento? Um violento choque de automóvel. A relação com os The Smiths? No exacto momento do choque, ouvia "There Is A Light That Never Goes Out", no caso pela voz de Noel Gallagher.
Esta mórbida coincidência levou-me a explorar mais a fundo a música dos The Smiths e a retirar, da sua música, uma experiência terapêutica. Terapia sobre o acidente, terapia sobre as coisas que estavam mal na minha vida e uma decisão sobre o que tinha que mudar. A subsequente revolução.
Outras bandas tiveram um papel importante nesta revolução (falarei numa delas amanhã), mas nenhuma teve uma relação tão situacional, diria até metafísica, como os The Smiths. Foram eles que me apontaram o caminho.

Tony Fletcher - autor da biografia da banda "A Light That Never Goes Out: The Enduring Saga of The Smiths" - acredita que "nenhuma outra banda conseguiu retratar a alma atormentada de um jovem como os The Smiths". Eu não arrisco nenhum epíteto deste tipo (até porque sou relativamente novo ao fenómeno), mas a verdade é que deles veio a música que melhor caracterizava a minha própria atormentada alma, num tempo de revolução.

Um dos temas chave desse meu conflito interno, que marcou os últimos meses deste ano, foi "What Difference Does It Make?".
Este tema foi o 3º single dos The Smiths, lançado em Janeiro de 1984, como aperitivo do 1º álbum da banda - o homónimo "The Smiths" - que veria a luz do dia um mês mais tarde. Acabaria por ser o único single retirado do álbum, com relativo sucesso (atingiu o nº 12 das tabelas britânicas), sendo hoje um dos temas mais reconhecidos da banda.

As duas capas do single "What Difference Does It Make?"; à esquerda a capa original, retirada do mercado e substituída pela da direita, com Morrissey; por sua vez retirada e substituída pela primeira novamente;


Em baixo fica a versão que foi lançada em single e incluída no álbum "The Smiths":




Alegadamente, "What Difference Does It Make?" é um dos temas dos The Smiths que Morrissey menos gosta. Pela minha parte, é um dos meus preferidos.

A versão que me conquistou está mais em cima no post e foi gravada ao vivo na BBC - no programa de John Peel (as Peel Sessions) - e incluída na na compilação "Hatful Of Hollow", lançada em Novembro de 1984.
Conquistou-me tanto pelo riff de Johnny Marr, como pela interpretação vocal fa-bu-lo-sa de Morrissey;  pelo desdém com que ele diz "It makes none", depois de perguntar em agonia "What difference does it ma-a-ake?"; pelo falsetto no fim.
Mas conquistou-me principalmente porque capturou um momento. Um momento numa noite feliz, numa noite de libertação, em que um DJ decidiu colocar este tema, nesta versão, a tocar numa das minhas pistas de dança preferidas de Lisboa. Num momento, cristalizou-se a bondade da música dos The Smiths; provou-se, pela enésima vez, a bondade da música na minha vida.
Que diferença é que isso faz? Faz toda.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Bruce Springsteen - "Rocky Ground"

"We've been traveling over rocky ground, rocky ground
There's a new day coming"



A próxima Escolha musical de 2012 é um habitué aqui no blog. Figura marcante da minha vida nos últimos 5 anos e vencedor em várias "categorias" neste ano, falo-vos de Bruce Springsteen que, com este post, soma já 15 entradas no blog.
Mesmo não sendo ouvido com tanta consistência como noutros anos, segundo a minha revisão, em 2012 Bruce foi o Artista no activo do ano; em grande parte devido a ter dado o Concerto do Ano (no Rock In Rio Lisboa) e a ter lançado o Tema original do ano ("Land Of Hopes And Dreams"), no seu álbum "Wrecking Ball".

"Wrecking Ball" pode ter perdido para "Shields" na categoria de Álbum original do ano, mas nem por isso Bruce Springsteen deixou de ter um papel importante no meu quotidiano, em 2012.
Uma vez que já tinha escrito um post sobre "Land Of Hopes And Dreams" (na véspera do concerto no Rock In Rio), hoje deixo aqui aquele que foi "o outro" grande tema do álbum.



"Rocky Ground" é um dos temas mais arriscados da carreira de Bruce Springsteen. Esta ofereceu-nos um filão quase inesgotável de boa música, mas sem grande diversidade. Bruce é muito forte no seu registo, mas arrisca pouco para além das suas incursões mais carregadamente folk.
Com "Rocky Ground", Bruce vai ao hip-hop (que heresia!) buscar uns loops e até põe um rap pelo meio; vai ao gospel buscar as vozes para uma paisagem harmoniosa edificante. No papel, nada disto parece ter a ver com Bruce Springsteen, mas a verdade é que em "Rocky Ground", esta mistura resulta.

Resulta ainda melhor no álbum "Wrecking Ball", com a passagem do fade-out gospel de "Rocky Ground" - tema de lamento em tempos difíceis, para o início a capella de "Land Of Hopes And Dreams" - hino de esperança. Os dois grandes temas de "Wrecking Ball" e dois temas que ilustram, e de que maneira, o meu 2012.

Se pensarmos no assunto, é incrível como a música pode ter um impacto tão grande nas nossas vidas:  conduz o nosso estado de espírito; ajuda-nos a levantar quando estamos no chão.
Mas mais que a ajuda pessoal, a música serve ainda como elo de ligação interpessoal: fortifica as amizades magoadas; dá-nos a conhecer amigos que ainda não o eram.
O concerto de Bruce Springsteen e da E Street Band no Rock In Rio foi um dos pontos mais altos do ano e foi tudo aquilo que referi. Para o bem e para o mal.

Neste post, já descrevi com bastante rigor aquilo que, para mim, foi ver Bruce Springsteen ao vivo no meu país. Mas não resisto a deixar só mais uma nota acerca da "experiência" que é um concerto da E Street Band e da autenticidade de Bruce.
James Hetfield - vocalista dos Metallica (banda de Thrash Metal, ou seja, longe do estilo de Bruce) - fala sobre a importância de ser verdadeiro na sua música:



"We went to see Bruce Springsteen the other night. I'm not the biggest fan of his music, but I watched him live and..." 
(James arregala os olhos) 
"My God, he means it!
He really means it! It's in his heart, it's in his face, it's in his eyes! 
You see him and you go.. WOW! He could go forever!"

A verdade. É isso que procuro na música de Bruce Springsteen. Não a verdade sobre Bruce, mas a verdade sobre mim. Como disse o Presidente dos EUA - Barack Obama (outro grande fã do Boss) - quando laureou Bruce Springsteen nos Kennedy Center Honors, citando o próprio:
"I’ve always believed that people listen to your music not to find out about you, but to find out about themselves."

Ao longo dos anos que a música de Bruce me acompanhou, muito já descobri sobre mim e 2012 não foi excepção. Para o bem e para o mal.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Grizzly Bear - "Speak In Rounds"

"Step back just once, learn how to be alone"



Depois do longo hiato, o blog regressa hoje para o que eu espero que seja uma ponta final de 2012 e um 2013 em força. Os últimos meses foram de grande azáfama e espero, também nesse sentido, ter novidades em breve. Para já, voltemos ao clássico modelo da Escolha musical do dia.

