quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Bruce Springsteen - "To Be True"

"Don't make us some little girl's dream that can't ever come true, that only serves to hurt and make you cry like you do"



Na ressaca da dolorosa experiência da concepção e promoção do álbum "Darkness On Edge Of Town", Bruce Springsteen regressou ao estúdio em Março de 1979 para gravar o seu 5º álbum.

Desta vez, o processo de gravação parecia correr de forma menos conturbada e a CBS (editora de Bruce) já fazia planos para o lançamento natalício do novo álbum de originais de Bruce Sprinsgteen.
Até ao final de Agosto, Bruce Springsteen já tinha escrito e/ou gravado os seguintes temas:

"Roulette"
"White Lies"
"Hungry Heart"
"The Ties That Bind"

"Find It Where You Can"
"Break My Heart"
"Out On The Run (Looking For Love)"
"In The City"
"The Man Who Got Away"
"Chain Lightning"
"Night Fire"
"Under The Gun"
"Mary Lou"
"I Wanna Be With You"
"Bring On The Night"
"Ramrod"
"The Price You Pay"

"Ricky Wants A Man Of Her Own"
"Loose Ends"
"Cindy"
"I Want To Marry You"
"To Be True"
"Stolen Car"
"The River"
"You Can Look (But You Better Not Touch)"

"Dollhouse"
"Point Blank"

Nem mais nem menos 27 temas.
27 temas em diversas versões diferentes, que formam um lote considerável de material de qualidade, em quantidade mais que suficiente para compôr um álbum.
O título para o álbum foi escolhido e foram seleccionadas e masterizadas 10 faixas, que formariam "The Ties That Bind", o álbum perdido de Bruce Springsteen:

LADO A
"1. The Ties That Bind" (3:37)
2. "Cindy" (2:28)
3. "Hungry Heart" (3:28)
4. "Stolen Car" (4:33)
5. "To Be True" (3:54)
LADO B
6. "The River" (4:54)
7. "You Can Look (But You Better Not Touch)" (2:12)
8. "The Price You Pay" (5:51)
9. "I Wanna Marry You" (3:31)
10. "Loose Ends" (4:08)

"The Ties That Bind" seria um álbum conceptual, o primeiro álbum de Bruce Springsteen a abordar a temática das relações entre o homem e a mulher: a responsabilidade do compromisso e a dificuldade da manutenção dessa ligação.
São usadas várias metáforas como o rio, o e até uma viagem de carro, para ilustrar estes sentimentos. Era um álbum com uma orientação um pouco mais leve do que "Darkness On the Edge Of Town", mas que ainda assim carregava um importante significado.

"Baby you be true to me and I´ll be true to you!"
"So how about it?"

No entanto, após a actuação em dois concertos de beneficiência, em Setembro de 1979 Bruce mudou de ideias e decidiu que queria seguir uma direcção diferente. Bruce queria incluir uma série de outros estilos musicais que ele também gostava, mas que até então tinham sempre sido estrangulados pela rigidez da matriz dos seus álbuns conceptuais. Isso já tinha ocorrido na criação do álbum "Darkness On Edge Of Town" e Bruce não queria repetir o formato para o seu 5º álbum. O significado perdera a sua importância.

Assim, o álbum "The Ties That Bind" foi cancelado por completo e Bruce Springsteen e a E Street Band regressaram ao estúdio em Outubro de 1979 para uma longa 2ª fase de sessões de gravação. Essas sessões durariam até ao Verão de 1980 e dariam lugar ao multifacetado álbum "The River", que apresentava uma diversiade de estilos à imagem do que Bruce tinha em mente. Dos 27 temas da 1ª fase de gravações, apenas 8 chegaram a "The River" (assinalados a negrito na lista em cima), alguns deles com versões drasticamente diferentes.

Volvidos 15 anos, em 1994 chegou aos fãs um cópia da master tape de "The Ties That Bind", directamente dos estúdios Power Station, local onde tiveram lugar as sessões de gravação em 1979. Os fãs puderam finalmente ouvir o álbum perdido de Bruce Springsteen.


Com isto, levantou-se a questão: será que Bruce Springsteen fez bem em cancelar o projecto "The Ties That Bind"? Será porventura "The Ties That Bind" melhor que "The River"?

Em primeiro lugar, devo sublinhar que "The Ties That Bind" é, sem sombra de dúvida, sonicamente superior a "The River". Tendo em conta que todas as prensagens já lançadas de "The River" são um verdadeiro desastre sonoro e que "The Ties That Bind" chegou às mãos dos fãs directamente da master tape original, isso não era difícil.

