quinta-feira, 26 de julho de 2012

Elton John vs Pnau - "Sad"

"Sad... So sad..."



Quando soube que Elton John iria lançar um álbum de remisturas produzidas por um duo de música electrónica, confesso que a minha primeira reacção foi torcer o nariz. Geralmente, não sou apreciador de remisturas. Em primeiro lugar, porque desvirtuam a essência criativa do tema original. Depois, porque esta violação é normalmente feita em virtude de uma componente "dançável", que possa promover a reprodução do tema nas pistas de dança. O que costuma sair destas remisturas electrónicas é um híbrido que não funciona para os seguidores do artista original, nem para os apreciadores da música electrónica. Com algumas excepções, é isto.
Objectivamente, a função das remisturas (falo, obviamente, daquelas que são promovidas pelos próprios artistas originais e habitualmente lançadas nos singles) é comercializar os seus temas noutros mercados, que não o do seu target mais óbvio. Dessa (absurda) necessidade, às vezes saem verdadeiras hecatombes, como o caso da versão de Wycleaf Jean de "Another One Bites The Dust" dos Queen. (Por respeito a mim mesmo, não coloco aqui o link desse assassinato musical. Se quiserem, procurem vocês por vossa conta e risco...)

Voltando a Elton, a História reza que em 2007, enquanto estava preso no trânsito em Sydney, Elton ouviu na rádio "Wild Strawberries" - tema do duo electrónico Pnau, retirado do álbum baptizado com o nome da banda - e o tema chamou a sua atenção. Ao ouvir o restante álbum, Elton proclamou que "aquele era o melhor álbum que ouvira nos últimos 10 anos" e ofereceu aos Pnau um contrato discográfico. A colaboração entre ambos começou no álbum de 2008 dos Pnau "Soft Universe", um álbum com forte input de Elton. Mas Elton tinha guardado para os Pnau um projecto bem mais ambicioso.

O projecto foi desvendado na semana passada e dá pelo nome de "Good Morning To The Night" - um álbum de mashups de temas de Elton John, gravados entre 1970 e 1976. E é um trabalho notável. Mas já lá vamos.
Primeiro, vou ter que sublinhar uma diferença fundamental que faço entre um remix e um mashup: enquanto que o primeiro se limita a "dar uma nova cara" a um determinado tema (eventualmente adicionando alguns elementos novos, mas partindo sempre com base num tema), o segundo combina elementos de diversos temas e resulta num tema completamente novo. Atenção que isto não são são definições semânticas absolutas, são apenas as minhas.

Um álbum de mashups de um grande artista Rock não é uma coisa completamente nova. Já em 2006, os The Beatles (os que ainda estão vivos, mais as famílias dos que já não estão) concordaram com a utilização das fitas multipistas para a criação de "Love" - um álbum de trabalhos totalmente novos, produzidos exclusivamente a partir das gravações originais da banda, com uma única excepção: os arranjos orquestrais em "While My Guitar Gently Weeps". Totalmente novos... ou quase.
Em "Love", os The Beatles jogaram pelo seguro. O álbum foi compilado com um objectivo concreto: servir de banda sonora para o espectáculo "Love" do Cirque de Soleil e quem fez as remisturas foi Sir George Martin - o lendário produtor da banda - e Giles Martin - o seu filho. O resultado foi muito interessante, com novos elementos a sobressaírem de temas que já conhecíamos, com passagens inesperadas feitas por snippets de outros temas, mas com muito poucos riscos assumidos. Curiosamente, "Love" resulta melhor onde os Martin arriscam mais, nomeadamente na passagem de "Being for the Benefit of Mr. Kite!" para o solo final de "I Want You (She's So Heavy)", acompanhado pelos berros de Paul McCartney em "Helter Skelter". Fabuloso. A linha "and tonight Mr. Kite is topping the bill" passou a ser um dos grande momentos da discografia dos The Beatles e não foi ideia de nenhum dos quatro.