Estamos no fim do ano e é por isso tempo de balanço. No ano passado (2011) não tive oportunidade para fazer essa analepse aqui no blog, mas na última semana de 2010 fiz nestes posts a revisão do que ouvira nesse ano.
Como na altura referi, raramente a música que eu mais ouço num determinado ano concorre com a música que se fez nesse ano. Claro que há excepções e é nesse sentido que eu, desde os meus 14 anos,  em jeito de revisão, sistematizo os mais ouvidos do ano, dividindo as "escolhas musicais do ano" em várias categorias.
Sem mais demoras, passemos então ao Álbum original do ano (ou seja, o álbum que mais gostei de 2012, em 2012): "Shields" dos Grizzly Bear.


Tinha começado a escrever um texto a tecer loas a "Shields", mal o ouvi pela primeira vez no início de Setembro. Na altura, pensei logo que isto era o melhor que os Grizzly Bear já tinham feito. Seria impossível ouvir algo tão bom como isto até ao final de 2012, tinha instantaneamente ouvido o "álbum do ano".
Isto no ano em que um dos meus artistas preferidos - Bruce Springsteen - lançara um álbum novo, um trabalho que até ganhou o prémio de "álbum do ano" atribuído pela Rolling Stone (publicação que classificou "Shields" no 35º lugar).

Mas "Shields" deixara-me estarrecido com aquela sequência de 4 músicas iniciais ("Sleeping Ute" / "Speak In Rounds" / "Adelma" / "Yet Again") e senti uma urgência de revelar ao mundo o meu êxtase. Porém, acabei por me decidir em esperar uns meses, para deixar o álbum amadurecer em mim e, depois sim, emitir um julgamento.

Ao fim de alguns meses, qual é o meu veredicto? Exactamente o mesmo.
Um dos álbuns mais entusiasmantes do ano, "Shields" é um trabalho fabuloso dos Grizzly Bear, mas merece ser mais que isso: merece o epíteto de álbum do ano.

"Shields" mostrou uns Grizzly Bear inventivos como sempre. Para além de todo o virtuosismo técnico e sónico que lhes é reconhecido e que já fora cristalizado em "Veckatimest" (álbum que eu adorei), em  "Shields", a banda de Brooklyn conseguiu superar as minhas expectativas.
Como? Uma palavra chega, para descrever como: coração.

O meu problema com algumas bandas art-house / alternativas de hoje, tão veneradas pelas publicações hipster como a Pitchfork, deve-se precisamente à falta de coração; à falta de sentimentos que me conseguem transmitir.
A ânsia de criar algo de diferente leva a que muitas vezes a música perca o que mais tem de importante: o veículo de um sentimento.
"Play with your fu**ing heart!", já dizia o Bill Hicks.

Este é um conflito que não se aplica ao mais recente trabalho dos Grizzly Bear. Se eles me impressionaram com "Veckatimest" em 2009, em 2012 tocaram-me fundo com "Shields".

O meu momento preferido do álbum surge a meio da já referida sequência inicial, com este "Speak In Rounds".

"Shields" é um álbum com coração. É um álbum que na produção mantém o nível meticuloso, qual peça de relojoaria, mas que a isso acrescenta grandes canções. É o apogeu criativo da banda nova-iorquina.
É o meu álbum "original" de 2012.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Pink Floyd - "In The Flesh?"

"So ya, thought ya, might like to... go the show!"




Quem conhece os cantos à casa aqui do blog, já decerto terá reparado no makeover a que ele foi submetido. Esta nova (temporária?) face do tasco deve-se à comemoração de uma efeméride deveras importante.

Passo a anunciar:
Acabei de comprar bilhetes para ir a Londres, ao Estádio do Wembley, ver o espectáculo "The Wall Live" de Roger Waters.

É isto. Escusado será dizer que estou nas nuvens! :)



Em primeiro lugar, ir ao estádio do Wembley, ver um concerto, sempre foi um sonho para mim. Se eu sou assim, quem sou e como sou, muito o devo àquele maravilhoso concerto dos Queen no velhinho Wembley - o "Live At Wembley '86" - com o qual eu cresci.
Foi a exposição numa idade tão tenra (segundo o meu Pai, com apenas 3 anos) àquele filme, em incessantes repetições numa (hoje decrépita) cassete de VHS (mais uma vez recorrendo ao meu Pai, a exposição era praticamente diária) que me fez chegar até aqui.
Não fosse aquele filme e hoje, mais que provavelmente não escreveria neste blog. Em vez de torrar dinheiro em música (desde concertos, a CD's, DVD's, Vinyl e por aí fora...), talvez o meu hobby fosse filatelia ou numismática e seria certamente uma pessoa bem mais aborrecida. O meu obrigado ao meu Pai, por me expor àquela maravilhosa cassete.
Mas já estou a divagar.

A verdade é que o Estádio do Wembley sempre fez parte do meu imaginário, desde criança, até aos dias de hoje. Até a minha banda de adolescência - os Oasis - tocaram ali e lançaram um álbum (e correspondente vídeo) ao vivo para marcar a ocasião.



É verdade que já lá não está o velhinho e mítico Estádio do Wembley. Já não é o mesmo edifício onde tocaram os Queen, ou onde o Rei Mercury brilhou no Live Aid. Mas o local é o mesmo e o misticismo mora todo ali. O novo estádio, inaugurado em 2007 por George Michael, é uma infraestrutura moderna, ainda mais megalómana que a anterior (com capacidade até 105 mil (!!) espectadores para concertos) e mais bem preparada para este tipo de eventos.



Agora pensem comigo: partindo do princípio que é impossível eu ver os Queen de volta ao Wembley (e lamento, mas o somatório Brian May + Roger Taylor + um vocalista amigo, não qualifica como Queen), que melhor ocasião poderia haver para cumprir o sonho de ver ali um concerto, que aquele que é provavelmente o espectáculo mais majestoso da História do Rock, como pude comprovar na visita de Roger Waters ao Pavilhão Atlântico no dia 21 de Março de 2011?

Quando é que vou voltar a ter a chance de ver ao vivo, no emblemático Estádio do Wembley, o Roger Waters, a tocar um dos meus álbuns preferidos e (já agora arrisco), com a provável "aparição especial" de David Gilmour para tocar o solo de "Comfortably Numb" (conforme fez no o2 Arena, em Maio do ano passado)?

Só de pensar em toda esta conjugação de factores, já estou com um orgasmo mental!
Venha daí o 14 de Setembro de 2013!!!! :)


domingo, 4 de novembro de 2012

Queen - "One Vision"

"syaw suoiretsym ni skrow doG"



Hoje. Faz hoje exactamente 27 anos que os Queen lançaram "One Vision" em single no Reino Unido. Um dos meus temas preferidos dos Queen.

O tema foi inspirado na experiência que a banda viveu no "Live Aid", poucos meses antes, no Estádio de Wembley e no famoso discurso de Martin Luther King Jr.. Esta onda de solidariedade que os Queen viviam na época, depois dos turbulentos anos vividos na primeira metade dos anos 80, levou a que banda esquecesse as disputas internas e se unisse em torno de um tema.

Uma composição original de Roger Taylor, desenvolvida em conjunto com Freddie Mercury e Brian May nos estúdios Musicland em Munique (John Deacon estava de férias e só mais tarde juntaria as suas partes de baixo), "One Vision" foi a primeira faixa a ser creditada a todos os membros dos Queen.

O lançamento de "One Vision" serviria também de primeira amostra do álbum "A Kind Of Magic", que só veria a luz do dia em Junho de 1986. Até lá, "One Vision" seria ainda incluído na banda sonora do (de resto desinteressante) filme "Iron Eagle".
O single contou com o bizarro "Blurred Vision" como Lado B, tanto na versão de 7'', como de 12''. Este último teve direito a versões "Extended" de ambos os temas.


