terça-feira, 14 de abril de 2015

Capitão Fausto - "Interstellar Overdrive"



O Lux-Frágil vai ter que ser ressarcido depois do que os Capitão Fausto fizeram no concerto da última Sexta-feira. Alguém vai ter que pagar pelos estragos. Porque os Capitão Fausto mandaram aquilo tudo abaixo.

Talvez devido ao facto de estar sob o efeito simultâneo de antibióticos e de uma garrafa de vinho italiano (não ia ouvir a música do Syd Barrett sóbrio, não é?), ou talvez devido ao facto de ter sido um concertão, daqueles que são alvo de lendas que se contam a filhos e netos, saí do Lux com a sensação de ter visto a melhor actuação de uma banda portuguesa em toda a minha vida. E já vi muitas, acreditem.
São palavras fortes, bem sei. Mas do lado dos Capitão Fausto estava um leque de canções invencível. Foram essas canções - as canções de Syd - que chamaram o público que encheu o piso de baixo do Lux. Houve temas de "The Piper At the Gates Of Dawn", "A Saucerful Of Secrets" e também alguns temas a solo do ícone britânico. Mas a partir desses temas invencíveis, havia tanto por onde errar; tantas armadilhas onde tantas vezes vezes caem as bandas que arriscam covers de temas tão sagrados como os dos Pink Floyd. Os Fausto não só evitaram todos os alçapões, como deram à música o seu cunho e tiveram no Lux uma noite épica for the ages. Para ser perfeito, só faltavam as projecções.

Como é que lograram esta efeméride? Os Capitão Fausto não se limitaram a tocar de forma absolutamente fidedigna, nota-por-nota, as versões que ouvimos nos álbuns. Nem faria sentido, este era um live show. Por outro lado, também não caíram na tentação de inventar versões alienadas do cerne Sydiano. Para alcançar um equilíbrio, a banda tocou os temas de Syd, da forma como esperaríamos que Syd os tocasse ao vivo: pincelando um solo de guitarra aqui, estendendo um solo de teclas ali, fiéis ao álbum quando tinham que o ser e carregando no ruído psicadélico sempre que o tema chamava por isso.

O momento da noite? Está no vídeo lá em cima: "Interstellar Overdrive". Os Fausto não se fizeram rogados e tocaram uma versão de 10 minutos do tema que nos pôs a viajar pelas estrelas. Honestamente, na altura não percebi se foram 10 minutos, 20 minutos, ou 3 horas. Mas foi longo, foi mind-tripping e foi tudo aquilo que eu poderia desejar. Eu e não só. A audiência foi ao rubro em "Overdrive", a electricidade no ar era tal, que houve mosh junto ao palco (sim, leram bem) e houve crowdsurfing do Tomás Wallenstein - vocalista dos Capitão Fausto - enquanto tocava guitarra. Épico.

O público foi outro dos factores que elevou este concerto para o patamar de lendário. Do alto dos meus 29 anos, acho que era um dos mais velhos na sala. Olhei à minha volta e o que vi foram miúdos que gostam de Pink Floyd, conhecem os temas todos do Syd Barrett e cantam-nos de peito cheio. E fazem mosh quando a música pede uns encontrões.
Apesar do estrato etário novo, não houve telemóveis no ar, nem idiotas a tapar a vista com smartphones ou tablets. O público estava lá pela música. Foi um dos ambientes mais puramente Rock N' Roll que já presenciei.

No fim, a banda lamentou-se que nunca mais iria repetir esta noite, nunca mais iria tocar temas dos Pink Floyd e de Syd Barrett. Para eles, uma mensagem: conhecem aquele episódio do "Seinfeld", em que o Jerry e o George montam um estratagema para ele trocar a namorada pela amiga, através da sugestão de uma ménage a trois? E depois elas aceitam? Lembram-se do que o George diz? "This is like discovering plutonium by accident!". Eu acho que vocês também descobriram o vosso plutónio. Não estou com isto a sugerir que se tornem numa banda de covers, mas podem repetir a experiência, porque certamente terão procura. Mas acima de tudo, bebam daqui muita inspiração, porque vi-vos a nadar na vossa praia. 

Quando a banda voltou para o encore, estava eu convencido que iam sacar de "Astronomy Domine" (o tema mais óbvio, até por ser o tema da era de Syd mais tocado pelas incarnações posteriores dos Pink Floyd) e eis que a banda sobe ao palco com "PA PUM TE, TCH TCH; PA PUM TE, TCH TCH". E metade da audiência respondeu audivelmente, para faces de estupefacção da outra metade: "ÓI ÓI, ÓI ÓI". Mágico. "Pow R. Toc H.". Confesso que por esta não estava à espera.

Na verdade, toda a noite foi de surpresas. Enquanto gritava a plenos pulmões no segundo tema do set "AAAAAAPPLES AND ORANGEEEEEEES!" comentei que nunca pensei ver estes temas ao vivo. E não. E foi a melhor merda de sempre. Pelo menos desde a semana passada. A sério, foi de um nível de brutalidade que só o Mike Tyson nos poderia explicar. Malta, vá lá, não me tirem isto agora, fiquei viciado.
Se os Fausto cumprirem a ameaça e esta noite não se repetir, então pelo menos posso dizer que estive lá. Estive no Lux na noite em que a casa foi teleportada para a outra dimensão; aquela dimensão onde o Syd foi muitas vezes; tantas vezes, que certo dia por lá ficou.

Não tomei notas, por isso perdoem-me qualquer falha na setlist, mas de cabeça, os Fausto tocaram o seguinte:
"Arnold Layne"
"Apples And Oranges"
"Lucifer Sam"
"Matilda Mother"
"Scarecrow"
"Take Up Thy Stethoscope And Walk"
"Interstellar Overdrive"
"Octopus"
"Terrapin"
"See Emily Play"
"Dominoes"
"Jugband Blues" 
ENCORE:
"Pow R. Toc H."
"Bike"