sábado, 29 de dezembro de 2012

New Order - "True Faith"

"I feel so extraordinary, something's got a hold on me"



"Who is the laziest member of the band?
Ian Curtis. I've never seen him do anything for years!"
Peter Hook - baixista dos New Order e dos Joy Division - por volta de 1993


Não deve ter sido fácil. Perder um amigo, um amigo que era também o vocalista da banda, que era o principal autor das letras e figura de proa do grupo... Perdê-lo quando, finalmente, a banda começara a ganhar alguma notoriedade...
Não deve, não pode ter sido fácil.

Contudo, os restantes Joy Division queriam continuar a fazer música. Nem fazia sentido ser de outra forma.
A perda de Ian Curtis significava que a identidade carregadamente urbano-depressiva da banda ia também cair. As temáticas do isolamento, da alienação, ou da depressão, trazidas pela mente perturbada de Ian, dissipar-se-iam com a sua saída. Mas a música, essa, estava lá intacta.

Porém, sem Ian Curtis, os Joy Division não faziam mais sentido. Assim, Bernard Sumner, Peter Hook e Stephen Morris decidiram adoptar um novo nome e recrutar um novo elemento para as teclas - Gillian Gilbert; nasciam então os New Order.

Os primeiros singles e o primeiro álbum dos New Order, lançados entre 1981 e 1982, cheiravam ainda a Joy Division. Por vezes, isso era bom, como em "Ceremony", "Everything's Gone Green", ou "Dreams Never End", por outras nem por isso. Em todo o caso, era impossível esconder que a banda dos subúrbios de Manchester estava a passar uma fase de transição.

"I can't tell you where we're going, I guess there's just no way of knowing"

Porém, quando em 1983 rebentou "Blue Monday" e se tornou no single de 12'' mais vendido de sempre (ainda hoje detém esse título), era evidente que os New Order já tinham passado para a outra margem. Já não eram uma referência do Post-punk, eram agora um porta-estandarte do Synthpop e do New Wave. Passaram do registo urbano-depressivo para um registo "dançável".

Confesso: não sou, em geral, um apreciador de música de dança; nem sequer, num conceito mais abrangente, de música "dançável". Nunca fui.
Nunca fui... até chegar aos New Order. Talvez pelo facto de misturarem as guitarras e as influências Punk, com as influências electrónicas germânicas (Kraftwerk, etc.), como David Bowie tinha feito 6 anos antes, os New Order arrebataram-me de imediato. Primeiro, com o inevitável "Blue Monday" e depois, com este superlativo "True Faith".

"True Faith" é o meu tema preferido dos New Order, mas é mais que isso: é o meu tema preferido de toda a "música dançável"; e mais ainda: é o meu tema de 2011.

Já devo um post aos New Order há muito tempo. Pelo menos desde há um ano quando, por esta altura, deveria ter feito o balanço de 2011. Porque a escolher o Tema do ano de 2011, seria "True Faith", na sua versão de 12''. O tema que simboliza uma das melhores coisas que me aconteceu nos últimos anos.

O papel dos New Order em 2102 foi diferente, não tão centrado num tema, como em 2011, mas mais abrangente.
Se ontem falei da banda Revelação do ano - os The Smiths - hoje é tempo para a Banda do ano - a banda que mais marcou o meu quotidiano, em 2012. Como já terão percebido por esta altura, trata-se dos New Order. Curiosamente, foi uma banda que explodiu no Reino Unido, mais ou menos na mesma altura que os The Smiths.

Já a minha explosão de New Order deu-se no último trimestre de 2012, quando descobri esta pequena maravilha:


"Substance" (ou "Substance 1987", para os puristas) deixou-me cabalmente agarrado aos New Order. A partir do dia em que ouvi a versão de 12'' "The Perfect Kiss" (WTF is that?!), o resto veio de arrasto, qual enxurrada: "State of the Nation", "Everything's Gone Green",  "Ceremony", "Touched By The Hand Of God" e mais.... muito mais.

Fiquei de tal forma agarrado aos New Order, que 2012 viu a minha única interpretação de um tema em público, num karaoke de um bar. Nem mais nem menos que... "True Faith".

Depois, respeitando a minha pancada coleccionista (a partir do momento que gosto de alguma banda, tenho que ter tudo dessa banda), prima directa da minha pancada de romântico (se gosto de algo ou alguém, gosto mesmo muito), fui "obrigado" a comprar este lote:



Exacto. Falo de edições de coleccionador, expandidas, dos 4 primeiros álbuns dos New Order. Isto resultou, como já referi, num verdadeira enxurrada de New Order na fase final de 2012, o suficiente para ganharem o meu prémio de Banda do ano. E tenho para mim que isto ainda não acabou...