 




Na época, os Queen abriram uma excepção (única) ao longo da carreira da banda e deixaram as câmaras entrar nos Musicland Studios, para filmarem um pouco do seu processo criativo. As filmagens resultariam no vídeo promocional de "One Vision" e num documentário muito interessante, onde se vê a banda a trabalhar no tema, com algumas palhaçadas à mistura:



O meu momento preferido deste documentário, surge no fim, quando ouvimos Freddie Mercury a brincar às palavras, enquanto a lírica do tema ainda não estava definida:
"One man, one goal, one true religion.
One dump, one turd, two tits, John Deacon!
Yeah, yeah, yeah, yeah, yeah! Ckicken feed, babe!
One heart, one soul, one sex position!
One flesh, one night!
One dog, that one religion!
One shrimp, one bra, one clam, one chicken!
One Man, one goal!
One vi-v-v-v-v-v-v-v-v-v-v-v-v-v-v-v-v-vision!"


Hoje. Faz hoje exactamente 27 anos que os Queen lançaram "One Vision" em single no Reino Unido.
Quis o destino que a milhares de quilómetros, nesse mesmo dia, nascesse um enorme fã da banda...

sábado, 3 de novembro de 2012

David Bowie - "Time"

"Love has left you dreamless. The door to dreams was closed."



Perdido entre a ressaca do sucesso de "The Rise And Fall Of Ziggy Stardust And The Spiders From Mars" e a teatralidade de "Diamond Dogs", o álbum "Aladdin Sane" aparece como uma espécie de filho bastardo de Ziggy Stardust. Uma compilação desconexa de temas sobre decadência, o álbum revela (como normalmente acontece) o momento que David Bowie viva na altura.
"Ziggy goes to America", foi como Bowie descreveu "Aladdin Sane".



"Aladdin Sane" é, de facto, o outro álbum de Ziggy Stardust. Mas quem daqui concluir que "Aladdin Sane" não tem motivos de interesse, não pode estar mais longe da verdade.

David Bowie introduzira este personagem ao Mundo em Julho de 1972, com "The Rise And Fall Of Ziggy Stardust" (chamemo-lo apenas "Ziggy Stardust" a partir de agora...) e este trabalho elevara-o ao estatuto de super-estrela internacional. A digressão americana que se seguiu, serviu de inspiração para grande parte da escrita de "Aladdin Sane".

"All I had to give was the guilt for dreaming."

Experimentando um estilo de vida hedonístico, onde o álcool, as drogas e o sexo fácil eram partes do quotidiano, a personalidade absorvente de David Bowie dissolvia-se dia após dia naquela espiral decadente.
Enquanto tal acontecia, Bowie ia escrevendo canções, desenvolvendo uma fixação na cultura americana; canções que resultariam em "Aladdin Sane", lançado em Julho de 1973. Estas canções não formavam uma história, nem seguiam uma linha condutora, como em "Ziggy Stardust". Eram apenas páginas soltas de uma vida agarrada ao ponto mais alto do céu, enquanto batia no fundo do poço.
"Strung out on heaven's high, hitting an all time low", escreveria Bowie no autobiográfico "Ashes To Ashes", uns anos mais tarde.

Neste sentido, "Aladdin Sane" é um álbum que, no meio da sua esquizofrenia e falta de fio condutor, resulta pela força individual dos temas que o compõem. E aqui, olhando para os temas individualmente, arrisco dizer que não fica a dever nada ao seu antecessor.

"Time - He's waiting in the wings, he speaks of senseless things... His script is you and me"

O meu momento preferido de "Aladdin Sane" surge no início do Lado B. "Time" foi escrito por David Bowie em Nova Orleães, Novembro de 1972, durante a já referida digressão de Ziggy Stardust pelos EUA.
O tema foi descrito pela crítica como uma peça burlesca e comparada à música de cabaret de Jacques Brel. Tal como o álbum onde aparece, "Time" dividiu as opiniões, entre os que aclamavam a nova abordagem erudita de Bowie e o melodramatismo do tema e os que achavam que Bowie se devia cingir ao Rock. Como a história se encarregaria de provar, Bowie fez muito bem em nunca se cingir a qualquer estilo definido e os seus melhores trabalhos resultariam sempre das fusões musicais nascidas na sua cabeça.



O nome do álbum é um trocadilho com "A lad insane", referindo-se obviamente ao próprio David Bowie. Embora "Aladdin Sane" possa ser visto como um novo personagem, tendo em conta a sugestiva pintura facial que Bowie apresenta na capa, Aladdin não é mais que um desenvolvimento de Ziggy Stardust. Mesmo a digressão de promoção a "Aladdin Sane" foi apenas a continuação do espectáculo de Ziggy Stardust, acompanhado dos Spiders From Mars.

No fim da digressão, num concerto no lendário Hammersmith Odeon a 3 de Julho de 1973, David Bowie matou Ziggy Stardust e seguiu em frente com a sua vida e a sua carreira.



David Bowie ressuscitaria David Bowie uma última vez no Marquee, em Outubro de 1973, curiosamente para interpretar "Time", numa actuação para a televisão:


sábado, 27 de outubro de 2012

Freddie Mercury - "The Great Pretender"

"My need is such, I pretend too much. I'm lonely but no one can tell"



"I don't like to write message songs, like John Lennon or Stevie Wonder. I like to write songs about what I feel and what I feel about, very strongly, is love and emotion." 
King Mercury

Acabei de assistir ao novo documentário sobre a vida e a música do Rei - Freddie Mercury, apropriadamente baptizado de "Freddie Mercury: The Great Pretender". O documentário foi realizado este ano por Rhys Thomas, para a BBC e foi recentemente lançado em DVD e Blu-Ray.


Eu vi a versão completa do Blu-Ray, de 107 minutos e que dizer...? O único problema destes documentários é que acabam sempre em tragédia... Foi uma hora e meia de carpidura a baba e ranho.
Não sou de chorar em filmes, mas é porem-me a ver uma biografia dos Queen, ou do Freddie Mercury e logo vêem como é...




Disse que o documentário foi apropriadamente chamado de "Freddie Mercury: The Great Pretender". Apropriadamente, porque foi exactamente assim que Freddie viveu: fingindo.
Mas não é isso que todos fazemos, até um determinado nível, nas nossas vidas? Até a mais genuína das pessoas é obrigada a fingir, ou foi obrigada nalgum dia, ou nalgum aspecto da sua vida. Seja para se sentir inserida na sociedade, para agradar a alguém, para cumprir um desafio.

Parte da nossa vida é feita a fingir.

Fingir que somos mais fortes. Fingir que somos mais divertidos. Fingir que somos mais dinâmicos.
Para chegarmos onde queremos, somos muitas vezes obrigados a usar uma máscara e ser aquilo que não somos. A vida é isto mesmo.
"Too real is this feeling of make-believe
Too real when I feel what my heart can't conceal"

Isto tinha especial relevância para Freddie Mercury, um homem que usava em palco a máscara de macho dominante, mas que não se traduzia na realidade. Segundo o próprio, Freddie considerava-se uma "pessoa aborrecida" na vida privada, quando despia a sua persona de artista. No entanto, com esta vestida, Freddie era uma força da natureza: uma voz divina aliada a uma presença em palco como nunca se tinha visto e nunca se voltou a ver.

Ao longo do documentário, Freddie aparece várias vezes em discurso directo sobre a sua personalidade, a sua maneira de estar e as suas fraquezas.
Freddie era uma pessoa frágil. A sua persona artística era uma máscara que o protegia disso mesmo. Ao elevar-se ao patamar de estrela Rock inacessível, Freddie guardava uma distância de segurança em relação às pessoas. A páginas tantas, Freddie refere-se à dificuldade que tem em encontrar alguém que o compreenda:
"People have a hard time to accept me as a normal person."
"I'd like to share my life with someone, but nobody wants to share their life with me"
"The more I open up, the more I get hurt. I'm riddled with scars and I just don't want anymore."