Quanto à comparação entre os dois projectos... São coisas diferentes.
Não diria que "The Ties That Bind" é superior a "The River", porque o primeiro é uma parte do segundo e o primeiro tem 10 faixas, contra 20 do segundo. Seria injusto comparar assim os álbuns.

No entanto, diria que Bruce Springsteen cometeu um erro em ter cancelado o lançamento de "The Ties That Bind". Este álbum, tal como foi formulado, resulta muitíssimo bem. É um álbum que, ao contrário de "The River", segue uma linha de raciocínio e que tem temas excelentes, alguns deles abortados para "The River". Isso foi uma pena.

Na minha opinião, é verdade que há algum material supérfluo em "The Ties That Bind", nomeadamente "You Can Look (But You Better Not Touch)" e "I Wanna Marry You". Contudo, ambos os temas acabaram por figurar em "The River", tal como uma série de outros temas que nada acrescentam àquele álbum.

Em suma, para mim Bruce deveria ter lançado em 1979 o mais sólido e mais coerente "The Ties That Bind" e logo depois, como era sua vontade, lançar um party album, com temas mais leves e desconexos.
O resultado em "The River" acabou por ser um cruzamento destes dois conceitos, com um conjunto de material muito bom misturado com material bastante fraco, sem se vislumbrar qualquer fio condutor.

Do conjunto de 10 temas que figuravam em "The Ties That Bind", 3 deles não foram incluídos em "The River": "Cindy", "To Be True" e "Loose Ends". Todos são grandes temas, inexplicavelmente postos de parte.

O tema que aqui fica é "To Be True", uma versão arcaica de "Be True", que seria lançado em 1980 como o Lado B do single "Fade Away", retirado de "The River". Segundo Bruce Springsteen, "Be True" ficou de fora do álbum em favor do tema "Crush On You", uma decisão que, ao fim de alguns anos, o próprio tem dificuldade em perceber.

"To Be True" é mais que um tema criminosamente deixado de lado em "The River" (seguindo a tradição de outros temas como "The Promise" em "Darkness On The Edge Of Town"), é uma das minhas gravações preferidas de Bruce Springsteen, onde destaco o fabuloso solo de saxofone de Clarence Clemons no fim do tema.

Em 2010, pelo segundo ano consecutivo, Bruce Springsteen foi o artista que mais ouvi. A descoberta da sua obra significa a entrada num túnel cheio de tesouros, que parece não ter fim à vista. A quantidade de temas que ele gravou vai muito para além da (já respeitável) quantidade que está editada.
E eu continuo fascinado na descoberta destes tesouros.

4 comentários:

  1. A descoberta da sua obra significa a entrada num túnel cheio de tesouros, que parece não ter fim à vista.

    estou a dar-me conta disso e fico com uma vontade enorme de descobrir o máximo possível. ainda bem que dei com este teu blog Nuno.

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  2. Fogo... Obrigado pelas palavras, Rita. Obrigado mesmo!
    Como vês, isto é um espaço pequeno, pessoal e sem divulgação na blogoesfera. Aparecer alguém que me "acuse" de influenciar a vontade em ouvir, ou descobrir um determinado artista, é dos maiores elogios que se podem fazer ao que escrevo.
    Assim até me deixas inchado! :)

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  3. Eu vim aqui parar porque li a tua crítica ao concerto no site do Blitz e reparei no link. Como gostei imenso do que escreveste, preferi comentar aqui que lá. Às tantas dei por mim a ler página após página, percebi que escrevias muito bem, mesmo se o assunto fossem outras bandas :)

    Mereces algumas palavras de incentivo para saberes que não escreves só para ti ou mais duas ou três pessoas (os blogs têm muito essa característica, parece que as pessoas lêem mas preferem nem sempre comentar, preferem pôr uns Likes no FB ou não sei...).

    Sempre que me tocar o que escreves, vou sempre comentar Nuno(acho que já deu para perceber com a quantidade de comentários que já te deixei lol) e não precisas agradecer :) o que escreves é tão superior ao que vou lendo por aí, acredita... (seja no Blitz que cada vez mais é um deserto de ideias seja noutros espaços que vou lendo mas acabo por nem comentar).

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  4. Bem, vais-me deixando sem saber o que dizer... :P Digo-te apenas que as tuas palavras significam muito para mim e que vou, a espaços (infelizmente o meu trabalho não me dá tempo para muito mais), continuar a escrever sempre que tiver oportunidade.

    Por isso, vai aparecendo e vai comentando! :)

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