Nota: a versão 12'' de "The Perfect Kiss" - o meu ex libris dos New Order em 2012 - só não leva as honras deste tópico porque... Bem, porque já devia um post ao "True Faith"!

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

The Smiths - "What Difference Does It Make?"

"So, what difference does it ma-a-ake?
It makes none."



"What came first? Music or the misery?
People worry about kids playing with guns or watching violent videos; that some sort of culture of violence will take them over...
Nobody worries about kids listening to thousands - literally thousands - of songs about heartbreak... rejection... pain... misery... and loss.
Did I listen to pop music because I was miserable? Or was I miserable because I listened to pop music?"
 John Cusack, como Rob Gordon, no filme "High Fidelity"




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Há uns dias atrás, um amigo confessava-me a sua convicção que "Se não fosse a música, os psicólogos e os psiquiatras teriam muito mais trabalho." Eu próprio já aqui defendi essa visão terapêutica da música várias vezes e ainda ontem, no post alusivo à importância da música de Bruce Springsteen, no desenrolar da minha vida em 2012, fiz questão de o fazer novamente.
No filme "High Fidelity" (que eu recomendo vivamente, que mais não seja porque parece contar um pouco da minha História no grande ecrã), a personagem interpretada por John Cusack - como eu, um daqueles amantes de música - levanta uma questão pertinente: ouvimos música porque nos sentimos miseráveis? Ou sentimo-nos miseráveis porque ouvimos música?
Será que a música nos tira da miséria? Ou será que prolonga o nosso sofrimento?

Excelente questão. Eu, confesso, não sei a resposta. Dependerá de pessoa para pessoa e a verdade andará algures no meio dos dois conceitos. Mas façamos uma reflexão sobre o assunto.
O que eu sei é que não vou deixar de ouvir música, por pensar que esta me pode por num lugar pior do que aquele em que estou. A História, a minha História, já me deu provas mais que suficientes em sentido contrário.

O Mundo é um lugar não raras vezes difícil. A música tem o condão de nos transportar para um lugar seguro, onde quer que estejamos, seja em que situação for. Ao ouvirmos os acordes daquele tema que gostamos, ou o som da voz terapêutica daquele artista, somos automaticamente levados para um abrigo, sãos, salvos e em segurança de todos os danos que nos possam infligir.

"I'm feeling very sick and ill today, but I'm still fond of you, oh-ho-oh"

Mas porquê, afinal, todo este discurso sobre a bondade da música e o que é que isso tem a ver com os The Smiths?
Bem, digamos que o papel dos The Smiths em 2012 foi, no mínimo, sui generis. Pode ser que no final do post, esta relação já seja perceptível.

Começo por declarar que os The Smiths levam o epíteto de Revelação do ano em 2012 e é por isso mesmo que lhes dedico este post. Claro que antes deste ano já tinha ouvido algumas coisas aqui e ali, mas ainda não estava familiarizado com o legado e a lenda da banda de Manchester.
2012 mudou tudo isso e com grande impacto. Literalmente.

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Há uns meses atrás, um certo acontecimento dramático desencadeou uma série de transformações na minha vida.
O acontecimento? Um violento choque de automóvel. A relação com os The Smiths? No exacto momento do choque, ouvia "There Is A Light That Never Goes Out", no caso pela voz de Noel Gallagher.
Esta mórbida coincidência levou-me a explorar mais a fundo a música dos The Smiths e a retirar, da sua música, uma experiência terapêutica. Terapia sobre o acidente, terapia sobre as coisas que estavam mal na minha vida e uma decisão sobre o que tinha que mudar. A subsequente revolução.
Outras bandas tiveram um papel importante nesta revolução (falarei numa delas amanhã), mas nenhuma teve uma relação tão situacional, diria até metafísica, como os The Smiths. Foram eles que me apontaram o caminho.

Tony Fletcher - autor da biografia da banda "A Light That Never Goes Out: The Enduring Saga of The Smiths" - acredita que "nenhuma outra banda conseguiu retratar a alma atormentada de um jovem como os The Smiths". Eu não arrisco nenhum epíteto deste tipo (até porque sou relativamente novo ao fenómeno), mas a verdade é que deles veio a música que melhor caracterizava a minha própria atormentada alma, num tempo de revolução.