Freddie formulara a sua persona para se distanciar de quem o magoara, mas no fim de contas, a sua persona alienava as outras pessoas da sua verdadeira maneira de estar, por vezes mais calma e até "aborrecida". Freddie atara um novelo paradoxal com a sua personalidade e a única forma de fugir a isso seria, uma vez mais, fingindo.

"Oh yes, I'm the great pretender, pretending I'm doing well"

Por outro lado, Freddie era uma pessoa muito intensa (ver citação depois do vídeo) e isso não é, de todo, uma característica com que é fácil lidar. Pelo menos é o que me vão dizendo, pelo que me posso identificar com este outro paradoxo da sua vida.
Como mostrar o apreço por alguém sem o fazer de maneira exagerada? Como mimar alguém, sem assustar? Qual a medida certa? Eu nunca soube, Freddie também não.
Como ultrapassar isto? Fingindo.
"I seem to be what I'm not, you see!"

"The Great Pretender" é por isso um tema que encaixa que nem uma luva em Freddie Mercury. É um tema escrito por Buck Ram, para os The Platters, originalmente lançado em 1955. Foi o primeiro e único cover lançado por Freddie Mercury ao longo da sua carreira, algo que, segundo o próprio diz no documentário, ele sempre quisera fazer, mas que seria impossível nos Queen.
A interpretação de Freddie foi um sucesso (chegou a nº 4 nas tabelas britânicas) que ainda hoje é tocado nas rádios, sendo muito mais reconhecida que a versão original.



O documentário é obrigatório para quem gosta dos Queen, especialmente para quem, como eu, tem grande admiração por Freddie Mercury. Depois do meu Pai, o meu ídolo de sempre.

domingo, 21 de outubro de 2012

Guns N' Roses - "Out Ta Get Me" (Live At The Ritz '88)

‎"I don't know, what by chance, the television audience will see... what anyone will see.
But what we'll see tonight..."



"We want to dedicate this song to the people that try to hold you back!
The people that tell you how to live!
People that tell you how to dress!
People that tell you how to talk!
People that tell you what you can say, and what you can't say...
I personally don't need that! I don't need that shit in my life!
Those are the kind of people that get me down. They make me feel like somebody, somebody out there... is OUT TA GET ME!"

Para lá das minhas bandas preferidas de sempre - os Queen e os Pink Floyd - bandas de quem sou fã desde que me lembro de existir e que acompanharam o meu crescimento como Homem e como ouvinte, houve 3 artistas/bandas que revolucionaram a minha vida: nos despreocupados anos de adolescência, pré-faculdade, houve os Oasis; mais recentemente, quando comecei a provar os sabores amargos da vida, apareceu Bruce Springsteen; e entre estes dois, vivia eu os meus revoltados anos de faculdade, os Guns N' Roses. Foram estes os artistas que maior impacto tiveram em mim.



Nos árduos anos do Técnico, o impacto dos Guns N' Roses na minha vida foi completamente transversal. A música dos Guns trouxe-me o ímpeto da revolta: fez-me virar contra o estado das coisas que passavam à minha volta e, mais importante que isso, tomar atitudes nesse sentido.

Mudou a música que ouvia.
Os Guns foram o ponto de partida para toda a música mais pesada que comecei a ouvir a partir daqui, desde o Heavy dos clássicos Deep Purple, Black Sabbath, ou Led Zeppelin, até ao Thrash Metal dos Metallica.

Mudou a roupa que vestia.
A partir do momento em que mergulhei na tecnosfera dos Guns, defini um estilo de roupa que me acompanha até hoje: calças de ganga, T-shirt, casaco de cabedal preto e óculos Ray-Ban Aviator. Basta olhar para a foto no meu perfil para se perceber a ideia.
O estilo acompanha-me até hoje, sim, mas desde que saí da faculdade apenas aos fins-de-semana. Durante a semana, outro estilo mais formal se desenvolveu, mas sempre pincelado com o original, nunca prescindindo do casaco de cabedal, nem dos óculos.
You are what you wear, já diz o ditado.

Mudou o penteado que usava.
Esta foi uma das maiores revoluções, que o diga a minha namorada da altura. Do corte "jovem" de cabelo espetado e moldado com gel, passei a usar longos cabelos ondulados. Ah e barba comprida, também. De barba e cabelos compridos, se vestisse um manto branco e aparecesse sem aviso nas instalações do antigo cinema Império, era capaz de confundir algumas cabeças.
Infelizmente este penteado não foi muito duradouro; depois de muitos desgostos às minhas avós, acabaria por desaparecer poucos dias antes de começar a trabalhar. Contingências da sociedade.

Mudou a minha forma de pensar.
Dentro das certezas que compõem o motor que move a nossa vida, todos temos as nossas dúvidas. Nesta fase, algumas foram colocadas de cima da mesa.
Tudo foi posto em causa na minha vida. O que é que eu andava a fazer? Os estudos universitários eram o caminho correcto? Era feliz? Era preciso romper com algo que se passava na minha vida? Os dogmas que carregava faziam algum sentido?

Neste ímpeto de revolução, passou mesmo pela minha cabeça deixar os estudos de Engenharia e enveredar pela... rádio. Depois de uma chamada telefónica ébria com a minha mãe, a ideia foi obviamente abortada. Mas ficou para sempre implantada no sub-consciente...

Em suma, a música dos Guns N' Roses mudou a música que eu ouvia, mudou a roupa que eu vestia, mudou o penteado que eu usava e mudou até a forma como eu pensava relativamente a alguns assuntos.
Se isto não encarna o poder da música numa pessoa, então não sei o que será.

Todo este poder teve como base não só a música dos Guns N' Roses, mas também a sua imagem. Principalmente a imagem do concerto que deram no Ritz Hotel, em Nova Iorque, na noite de 2 de Fevereiro de 1988. O DVD deste concerto foi tocado tantas vezes pelo meu leitor, que praticamente gastou o disco.
A música que os Guns tocavam, a maneira como eles se vestiam, a forma como eles se mexiam... Para um jovem que acabara de chegar sozinho à grande cidade, tudo ali puxou o gatilho da mudança na minha vida.

O tema que aqui fica é "Out Ta Get Me", parte do superlativo "Appetite For Destruction", álbum epitomador da revolta contra a sociedade. Antes de Izzy e Slash arrancarem com o riff de "Out Ta Get Me", Axl Rose faz um dos discursos mais inflamados que já ouvi num concerto rock, combustível para os ouvidos de um jovem revoltado. Puro veneno.


Na crista da crescente onda de sucesso do álbum "Appetite For Destruction" (lançado a Julho de 1987), os Guns mostraram-se aqui na sua forma pura e crua: um gangue de miúdos rebeldes, cheios de álcool e drogas no corpo; a tocar Rock pesado, reminiscente das bandas dos anos 70, mas com o cabelo das bandas de Hair Metal de então.
O mais electrizante os concertos Rock em filme. Pode mudar uma vida. A minha mudou.

sábado, 20 de outubro de 2012

José Régio - "Cântico Negro"

Ontem pensei em qual seria o meu poema preferido. O primeiro que me lembrei foi o "Cântico Negro", de José Régio. Este poema foi incluído no seu primeiro livro de antologia - "Poemas de Deus e do Diabo", publicado originalmente em 1925.