O caso de Elton é completamente diferente. O risco aqui é assumido, em jeito de mergulho profundo, como Elton tão bem sabe fazer. Não é ao acaso que a sua carreira é marcada por quase tantos falhanços estrondosos, como por sucessos. Mas isso só acontece porque Elton arrisca e quando o faz, joga tudo. Neste caso, jogou brilhantemente.
Sem meias medidas, Elton deu aos Pnau livre acesso ao seu filão de ouro: o reportório gravado entre 1970 e 1976. Os Pnau evitaram a tentação dos êxitos e ao invés pegaram em temas menos conhecidos do catálogo de Elton, dissolvendo-os em várias matrizes completamente novas. O resultado foram 8 temas surpreendentemente originais, que combinam numa medida idílica a magia das gravações clássicas de Elton, com a face moderna da música electrónica, que assenta que nem uma luva às pistas de dança.
O tema-título "Good Morning To The Night" já é um êxito e o álbum teve uma ascensão meteórica ao 1º (primeiro!) lugar da tabelas de álbuns no Reino Unido. Isto marca "apenas" a primeira vez que Elton lidera esta tabela com um álbum de originais em 23 anos, desde "Sleeping With The Past" de 1989. Depois disso, só mesmo a compilação "The Very Best Of" de 1990 chegou ao topo das tabelas britânicas. Incrível.

Na generalidade, apesar de utilizarem elementos de vários temas (até um máximo de 9 (!!) em "Phoenix"), cada tema de "Good Morning To The Night" toma como inspiração um determinado tema. Por exemplo, "Good Morning To The Night" parte de uma linha de "Mona Lisas And Mad Hatters"; "Sad" serve-se do lamento "so sad..." de "Sorry Seems To Be The Hardest Word" como punchline de um tema Chill-Out; "Phoenix" pega numa linha de "Grey Seal" ("If the Phoenix bird can fly, then so can I"), sem nunca chegar ao refrão; "Telegraph To The Afterlife" parte do "Hello, baby hello" de "Harmony" para um tema psicadélico, a fazer lembrar os Pink Floyd. Mas mesmo nestes casos, os elementos originais estão tão difusos na matriz do tema novo, que tudo ganha nova vida.
É esta a chave de "Good Morning To The Night": os Pnau deram mesmo nova vida a Elton John. E a partir daqui, tudo é possível. Arrisco a dizer que este álbum, ao estar a tornar-se num caso de sucesso, pode abrir muitas portas para o mundo novo dos mashups.

Elton John nas pistas de dança? Ouçam o álbum "Good Morning To The Night" com os vossos próprios (descomplexados) ouvidos e digam de vossa justiça.
O álbum que mais me surpreendeu este ano e até ver, a minha banda sonora do Verão.


Em baixo fica a lista completa dos elementos utilizados pelos Pnau em cada tema de "Good Morning To The Night":

1. "Good Morning To The Night"
Contém elementos dos seguintes temas:
"Philadelphia Freedom"
"Mona Lisas and Mad Hatters"
"Funeral for a Friend"
"Tonight"
"Gulliver / Hay Chewed"
"Sixty Years On" ("Live in Australia")
"Goodbye Yellow Brick Road"
"Someone Saved my Life Tonight"



2. "Sad"
Contém elementos dos seguintes temas:
"Nice and Slow"
"Crazy Water"
"Curtains"
"Sorry Seems To Be the Hardest Word"
"Friends"

3. "Black Icy Stare"
Contém elementos dos seguintes temas:
"Cold Highway"
"You’re So Static"
"Solar Prestige a Gammon"

4. "Foreign Fields"
Contém elementos dos seguintes temas:
"Pinky"
"Someone Saved My Life Tonight"
"High Flying Bird"
"Sweet Painted Lady"
"Cage the Songbird"
"Chameleon"

5. "Telegraph to the Afterlife"
Contém elementos dos seguintes temas:
"Harmony"
"We All Fall in Love Sometimes"
"Funeral for a Friend"
"Sweet Painted Lady"
"I've Seen That Movie Too"
"Love Song"
"Indian Sunset"

6. "Phoenix"
Contém elementos dos seguintes temas:
"Grey Seal"
"Are You Ready for Love"
"Bennie and the Jets"
"Someone Saved My Life Tonight"
"Where to Now St Peter?"
"Love Lies Bleeding"
"Border Song"
"Country Love Song"

7. "Karmatron"
Contém elementos dos seguintes temas:
"Madman Across The Water"
"Funeral for a Friend"
"Stinker"
"The Ballad of Danny Bailey (1909-1934)"
"Tonight"
"One Horse Town"
"Screw You"

8. "Sixty"
Contém elementos dos seguintes temas:
"Sixty Years On"
"Sixty Years On" ("Live in Australia")
"Sixty Years On" ("17-11-70")
"Indian Sunset"