Um dos temas chave desse meu conflito interno, que marcou os últimos meses deste ano, foi "What Difference Does It Make?".
Este tema foi o 3º single dos The Smiths, lançado em Janeiro de 1984, como aperitivo do 1º álbum da banda - o homónimo "The Smiths" - que veria a luz do dia um mês mais tarde. Acabaria por ser o único single retirado do álbum, com relativo sucesso (atingiu o nº 12 das tabelas britânicas), sendo hoje um dos temas mais reconhecidos da banda.

As duas capas do single "What Difference Does It Make?"; à esquerda a capa original, retirada do mercado e substituída pela da direita, com Morrissey; por sua vez retirada e substituída pela primeira novamente;


Em baixo fica a versão que foi lançada em single e incluída no álbum "The Smiths":




Alegadamente, "What Difference Does It Make?" é um dos temas dos The Smiths que Morrissey menos gosta. Pela minha parte, é um dos meus preferidos.

A versão que me conquistou está mais em cima no post e foi gravada ao vivo na BBC - no programa de John Peel (as Peel Sessions) - e incluída na na compilação "Hatful Of Hollow", lançada em Novembro de 1984.
Conquistou-me tanto pelo riff de Johnny Marr, como pela interpretação vocal fa-bu-lo-sa de Morrissey;  pelo desdém com que ele diz "It makes none", depois de perguntar em agonia "What difference does it ma-a-ake?"; pelo falsetto no fim.
Mas conquistou-me principalmente porque capturou um momento. Um momento numa noite feliz, numa noite de libertação, em que um DJ decidiu colocar este tema, nesta versão, a tocar numa das minhas pistas de dança preferidas de Lisboa. Num momento, cristalizou-se a bondade da música dos The Smiths; provou-se, pela enésima vez, a bondade da música na minha vida.
Que diferença é que isso faz? Faz toda.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Bruce Springsteen - "Rocky Ground"

"We've been traveling over rocky ground, rocky ground
There's a new day coming"



A próxima Escolha musical de 2012 é um habitué aqui no blog. Figura marcante da minha vida nos últimos 5 anos e vencedor em várias "categorias" neste ano, falo-vos de Bruce Springsteen que, com este post, soma já 15 entradas no blog.
Mesmo não sendo ouvido com tanta consistência como noutros anos, segundo a minha revisão, em 2012 Bruce foi o Artista no activo do ano; em grande parte devido a ter dado o Concerto do Ano (no Rock In Rio Lisboa) e a ter lançado o Tema original do ano ("Land Of Hopes And Dreams"), no seu álbum "Wrecking Ball".

"Wrecking Ball" pode ter perdido para "Shields" na categoria de Álbum original do ano, mas nem por isso Bruce Springsteen deixou de ter um papel importante no meu quotidiano, em 2012.
Uma vez que já tinha escrito um post sobre "Land Of Hopes And Dreams" (na véspera do concerto no Rock In Rio), hoje deixo aqui aquele que foi "o outro" grande tema do álbum.



"Rocky Ground" é um dos temas mais arriscados da carreira de Bruce Springsteen. Esta ofereceu-nos um filão quase inesgotável de boa música, mas sem grande diversidade. Bruce é muito forte no seu registo, mas arrisca pouco para além das suas incursões mais carregadamente folk.
Com "Rocky Ground", Bruce vai ao hip-hop (que heresia!) buscar uns loops e até põe um rap pelo meio; vai ao gospel buscar as vozes para uma paisagem harmoniosa edificante. No papel, nada disto parece ter a ver com Bruce Springsteen, mas a verdade é que em "Rocky Ground", esta mistura resulta.

Resulta ainda melhor no álbum "Wrecking Ball", com a passagem do fade-out gospel de "Rocky Ground" - tema de lamento em tempos difíceis, para o início a capella de "Land Of Hopes And Dreams" - hino de esperança. Os dois grandes temas de "Wrecking Ball" e dois temas que ilustram, e de que maneira, o meu 2012.

Se pensarmos no assunto, é incrível como a música pode ter um impacto tão grande nas nossas vidas:  conduz o nosso estado de espírito; ajuda-nos a levantar quando estamos no chão.
Mas mais que a ajuda pessoal, a música serve ainda como elo de ligação interpessoal: fortifica as amizades magoadas; dá-nos a conhecer amigos que ainda não o eram.
O concerto de Bruce Springsteen e da E Street Band no Rock In Rio foi um dos pontos mais altos do ano e foi tudo aquilo que referi. Para o bem e para o mal.