Já não lia o "Cântico Negro" há anos. Ontem procurei-o na net, imprimi-o num A4 e fechei-me no carro durante 2 minutos para voltar a ler o poema. Uma leitura, um take. O resultado foi este:



Já tinha saudades de ler poesia.
Hoje a palavra escrita dá lugar à palavra falada e a única música que se ouve são as palavras de José Régio. Fica aqui o fabuloso poema na íntegra:

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos... 
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo. 
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Mihály Víg - "Valuska"



Todos procuramos no cinema (e em qualquer forma de arte) algo de particular.
Procuremos o riso e temos as comédias relaxantes que povoam os fins de tarde na televisão; procuremos o romance e temos as comédias românticas que enchem os video-clubes; procuremos vestir a pele de um herói por 2 horas e temos os filmes de acção do James Bond; enfim, e por aí fora, só para dar alguns exemplos do cinema mais comercial.

De quando em vez, também procuro no cinema um dos tópicos que listei em cima, mas confesso que cada vez tenho menos paciência para tais lugares comuns. Não levem isto como uma posição de snobismo, eu continuo a venerar os filmes do James Bond e não perdi a estreia do último "American Pie" (já agora, o filme que mais me fez rir da saga).
Porém, em sentido contrário, cada vez mais sou atraído pelos circuitos de cinema indie (ou alternativos), os quais nos oferecem um leque de sensações bem diferentes.

Acabar de ver um filme e ficar, estupefacto, a olhar para o ecrã negro durante alguns minutos; sair da sala de cinema a matutar; ficar o resto da semana com o filme colado na nossa mente; são estas as sensações que procuro nestes dias, algo ao alcance de muito poucos realizadores.

Já dei um excelente exemplo disso mesmo, aqui, quando descrevi (ou tentei) a minha experiência esvaziante de ver "A Torinói Ló" ("O Cavalo de Turim"), de Béla Tarr, numa sala de cinema.
Esvaziante, porque foi de profundo vazio, o sentimento com que o filme me deixou. Como um pano seco, outrora húmido, depois de torcido vigorosamente.

Como tive a oportunidade de referir na altura, à falta de acção no filme, um dos "aspectos chave" era a sua banda sonora, a cargo de Mihály Vig. Ora, se "A Torinói Ló" foi a última longa metragem de Béla Tarr, foi também o último capítulo de uma longa história de colaborações entre Béla e Mihály, que começou em 1984. A saber (entre parêntesis os nomes em inglês e/ou em português, quando disponíveis):
- "Őszi Almanach" ("Autumn Almanac") - 1984
- "Kárhozat" ("Damnation" / "Danação") - 1988
- "Az utolsó hajó" - 1990 [curta-metragem]
- "Sátántangó" ("Satan's Tango" / "O Tango de Satanás") - 1994
- "Utazás az Alföldön" ("Journey on the Plain") - 1995 [curta-metragem]
- "Werckmeister Harmóniák" ("Werckmeister Harmonies" / "As Harmonias de Werckmeister") - 2000
- "A Londoni Férfi" ("The Man From London" / "O Homem de Londres") - 2007
- "A Torinói Ló" ("The Turin Horse" / "O Cavalo de Turim") - 2011

Na prática, isto significa que Mihály Vig foi o autor da banda sonora de todas as longas-metragens de Béla Tarr desde 1984, bem como de algumas curtas. Note-se que algumas destas obras ("O Tango de Satanás", "As Harmonias de Werckmeister" e "Danação") estão previstas para lançamento em DVD, ainda este mês, pela Midas Filmes.

Não sei muito sobre Mihály Víg e a pesquisa sobre ele não é fácil, devido à imperceptibilidade do idioma magiar. Mas sei que a sua música é um complemento fundamental dos filmes de Béla Tarr, especialmente tendo em conta o tipo de cinema "contemplativo" do realizador húngaro.
Mais do que isso, as bandas sonoras de Mihály Víg nos filmes de Béla Tarr são uma obra em si mesmo.



É uma pena que não esteja disponível (pelo menos, que eu saiba) para compra, uma compilação exaustiva destas bandas sonoras, mas em 2001 foi lançado um álbum que faz parte desse trabalho: "Filmzenék Tarr Béla filmjeihez". Esta compilação junta os temas chave das bandas sonoras de 4 filmes de Béla Tarr: "Őszi Almanach", "Kárhozat", "Sátántangó" e "Werckmeister Harmóniák".
O alinhamento é o seguinte:

"Filmzenék Tarr Béla filmjeihez" (2001)

"Őszi almanach":
1. "Főcím" (1:13)
2. "Lukin" (1:37)
3. "Őskígyó" (1:27)
4. "Lengyelország" (1:42)
5. "Pajesz" (2:00)
6. "Synth" (1:46)
"Kárhozat":
7. "Csille" (1:33)
8. "Kész az egész" (8:18)
9. "Eső I." (4:24)
10. "R&R" (4:47)
11. "Lassú tánc" (5:05)
12. "Körtánc I." (5:38)
13. "Vonósnégyes" (1:44)
"Sátántangó":
14. "Harang I." (2:47)
15. "Eső II." (1:40)
16. "Halics" (3:46)
17. "Szabad egy tangót?" (3:04)
18. "Körtánc II." (5:24)
19. "Pityi" (0:13)
20. "Harang II." (1:33)
"Werckmeister harmóniák":
21. "Valuska" (4:14)
22. "Öreg" (10:00)

O tema que eu aqui deixo é "Valuska" de "Werckmeister Harmóniák" e é o meu preferido de Mihály Vig. Mais do que isso, "Valuska" é um dos meus temas preferidos de sempre, no que a bandas sonoras diz respeito. Principalmente se for ouvido e contextualizado, com a cena do filme em que aparece.



Valuska é o nome do personagem principal do filme. Nesta cena, depois de ser expulso de um bar, Valuska caminha sozinho no frio da noite, pela rua vazia, escondido entre as sombras dos candeeiros de rua. A cada passo de Valuska, a câmara afasta-se mais e mais, revelando a natureza solitária da sua existência.


Um homem só, caminhando pela rua escura e deserta, no frio cru da noite.

Este plano da caminhada solitária de Valuska dura aproximadamente 2 minutos (nada de especial, na escala de Béla Tarr) e é, na minha opinião, o mais poderoso de toda a obra cinematográfica do húngaro. É um plano que condensa toda a força que o cinema do realizador nos despeja: toca-nos no fundo da alma; mexe com a complexa profundeza da psique.
Como?
Mostrando num plano, numa simples metáfora, numa soma de imagem e som, algo que personifica toda a história de uma vida.

Todos procuramos algo no cinema. Às vezes, sem querer, encontramo-nos.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Sting - "Brand New Day"

"Somanu stana stano stino remono remulibo lafulê
Stabinaf a BRAND NEW DAY!!"



Gosto do Sting. No final dos anos 70 / início dos anos 80 liderou os The Police - uma banda Rock de enorme sucesso, com Stewart Copeland e Andy Summers, que fazia um cruzamento curioso entre o Post Punk e o Reggae. De 1978 a 1983, os The Police lançaram 5 álbuns, alguns deles muito bons e depois de atingirem o seu ponto alto com "Synchronicity", Sting desfez a banda.

Entretanto, Sting atingira o estrelato do panorama musical, o que o levou, entre outras coisas, a assumir participações de destaque na Band Aid e no Live Aid, ou a ser convidado para gravar com os artistas de maior sucesso da época. Casos de "Money For Nothing" com os Dire Straits (aqui na versão estúdio e aqui ao vivo no Live Aid), tema do álbum "Brothers In Arms", e de "Long, Long Way To Go" com Phil Collins (aqui no Live Aid), que apareceu no seu álbum blockbuster "No Jacket Required" (aqui no álbum).

