"License, registration, I ain't got none.
But I got a clear conscience 'bout the things that I done"
À custa deste texto, hoje voltei a ouvir o álbum "Nebraska". É o texto que eu sempre quis escrever sobre o álbum alienado de Bruce Springsteen e nunca fui capaz. De leitura obrigatória.
"Hey, somebody out there, listen to my last prayer: deliver me from nowhere."
"Alguém aí que ouça a minha última prece: livrem-me do nada."
Desde o primeiro sopro na harmónica de Bruce Springsteen no tema-título "Nebraska", passando pelos gritos de "State Trooper", até ao último suspiro na mesma harmónica em "Reason To Believe", que Bruce nos leva numa viagem por um túnel escuro, onde não encontramos quaisquer laivos de luminosidade; apenas morcegos, ratazanas e gotas de água gelada que condensou no tecto e que nos caem na nuca, ao passar.
Nada. É este o lugar para onde Bruce Springsteen nos leva em "Nebraska". O lugar do vazio, onde não há redenção, nem esperança; não há vida, nem morte; não há inocentes, nem culpados. Nada disso importa aqui, de qualquer forma. Aqui, só importam as histórias.
"Nebraska" é um álbum insípido, de muito difícil digestão. À falta de grandes adornos sonoros, a audição da música obriga-nos a tomar atenção às escassas melodias e às duras histórias que Bruce vai contando.
Tal como no túnel escuro, das ratazanas e morcegos, as histórias em "Nebraska" são de seres escondidos da luz do dia, exilados do mundo de fora, proscritos pela sociedade. São histórias de criminosos e fugitivos, pessoas a quem a vida virou as costas e que já não têm esperança na sua redenção. Para eles, já nada disso importa: “I guess there’s just a meanness in this world.”, suspira a personagem de Bruce em "Nebraska" (assunto para outro tópico).
Gravado numa cassete durante uma tarde fria de Janeiro, o álbum mostra-nos Bruce sozinho no seu quarto em New Jersey, com a sua guitarra, a sua harmónica e a sua depressão.
1982 foi um ano problemático para Bruce, altura em que foi obliterado por pensamentos suicidas.
Bruce conduzia o seu carro furiosamente de New Jersey até à Califórnia e da Califórnia, de volta a New Jersey, somando quilómetros de estrada na fuga dos seus próprios fantasmas.
(Faço exactamente o mesmo. É nestas pequenas coisas que eu, como homem, me sinto próximo de Bruce.)
"Mr. State Trooper, please don't stop me."
Em "State Trooper", ouvimos Bruce num raro grito histérico e despido, que soma ao desespero da história de um homem que, tal como ele, tal como eu, também conduzia para afastar os seus fantasmas. Sem carta de condução e sem documentos do carro, rogando apenas que a Brigada de Trânsito não o mande parar. Tudo o que ele quer é a solidão do volante, uma companhia que não ponha em causa a sua existência e a sua consciência tranquila.
Em busca da sua própria consciência tranquila, Bruce foi obrigado a fazer terapia para combater a depressão. O seu passado continuava a atormentá-lo: Bruce passava repetidamente em frente à casa dos seus pais, em New Jersey, 3 a 4 vezes por semana.
Acerca deste comportamento obsessivo, o seu terapeuta ter-lhe-á dito:
"What you’re doing is that something bad happened, and you’re going back, thinking that you can make it right again.
Something went wrong, and you keep going back to see if you can fix it or somehow make it right."
Ao que Bruce exclamou, em concordância:
"Yes! That is what I’m doing!"
E ao que o terapeuta terá respondido:
"Well, you can’t."
(...)
Que grande post, porra...
ResponderEliminarEssa música é tenebrosa. Também gostei desta interpretação da música:
“Nebraska” is a monster, no doubt. But the one that has always resonated most with me is “State Trooper”. It’s just a bare-bones guitar line and Springsteen’s hollow vocals that sound both distant and like he’s whispering right into your ear. It’s a not-so-subtle nod to Suicide, who Springsteen was a big fan of during this period. He even famously said, “If Elvis came back from the dead, I think he would sound like [Suicide frontman] Alan Vega.”
Suicide’s 10-minute electronic murder ballad “Frankie Teardrop” deeply affected Springsteen, and it didn’t take him long to release a track brimming with just as much desperation and pent-up rage. The man he introduces us to is a loose cannon in every sense of the term. Driving on the Jersey turnpike in the dead of night, he tells us, “License, registration, I ain’t got none/ but I got a clear conscience about the things that I’ve done.” It’s an utterly terrifying experience for the listener, as their imagination starts running wild. How many people has he already killed? Where is he going? How long before he kills again? Even after hundreds of listens, it never fails to make my palms sweat and plant a knot deep in my stomach. It’s an amazing feat of craftsmanship that he’s able to elicit that kind of response with the limited toolbox he was working with.
http://consequenceofsound.net/2013/07/dusting-em-off-bruce-springsteen-nebraska/
Tanto pode ser alguém que simplesmente quer que o deixem em paz para andar à deriva pela noite (como tu dizes) ou um psicopata qualquer que fez algo terrível. De qualquer forma, a música é brutal.
Neste livro que estou a ler, também fala sobre essa fixação que ele tinha pela casa dos pais. Aliás, diz que passava não só por essa mas também pela dos avós e uma outra onde viveu...
Eu não conhecia essa conversa com o terapeuta mas tendo eu conta o tipo de infância que ele teve, faz todo o sentido.
Isso das viagens de uma costa à outra dos EUA, também já tinha lido. Nisso ele assemelha-se muito ao pai que também tinha a tendência de fazer esse tipo de coisa... Mas ele tenta (pelo menos hoje em dia) pôr água na fervura e diz que não era bem assim, que as viagens eram porque tinha uma casa em LA e tinha lá coisas a fazer... Mas noto alguma ambivalência nele quando fala do assunto. É interessante o que um amigo dele diz: the guy in "Nebraska" isn't
Charles Starkweather, it's him.
Ah, outra coisa que nunca tinha pensado:
Pre-Nebraska, Bruce offered glimpses into the depths of his darkest psyche, but there was almost always a ladder to help us climb out. Hell, “Hungry Heart” might just be the darkest song the guy has ever written, but lyrics about a man who gets fed up and leaves his family nearly lose their impact when paired with such bubbly instrumentation. Imagine that track recorded with just an acoustic guitar and Bruce’s shitty Portastudio, and you’ve got something that’d fit perfectly on Nebraska. (do mesmo link que pus em cima).
Ok, vou-me calar agora :P