Neste post, já descrevi com bastante rigor aquilo que, para mim, foi ver Bruce Springsteen ao vivo no meu país. Mas não resisto a deixar só mais uma nota acerca da "experiência" que é um concerto da E Street Band e da autenticidade de Bruce.
James Hetfield - vocalista dos Metallica (banda de Thrash Metal, ou seja, longe do estilo de Bruce) - fala sobre a importância de ser verdadeiro na sua música:



"We went to see Bruce Springsteen the other night. I'm not the biggest fan of his music, but I watched him live and..." 
(James arregala os olhos) 
"My God, he means it!
He really means it! It's in his heart, it's in his face, it's in his eyes! 
You see him and you go.. WOW! He could go forever!"

A verdade. É isso que procuro na música de Bruce Springsteen. Não a verdade sobre Bruce, mas a verdade sobre mim. Como disse o Presidente dos EUA - Barack Obama (outro grande fã do Boss) - quando laureou Bruce Springsteen nos Kennedy Center Honors, citando o próprio:
"I’ve always believed that people listen to your music not to find out about you, but to find out about themselves."

Ao longo dos anos que a música de Bruce me acompanhou, muito já descobri sobre mim e 2012 não foi excepção. Para o bem e para o mal.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Grizzly Bear - "Speak In Rounds"

"Step back just once, learn how to be alone"



Depois do longo hiato, o blog regressa hoje para o que eu espero que seja uma ponta final de 2012 e um 2013 em força. Os últimos meses foram de grande azáfama e espero, também nesse sentido, ter novidades em breve. Para já, voltemos ao clássico modelo da Escolha musical do dia.

Estamos no fim do ano e é por isso tempo de balanço. No ano passado (2011) não tive oportunidade para fazer essa analepse aqui no blog, mas na última semana de 2010 fiz nestes posts a revisão do que ouvira nesse ano.
Como na altura referi, raramente a música que eu mais ouço num determinado ano concorre com a música que se fez nesse ano. Claro que há excepções e é nesse sentido que eu, desde os meus 14 anos,  em jeito de revisão, sistematizo os mais ouvidos do ano, dividindo as "escolhas musicais do ano" em várias categorias.
Sem mais demoras, passemos então ao Álbum original do ano (ou seja, o álbum que mais gostei de 2012, em 2012): "Shields" dos Grizzly Bear.


Tinha começado a escrever um texto a tecer loas a "Shields", mal o ouvi pela primeira vez no início de Setembro. Na altura, pensei logo que isto era o melhor que os Grizzly Bear já tinham feito. Seria impossível ouvir algo tão bom como isto até ao final de 2012, tinha instantaneamente ouvido o "álbum do ano".
Isto no ano em que um dos meus artistas preferidos - Bruce Springsteen - lançara um álbum novo, um trabalho que até ganhou o prémio de "álbum do ano" atribuído pela Rolling Stone (publicação que classificou "Shields" no 35º lugar).

Mas "Shields" deixara-me estarrecido com aquela sequência de 4 músicas iniciais ("Sleeping Ute" / "Speak In Rounds" / "Adelma" / "Yet Again") e senti uma urgência de revelar ao mundo o meu êxtase. Porém, acabei por me decidir em esperar uns meses, para deixar o álbum amadurecer em mim e, depois sim, emitir um julgamento.

Ao fim de alguns meses, qual é o meu veredicto? Exactamente o mesmo.
Um dos álbuns mais entusiasmantes do ano, "Shields" é um trabalho fabuloso dos Grizzly Bear, mas merece ser mais que isso: merece o epíteto de álbum do ano.

"Shields" mostrou uns Grizzly Bear inventivos como sempre. Para além de todo o virtuosismo técnico e sónico que lhes é reconhecido e que já fora cristalizado em "Veckatimest" (álbum que eu adorei), em  "Shields", a banda de Brooklyn conseguiu superar as minhas expectativas.
Como? Uma palavra chega, para descrever como: coração.

O meu problema com algumas bandas art-house / alternativas de hoje, tão veneradas pelas publicações hipster como a Pitchfork, deve-se precisamente à falta de coração; à falta de sentimentos que me conseguem transmitir.
A ânsia de criar algo de diferente leva a que muitas vezes a música perca o que mais tem de importante: o veículo de um sentimento.
"Play with your fu**ing heart!", já dizia o Bill Hicks.

Este é um conflito que não se aplica ao mais recente trabalho dos Grizzly Bear. Se eles me impressionaram com "Veckatimest" em 2009, em 2012 tocaram-me fundo com "Shields".

O meu momento preferido do álbum surge a meio da já referida sequência inicial, com este "Speak In Rounds".

"Shields" é um álbum com coração. É um álbum que na produção mantém o nível meticuloso, qual peça de relojoaria, mas que a isso acrescenta grandes canções. É o apogeu criativo da banda nova-iorquina.
É o meu álbum "original" de 2012.