quinta-feira, 20 de outubro de 2016

David Bowie - "Killing A Little Time"



A última das três faixas que faltavam ouvir das Blackstar Sessions está aqui. "Killing A Little Time" é a mais fascinante e mind-bending das três canções (reparem que poderia ter dito "perturbadora", mas este é dos casos que o anglicanismo cai muito melhor, right?) e como sempre acontece quando se fala de Bowie, principalmente na sua fase pós-milénio, é impossível de categorizar. Bowie atingiu um estado de tal aristocracia sónica desde a viragem do primeiro dígito do calendário, que parece controlar as ondas com uma batuta só dele. Para ser simplista, isto não se parece com nada que já ouvimos antes e no entanto, tem elementos de tudo um pouco.

Sabem quando abrimos várias janelas no Youtube e elas começam inadvertidamente a tocar todas ao mesmo tempo, criando um ruído indecifrável? Não raras vezes, "Killing A Little Time" parece-se exactamente com isso. Esqueçam os tempos do rock progressivo, em que se colavam sequencialmente vários temas com andamentos diferentes (Bowie fê-lo com mestria em "Station To Station") e assim se criava uma obra complexa. Não. Bowie inventou agora um novo método: a colagem simultânea. Há uma guitarra a tocar um riff de metal à frente, temos um baterista lá atrás a fazer a cena dele, temos um Bowie a mandar versos fora dos lugares comuns, de vez em quando aparecem uns saxofones perdidos e ainda há um piano nervoso, a tocar ora à frente, ora atrás na mistura, como um balão que se esvazia caótico, enquanto embate nos quatro cantos da sala.
Parecem três músicas diferentes a tocar ao mesmo tempo, às vezes de forma confusa, às vezes num casamento inesperadamente perfeito. Deixa-nos a bater mal, mas no fim, resulta. Como diz a inviolável sabedoria popular, primeiro estranha-se e depois entranha-se.

Faz-me lembrar a primeira vez que ouvi "Blackstar", ainda antes da morte de Bowie e pensei "WTF"? Estava no carro, a ouvir a Radar no regresso a casa e enquanto fazia a descida de Monsanto na A5, telefona-me o meu chefe, provavelmente estacionado poucos metros à frente ou atrás no mesmo engarrafamento: "Nuno, estás a ouvir isto?! O Bowie passou-se de vez!". Eu só pude concordar. Fiquei largos minutos a processar o que tinha acabado de ouvir. É engraçado estar a contar este episódio ao detalhe e ao mesmo tempo me aperceber que "onde estava a primeira vez que ouvi Blackstar" é o novo "onde estava quando os aviões embateram nas torres gémeas" ou, para a geração mais velha, "onde estava no 25 de Abril". Mas divago.

As outras duas faixas chamam-se "No Plan" e "When I Met You" e, se ainda não tiveram oportunidade de ouvir, estão aqui e aqui, respectivamente. "No Plan" é um óbvio out-take de "Blackstar" e poderia figurar no álbum em qualquer parte, tanto em termos de lírica, como de sonoridade. "When I Met You" é bem mais interessante: é perigoso e cortante e por isso soa a algo saído de "Scary Monsters". Não é bem o mood de "Blackstar", mas é uma das melhores faixas das últimas sessões de gravação de Bowie. Uma coisa é certa: David Bowie desafiou os limites até ao fim. Só podemos imaginar até onde os poderia esticar ainda mais.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Phil Collins - "I Cannot Believe It's True"

" I think it must have slipped your mind, but I remember not so long ago I gave it all, it's gone and I gave it all to you"


Agora que está confirmado o regresso de Phil Collins aos espectáculos, esta crónica que escrevi em Janeiro sobre a necessária reapreciação do seu valor faz mais sentido que nunca.
Independentemente do passado, sobra-me dizer mais umas coisas sobre o Phil e a sua nova digressão.

Vi a conferência de imprensa do anúncio da digressão em directo. Deu-me pena. Adoro o Phil, para mim é como um tio não muito afastado que esteve sempre "ali" durante a minha vida. É difícil vê-lo tão fisicamente e animicamente acabado, cheio de ressentimentos (confessou que reatou com a última mulher, mas que esta "não lhe devolveu o dinheiro que lhe tirou") e uma sombra do poço de vida que já foi.

Phil sempre teve muita dificuldade em lidar com a visão que o mundo tinha sobre ele. Primeiro quando o elevaram a superestrela depois de ter feito um álbum intimista e silencioso sobre o seu próprio divórcio. Depois quando o atiraram para objecto de anedotas por ter continuado a fazer o que sempre fez.
Phil nunca conseguiu lidar com esta reviravolta mediática e como primeira defesa, isolou-se. Sem perceber que os Genesis eram a entidade que em última instância o protegia, enxotou-os da sua vida depois de Knebworth em 1992 (sempre Knebworth como cemitério) e quando as coisas pioraram no fim dos anos 90 e início dos 00s, Phil isolou-se ainda mais - quis uma reforma prematura, retirando-se da música agastado, surdo e sociologicamente queimado.

Quando voltou para casa para ser um pai a tempo inteiro, Phil foi recebido com o embate de um camião TIR: a mulher pediu-lhe o divórcio, levou-lhe os filhos, tirou-lhe o dinheiro e Phil ficou sozinho, agora sim, completamente isolado. Seguiram-se anos de depressão, alcoolismo solitário no sofá e conversas com a linha do suicídio. Até Peter Gabriel teve que intervir na situação, para salvar o seu amigo Phil.

Eventualmente Phil começou a trepar lentamente para fora do buraco em 2014, a sua ex-mulher aceitou-o de volta (ficando com o dinheiro, como ele próprio sublinhou) e chegámos ao dia de hoje, em que ele anuncia uma digressão. E eis que pela enésima vez, desde que despachou os Genesis em Knebworth, Phil volta a tomar uma decisão errada.

Phil volta para um punhado de espectáculos a solo no Royal Albert Hall, em Colónia (terra santa para os Genesis, deuses eternos das Alemanhas) e em Paris. Mas mais uma vez ignora que aquilo que realmente o protege e lhe faz bem é o chapéu-de-chuva dos Genesis.

O que Phil deveria ter feito era o seguinte: telefonava aos seus (verdadeiros) amigos Mike Rutherford e Tony Banks, deixava-os tratar de tudo e limitava-se a sentar-se num banco à frente do palco, a cantar as músicas dos Genesis para gáudio de milhares de pessoas que desesperam para o ver (eu! eu! eu!) interpretar aquelas canções especificamente. Acontecesse o que acontecesse, Phil teria sempre o apoio de Tony, Mike e da máquina dos Genesis. Assim, volta à estrada por sua conta e risco, vulnerável a tudo o que lhe possa cair em cima.

Dito isto, toda a sorte do mundo para o Phil. Whatever happens, I will always love you, Phil.