Como disse, gosto do Sting. O homem tem talento, sabe escrever uma canção e aprendeu a adornar as paisagens sonoras dos seus temas como ninguém. No entanto, para mim a sua carreira a solo é uma caixa de melões, que só depois de abertos é que se sabe se estão bons para consumo.

Mas o meu maior problema com o "Sting moderno" é este ter perdido a sua espontaneidade na música, em detrimento de uma excessiva preocupação com o detalhe da produção e a ornamentação sonora; e ter perdido a sua espontaneidade na lírica, em detrimento de uma eloquência erudita, que faz com que demasiadas vezes o ouvinte não perceba que raio ele está ali a cantar. Se a isto juntarmos um inusitado uso da métrica, de modo a conseguir atafulhar o maior número de sílabas num verso, então Sting torna os seus temas praticamente imperceptíveis.

Claro que não fui o primeiro a reparar na "viragem criativa" de Sting, pelo que esta sua característica peculiar foi aproveitada magistralmente por Seth MacFarlane em Family Guy:
"I promise you'll understand all the words. Not like Sting, where you can only understand the last 3!"




Não é que eu (e presumo, a malta do Family Guy) não goste de "Brand New Day", ou de Sting. Mas é impossível deixar de reparar na montanha de coisas que Sting quer expressar num simples verso. Ele é realmente alguém com muito para dizer.
Isto complica a vida, e de que maneira, à malta que gosta de cantar ao som das músicas de Sting (talvez ele não goste de sing-alongs). O melhor que podem fazer é balbuciar uns fonemas quaisquer até chegar a parte reconhecível do título da música.
Agora que penso nisto, lembro-me que tal dificuldade já foi sentida, em tempos, por um outro britânico:




ALELUIA!

Porque hoje, especialmente hoje, começa um novo dia para mim.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Noel Gallagher's High Flying Birds - "AKA... What A Life!"

"What a life!"



"It’s about things you love that are bad for you – drinking, women, smoking, you know... hero worship, that kind of thing. But thinking... aren’t they great?"
Noel Gallagher, sobre "AKA... What A Life!" 


Foi o "meu" grande álbum original (isto é, lançado no mesmo ano) de 2011. Lançado a 17 de Outubro do ano passado, bastou-me uma audição para ficar completamente rendido a "Noel Gallagher's High Flying Birds". A semana que se seguiu a esta 1ª audição foi para mim de trabalho intensivo, todos os dias "até às tantas" na empresa. O primeiro álbum a solo de Noel Gallagher foi a minha companhia. Resultado? Devorei positivamente "High Flying Birds".
Para terem uma ideia, segundo os registos do Windows Media Player do meu PC na empresa, nessa semana o álbum tocou mais de 40 vezes, enquanto trabalhava. E nisto já nem estou a contar com o CD em casa, nem com a cópia no carro, ambas em rotação constante.

Na semana seguinte, fui de férias para Londres e adivinhem o que levei no meu Creative? (sim, como já expliquei aqui, a Creative tem leitores de media portáteis muito melhores que a Apple e o seu iPod) "Noel Gallagher's High Flying Birds", "All Things Must Pass" de George Harrison e "Wasting Light" dos Foo Fighters.
Por motivos parcialmente alheios à música, essas férias em Londres resultaram numa das semanas mais felizes e entusiasmantes de toda a minha vida. Digo "parcialmente", porque a semana teve o  bónus de, sem estar à espera, ter a oportunidade de assistir ao concerto de estreia dos Noel Gallagher's High Flying Birds (o nome do álbum é igual ao nome da banda) na capital mundial do Rock. Ainda para mais, o concerto era no lendário Hammersmith Odeon (palco onde actuaram grandes nomes como os Queen, ou os Genesis e onde David Bowie "matou" Ziggy Stardust), hoje rebaptizado de HMV Hammersmith Apollo, por motivos publicitários.

Foi uma noite lendária, daquelas que ficam para sempre gravadas na nossa memória, como se uma longa metragem se tratasse. Daquelas noites para as quais somos transportados holograficamente, com o simples rebentar de uma determinada música nos altifalantes.

Mas como fazer parte de tudo isso?
Como seria de esperar, o concerto estava esgotadíssimo (toda a digressão britânica de estreia de Noel Gallagher esgotou em 4 minutos) e tive que recorrer a um scalper (em bom português, à candonga) para arranjar o bilhete. As pequenas lojas de discos mostravam nos seus placards anúncios com pessoas a vender os bilhetes a preços a rondar os 100£ / 150£, tudo para garantir um lugar no pequeno e exclusivo Hammersmith Odeon.

Sem outras alternativas, lá marquei um encontro com um destes "amigos", que me vendia o bilhete pela módica quantia de 80£. Apareceu um bife bem apresentado, com um blazer que lhe dava um ar de intelectual rockeiro (o que quer que esta amálgama signifique) e fiz o negócio. Não sabia se era um achado ou se estava a ser enganado, mas isso não interessava. Afinal, o Noel Gallagher estava à espera. Com a adrenalina a subir e uma pontinha de medo, lá fui desde o Hyde Park em direcção ao bairro de Hammersmith. A linha de metro estava cortada, o que me obrigou a dar uma volta enorme para lá chegar, com a hora do concerto a aproximar-se perigosamente.
Em cima da hora, com a adrenalina nos limites, cheguei ao Hammersmith Odeon.
Entrei.
O bilhete era genuíno.



WOW! Estava lá dentro. Finalmente, cumpria um sonho antigo, alimentado por todos aqueles documentários que seguiam as bandas em digressão. Estava "ali", "naquele momento", quando tudo estava a acontecer, debaixo da euforia londrina que recebia pela primeira o Noel Gallagher a solo. Fantástico!

Me @ Hammersmith Odeon

O concerto varreu o novo álbum por inteiro (estranhamente, com excepção de "Stop The Clocks", um dos seus temas fortes), mais alguns lados B, sacando aqui e ali nos inevitáveis clássicos dos Oasis.

- "(It's Good) To Be Free" (Lado B de "Whatever" - 1994)
- "Mucky Fingers" (Oasis - Álbum: "Don't Believe The Truth" - 2005)
- "Everybody's On The Run" (Álbum: "Noel Gallagher's High Flying Birds" - 2011)
- "Dream On" (Álbum: "Noel Gallagher's High Flying Birds" - 2011)
- "If I Had A Gun" (Álbum: "Noel Gallagher's High Flying Birds" - 2011)
- "The Good Rebel" (Lado B de "The Death Of You And Me" - 2011)
- "The Death Of You And Me" (Álbum: "Noel Gallagher's High Flying Birds" - 2011)
- "Freaky Teeth" (outtake de "Noel Gallagher's High Flying Birds"- 2011)
- "Wonderwall" [acústico] (Oasis - Álbum: "(What's the Story) Morning Glory?" - 1995)
- "Supersonic" [acústico] (Oasis - Álbum: "Definitely Maybe" - 1994)
- "(I Wanna Live In A Dream In My) Record Machine" (Álbum: "Noel Gallagher's High Flying Birds" - 2011)
- "AKA...What A Life!" (Álbum: "Noel Gallagher's High Flying Birds" - 2011)
- "Talk Tonight" [banda completa] (Lado B de "Some Might Say" - 1995)
- "Solider Boys And Jesus Freaks" (Álbum: "Noel Gallagher's High Flying Birds" - 2011)
- "AKA...Broken Arrow" (Álbum: "Noel Gallagher's High Flying Birds" - 2011)
- "Half The World Away" (Lado B de "Whatever" - 1994)
- "(Stranded On) The Wrong Beach" (Álbum: "Noel Gallagher's High Flying Birds" - 2011)

