sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Freddie Mercury — "Love Me Like There's No Tomorrow" (2019 Remix)

"Anything can happen but we only have one more day together"


Mesmo a tempo dos festejos do seu aniversário, foi anunciada a nova colectânea de Freddie Mercury — "Never Boring" —, a qual vai ser lançada em duas versões: uma compilação que reúne os temas mais conhecidos da carreira a solo (incluindo a recente remistura de "Time") e uma caixa que junta esta compilação, às versões revisitadas dos dois álbuns que perfazem a sua discografia a solo ("Mr. Bad Guy" de 1985 e "Barcelona" de 1988), mais um DVD e um Blu-Ray com vídeos. O nome do projecto é retirado do famoso pedido que Freddie Mercury fez a Jim Beach, manager dos Queen, quando o nomeou o seu executor testamentário e representante legal na banda: "Do whatever you want with my music, just never make me boring". Foi um pedido que nem sempre foi satisfeito, mas certamente que tal não foi por falta de vontade do Jim Beach.

Os Queen, os verdadeiros, foram votados ao esquecimento pelo Dr. Brian May e pelo Sr. Roger Taylor, uma vez que estão demasiado ocupados a viver o sonho Americano com o Adam Lambert, nas asas do sucesso do filme "Bohemian Rhapsody". Já vamos assim para o segundo ano consecutivo sem um lançamento de arquivo dos Queen. O cenário é ainda mais desanimador, se pensarmos que o último produto verdadeiramente interessante já remonta a 2014 — as caixas do "Live At The Rainbow" — e que este ano tinha sido cogitado o lançamento da caixa de "Live Killers", que iria reunir vários concertos em audio / video da segunda metade dos anos 70.

Se no ano passado havia a desculpa do filme, que estava a canalizar todas as atenções da máquina dos Queen — a Queen Productions Limited (QPL) —, este ano a única explicação é mesmo o completo desinteresse de Brian e Roger pela sua própria banda. O Conselho de Estado da QPL é neste momento formado por Brian May, Roger Taylor, John Deacon e Jim Beach, que representa Freddie Mercury. O voto do John é favorável por defeito; ele tem poder de veto, mas raramente se opõe às decisões dos colegas (até porque continua a receber). O voto do Roger é, por defeito, o que quer que o Brian quiser. E o voto do Jim é, por respeito, também favorável à decisão do Brian.

Como já perceberam, esta estrutura significa que, na prática, quem manda nos Queen é o Dr. Brian May. Por isso, sempre que ele tem uma ideia para um novo lançamento dos Queen, essa ideia é executada se e só se for à sua maneira. Às vezes isto resulta bem ("Made In Heaven", "Live At The Rainbow"), outras vezes nem por isso ("News Of The World 40th", "Queen Forever"). Se ele não tem ideia nenhuma, nada se pode fazer com o nome dos Queen na habitual janela de lançamentos do Natal. O problema é que a editora paga à Queen Productions Limited a peso de ouro para lançar os seus produtos e se não há produtos, há um problema. E é aqui que Jim Beach levanta a mão para falar no Conselho de Estado dos Queen — "Então e se voltássemos a lançar os álbuns a solo do Freddie?". E é assim que nasce "Never Boring". O Jim Beach faz o que pode para carregar, agora sozinho, a tocha do Freddie.



O catálogo a solo de Freddie Mercury já foi revisitado e largamente explorado desde a sua morte. A caixa de 12 discos "The Solo Collection", lançada em 2000, é um documento exaustivo da sua carreira que, na prática, contou apenas com 2 álbuns. Nesta caixa, os álbuns aparecem nas suas versões originais.
Desde então, "Barcelona" foi revisitado em 2012 e totalmente regravado com uma orquestra real, uma vez que o álbum original tinha usado sintetizadores para recriar as orquestrações.
Se viram o filme "Bohemian Rhapsody", reconhecerão "Mr. Bad Guy" como o álbum a solo de Freddie que separou os Queen e correu muito mal. Se a parte dramática da separação da banda foi largamente inventada no filme, o álbum correu mesmo muito mal. É de longe a pior coisa que o Freddie fez em toda a sua carreira. Desde a sua morte, a maior parte das faixas deste álbum já foram revisitadas: para a compilação "The Freddie Mercury Album" (1992) foram remisturados "Foolin' Around" e "Your Kind Of Lover" por Steve Brown, "Let's Turn It On" e "My Love Is Dangerous" por Jeff Lord-Alge, "Mr. Bad Guy" por Brian Malouf e "Living on My Own" por Julian Raymond; "Made in Heaven" e "I Was Born to Love You" foram regravados pelos Queen para o álbum "Made In Heaven" em 1995; "There Must Be More to Life Than This", que originalmente havia sido gravado em dueto com Michael Jackson, foi (mal) reconstruído para a compilação "Queen Forever" em 2014. Tirando este último, surpreendentemente mal executado pelos Queen, todas as remisturas e regravações são superiores aos originais.

O álbum "Mr. Bad Guy" é de facto a ovelha negra do portfolio de Freddie Mercury. Nisto, é preciso dar razão ao Dr. Brian May, quando este pintou o disco como um enorme falhanço comercial e artístico no filme do ano passado. Não há nenhum problema com a composição de Freddie e muito menos com a sua voz, mas há sim um enorme problema com os arranjos, instrumentação e produção. O Freddie precisava mesmo de uma voz que lhe dissesse que "não". Ok Brian, tinhas razão.

É por isso com agrado que vejo que finalmente "Mr. Bad Guy" será totalmente revisitado em 2019 para inclusão na caixa de "Never Boring" (e será lançado em separado também como "Special Edition"). Juntando a versão de 2019 de "Mr. Bad Guy" e a versão de 2012 de "Barcelona", a caixa "Never Boring" torna-se assim complementar à já referida "The Solo Collection" de 2000, o que vai obrigar os fãs (onde me incluo, obviamente) a levá-la para a sua colecção.

Ouvindo a nova versão "Love Me Like There's No Tomorrow", um dos temas que ainda não tinha sido revisitado antes (o outro é "Man Made Paradise"), parece que se levanta um véu na paisagem sonora e agora a voz de Freddie é muito mais clara. O piano foi puxado para a frente da mistura e pela primeira vez, não parece que Freddie está a cantar noutra sala.

É curioso que ninguém se tivesse lembrado de pegar ainda em "Love Me Like There's No Tomorrow", um dos seus temas mais sinceros, profundos e ultra-pessoais. Freddie disse um dia que gostava de escrever canções sobre o que sentia e o que sentia com muita muita força eram as emoções e o amor. Este é dos casos mais flagrantes disso mesmo. Freddie canta sobre o drama da última noite, da noite de despedida, antes da inevitável separação. É uma separação cuja força ele sente ser maior que ele, mas que não inviabiliza o o despejo do depósito das emoções e dos amor, enquanto há tempo. Como se não houvesse amanhã.

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