Encore:
- "Don't Look Back In Anger" (Oasis - Álbum: "(What's the Story) Morning Glory?" - 1995)
- "The Importance Of Being Idle" (Oasis - Álbum: "Don't Believe The Truth" - 2005)
- "Little By Little" (Oasis - Álbum: "Heathen Chemistry" - 2002)




Para mim, ávido fã de (quase) tudo o que os Oasis e Noel fizeram (incluindo, obviamente, este álbum), foi uma setlist perfeita. O culminar de um dia perfeito.
Londres ainda me reservaria mais umas surpresas, mas não tinha nenhum lugar mais alto para me levar. Naquele momento, já estava no céu.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Ringo Starr - "Photograph"

"Now you're expecting me to live without you, but that's not something that I'm looking forward to..."




Hoje continuamos a olhar para o trajecto de Ringo Starr nos Beatles e na impotância da banda na sua carreira a solo.
No último dia, ficámos em 1965, no álbum "Rubber Soul", onde John Lennon e Paul McCartney ajudaram Ringo no seu primeiro crédito de autoria, com o sensaborão "What Goes On" (único tema creditado a Lennon-McCartney-Starkey).
Lennon e McCartney continuariam a ajudar Ringo ao longo dos anos, mas em 1966, logo a seguir a "Rubber Soul", dar-lhe-iam um presente envenenado. Ou não, depende da perspectiva.

Na gravação de "Revolver", Paul McCartney achou por bem escrever um tema para Ringo, um tema que se adequasse à sua imagem e à sua voz. O resultado de tal ideia pioneira seria... "Yellow Submarine".
Segundo as palavras de John Lennon, "Yellow Submarine" foi: "Paul's inspiration. Paul's idea. Paul's title... written for Ringo".
"Yellow Submarine" é um tema que parece saído dos megafones de uma banda marcial (para quem não sabe, é o que em inglês se denomina marching band), que desce a rua a anunciar que "vivemos todos num submarino amarelo"... Exacto. Foi esta a brilhante conclusão de Paul, depois de mais uma daquelas sessões de inspiração transcendental (cough... trips) que ele gostava de experimentar na época: a de que vivemos todos num submarino amarelo!

Bem... Eu sou o primeiro a dar graças pelas trips dos Beatles! Afinal, elas deram-nos coisas fantásticas como os álbuns "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" e "Magical Mystery Tour". Louvado seja o cogumelo que deu "I Am The Walrus" a Lennon, ou "Fixing a Hole" a McCartney!
Mas isto?! WTF?!

Não contentes com a façanha, os Beatles resolveram lançar "Yellow Submarine" em single... E não é que acertaram?! O tema esteve no 1º lugar das tabelas britânicas durante 4 semanas (1 mês!!!) e venceu um Ivor Novello Award como o single mais vendido de 1966 no Reino Unido. Incrível.
Para elevar a demência a níveis estratosféricos, ainda foi feito um filme de animação baseado no conceito de "Yellow Submarine": uma viagem dos Beatles... num submarino amarelo. (Jesus...) Incrível, mesmo...

A redenção de Lennon e McCartney para com Ringo (na minha opinião, claro; porque para o resto do Mundo, parece que "Yellow Submarine" é coisa que se apresente...) surgiria logo a seguir no álbum "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band". Apresentando-se como Billy Shears - líder da Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band - Ringo canta "With A Little Help From My Friends", na minha opinião, um dos melhores temas do álbum. Aqui sim, um tema digno de Ringo.

O primeiro tema da autoria exclusiva de Ringo Starr seria "Don't Pass Me By" e apareceria apenas em 1968, no álbum homónimo da banda "The Beatles" (vulgarmente conhecido como o "White Album"). Convenhamos que foi um início muito pouco auspicioso para o baterista dos Beatles como compositor.

Por esta altura, Ringo ameaçou abandonar a banda, por achar que estava a um nível muito inferior de todos os outros. Com a auto-estima em baixo, farto das incessantes discussões em estúdio (lembro que foi aqui que uma nova personagem entrou no quotidiano da banda - a sinistra Yoko Ono) e de um processo de gravação cheio de precalços e indefinições, Ringo deixou Londres e foi de férias para o sul de França.
Duas semanas depois, a pedido dos restantes Beatles, Ringo regressaria ao estúdio para terminar as gravações do álbum. Fruto dos rasgos criativos individuais de cada um dos Beatles, sem qualquer matriz orientadora, o "White Album" acabaria por resultar numa compilação de álbuns a solo dos vários elementos da banda (obviamente com o domínio de John Lennon e Paul McCartney).

Depois da primeira amostra de criatividade com "Don't Pass Me By", o ano seguinte traria um enorme salto qualitativo para as composições de Ringo, quando contribuiu com "Octopus's Garden" para "Abbey Road", o último álbum gravado pelos Beatles. Agora sim, finalmente: um tema divertido e jovial, mesmo à imagem de Ringo Starr, para terminar o seu trajecto na banda.
Continuando na saga do surrealismo que tantos frutos tinha dado no passado, desta vez Ringo exclama que quer viver num jardim habitado por polvos no fundo do mar. Muito bem. Entre o jardim dos polvos e o cântico da banda marcial em como vivemos num submarino amarelo... fico com o jardim!

Com este panorama, previa-se que a carreira a solo de Ringo seria a menos interessante de todos os Beatles. E é assim sem surpresa que, a meu ver, percebemos que essa previsão se confirmou.
Só não digo que a carreira a solo de Ringo Starr foi, de todo, "desinteressante", porque em 1971 George "apareceu" com "It Don't Come Easy" e em 1973, Ringo chamou os restantes amigos da sua antiga banda (afinal, Ringo até era o "gajo porreiro" dos Beatles) para o álbum "Ringo".

O álbum "Ringo" foi a estrela que iluminou todo o seu reportório a solo.
"Ringo" é a cara de Ringo: é divertido, descontraído e despreocupado. A adicionar a esta equação, tem um punhado de boas canções, compostas com o auxílio dos seus amigos. Não é nada de extraordinário, nada que se possa pôr lado a lado com discos como "Band On the Run" (dos Wings de McCartney), ou a "All Things Must Pass" (de Harrison); mas cumpre. Cumpre a missão de deixar um trabalho de referência na carreira a solo de Ringo e mostra aquilo que ele pode e sabe fazer, especialmente quando é bem auxiliado.
O caso mais bem sucedido é este "Photograph", escrito (mais uma vez) com o auxílio de George Harrison (que andava on fire nesta altura), tema lançado em single em Maio de 1973 e que liderou as tabelas nos EUA; um feito que seria repetido no fim desse ano por "You're Sixteen".

No concerto de tributo a George Harrison no Royal Albert Hall, depois da sua morte em 2002, Ringo apareceu para tocar o tema escrito conjuntamente com o seu amigo, numa homenagem que, tendo em conta o conteúdo da letra de "Photograph", fez todo o sentido:

"Every time I see your face, it reminds me of the places we used to go.
But all I've got is a photograph and I realize you're not coming back anymore..."




"I thought I'd make it, the day you went away. But I can't make it, 'til you come home again to stay..."

George e Ringo partilhavam uma enorme amizade. No documentário "Living In The Material World" de Martin Scorsese (que já recomendei, sem reservas, aqui), Ringo conta a comovente história da última vez que viu George, já este estava gravemente doente... e não conseguiu evitar as lágrimas:


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Ringo Starr - "It Don't Come Easy"

"I don't ask for much, i only want your trust and you know it don't come easy."



Não vos estarei a dar uma grande novidade se disser que Ringo Starr não era o mais talentoso dos The Beatles. Não que ele fosse mau na sua função de baterista. Aliás, na minha opinião, Ringo era o baterista ideal para a banda; o seu estilo assentava que nem uma luva nos Beatles.
Ringo marcou um estilo de tocar e influenciou milhares de outros bateristas em todo o Mundo. Beneficiando da popularidade sem paralelo dos Beatles, não há dúvidas que Ringo foi influente na arte do seu instrumento como muito poucos.

No entanto, como compositor, o facto é que Ringo era a face mais pálida dos Beatles. Como referi aqui, quando escrevi sobre George Harrison, os The Beatles foram a banda de Lennon e McCartney, onde também tocavam Harrison e Ringo. Os momentos destes últimos debaixo dos holofotes foram efémeros e se pela parte de George, isso pode ser apontado como uma crítica à política vigente do grupo, pela parte de Ringo, isso só pode ser apontado como uma forma de proteger o próprio baterista.

À falta de material escrito por Ringo para incluir nos álbuns, este foi interpretando temas escritos por outros artistas, nos primeiros anos dos The Beatles: "Boys" (Dixon, Farrell) em "Please Please Me"; "I Wanna Be Your Man" (Lennon, McCartney) em "With The Beatles"; "Honey Don't" (Carl Perkins) em "Beatles For Sale" e "Act Naturally" (Russell, Morrison) em "Help!".
O primeiro crédito de Ringo Starr apareceria em "Rubber Soul" (6º álbum da banda), como co-autor de "What Goes On" (único exemplo de co-autoria Lennon-McCartney-Starkey), que na minha opinião salda-se como um dos temas pobres de um álbum que, no resto, é simplesmente fabuloso.

Se é verdade que Paul e John sempre tentaram ajudar Ringo na sua carreira, logo desde a fase inicial (George também o faria mais tarde, como veremos à frente), também não é menos verdade que sempre tiveram noção das limitações do seu colega e amigo. Numa entrevista em 1980, John Lennon acabaria por se mostrar (estranhamente) bastante cínico em relação à "ajuda" que dera a Ringo, referindo-se a "I Wanna Be Your Man" (primeiro tema composto pela dupla Lennon-McCartney para Ringo cantar) de forma muito pouco abonatória:
"It was a throwaway. The only two versions of the song were Ringo and the Rolling Stones. That shows how much importance we put on it: We weren't going to give them anything great, right?"

Não é habitual ouvirmos John referir-se a Ringo nestes termos. Alguns anos antes, em 1975, numa entrevista para a televisão americana, Jonh abordou a dificuldade que Ringo sentia em escrever o seu próprio material, mas defendeu o seu amigo, sublinhando que ele não era um estúpido (dumb) qualquer e que até àquele ponto a sua carreira a solo até já conhecera mais sucesso que a do próprio Lennon:



Desabafos à parte, dêem-se as voltas que quiserem, a verdade é que os membros dos Beatles sempre tentaram proteger o seu elo mais fraco. Ringo era o "gajo porreiro" da banda e contribuía, à sua maneira, para aquilo que os Beatles se tornaram.

Nesse sentido, reza a História que George Harrison lhe terá oferecido "It Don't Come Easy" em 1970, mais uma sobra da pilha de temas que tinha para o álbum "All Things Must Pass".
Em Abril de 1971, Ringo lançou "It Don't Come Easy" em single (figurando como co-autor) e o tema tornar-se-ia numa dos seus ex libris.



Meses depois, em Agosto de 1971, Ringo juntou-se à banda de George Harrison no Madison Square Garden, para o concerto de ajuda ao Bangladesh (The Concert For Bangladesh) e cantou "It Don't Come Easy", ao mesmo tempo que tocava bateria. Resultado? Ringo esqueceu-se da letra e assim imortalizou esta actuação com uma valente argolada:

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Noel Gallagher - "(It's Good) To Be Free" (Semi-Acoustic Live)

"The little things, they make me so happy. Well, it's good... Yes, it's good... It's good to be free"



"Head like a rock spinning round and round"
Volvido praticamente um mês, hoje voltei a ouvir no carro o "álbum do acidente". O álbum é "The Dreams We Have As Children", uma gravação semi-acústica de Noel Gallagher, ao vivo no Royal Albert Hall, no concerto de beneficiência para Teenage Cancer Trust.
Chamo-lhe o "álbum do acidente", mas sem quaisquer ressentimentos. Ao ouvi-lo, obviamente me lembrei do acidente, mas acho que isso vai ficar para sempre. O meu primeiro acidente de viação (muito menos grave que este, só "chapa") foi há quase 4 anos e deu-se ao som de "Candy's Room" de Bruce Springsteen. Não há vez nenhuma que eu ouça o tema e eu não me lembre dessa manhã azarada...
Mas dizia eu que não guardo ressentimentos da música de Noel Gallagher. Afinal, o acidente foi muito mais que um simples azar, foi uma chamada de atenção, um wake up call.

A vida testa-nos de muitas maneiras e às vezes dá-nos um valente abanão, que no mínimo serve para nos obrigar a repensar o nosso caminho. Não estou aqui a teorizar sobre o destino, ou sobre qualquer ordem que o Universo tenha sobre os acontecimentos caóticos da nossa vida, de modo a dar algum sentido a "tudo isto". Nada disso. À parte de toda a subjectividade de tais discussões, reitero apenas que alguns destes acontecimentos caóticos nos obrigam a parar... e a pensar.
E foi o que se passou comigo.

"So what would you say if I said to you: "it`s not in what you say, it`s in what you do!"...?"
Esta manhã, ao ouvir novamente o maravilhoso órgão na introdução de "(It's Good) To Be Free" - tema de abertura de "The Dreams We Have As Children" - mais do que recordar o acidente, lembrei-me que o abanão teve resultados práticos.
Lembrei-me de como é bom ser livre para operar uma revolução na nossa vida , sempre que tal seja necessário. ("so I start a revolution from my bed", como dizia Noel em "Don't Look Back In Anger")
Lembrei-me que, volvido um mês um mês do acidente, a palavra já deu lugar a acção.
A palavra escrita vai dar lugar à palavra falada.
A palavra lida vai dar lugar à palavra escutada.

Lembrei-me de tudo isso... e esbocei um sorriso.
Porque são as pequenas coisas que me fazem feliz.

"The little things, they make me so happy. All I wanna do is live by the sea Well, it's good... Yes, it's good... It's good to be free"


P.S.: "(It's Good) To Be Free" foi originalmente lançado pelos Oasis em 1994, como um Lado B do single "Whatever". Criminoso, como é que Noel relegou um tema da tarimba de "To Be Free" para a obscuridão de um lado B... Crime esse que repetiria mais vezes ao longo da sua carreira, tanto nos Oasis, como a solo, ao deixar temas de fora dos álbuns temas como "Fade Away", "Masterplan", "Idler's Dream", "Listen Up", "Alone On The Rope" e muitos outros.
À semelhança de "Fade Away", a versão original de "(It's Good) To Be Free" era cantada por Liam Gallagher, num registo bem mais eléctrico. Ambas foram incluídas em 1998 na colectânea de Lados B "The Masterplan".