quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Crowded House - "Private Universe"

"It's a pleasure that I have known and it's a treasure that I have gained..."





Ainda o ano de 2012. Já estamos no final de Janeiro e aqui no blog ainda se faz o balanço do ano que passou, num ritmo bem demonstrativo da velocidade de caracol em que o blog tem corrido.
No outro dia, deixei uma menção honrosa aos Tame Impala - uma das grandes revelações do ano passado - e hoje falo de outra grande banda da Oceânia, mais precisamente da Nova Zelândia, desta feita num registo bem diferente: os Crowded House.

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‎"He was in the throes of a nervous breakdown.
Alone in bed and crying uncontrollably, he noticed his baby daughter walking towards his bed, her arms outstretched.
In her hand was a glass of water. She wanted to give something. Something to make it alright.
This was all she could find."
Peter Paphides - radialista britânico, sobre a música dos Crowded House


É possivelmente a mais triste e, ao mesmo tempo, a mais edificante das histórias.
A história é verídica. Terá acontecido ao falecido humorista britânico Spike Milligan, a contas com uma depressão. A sua filha queria ajudá-lo e, sem saber como, levou-lhe um copo de água. Mal, o copo não faria; ao menos mataria a sede e reporia os níveis de água no corpo, esgotados de tanto choro.

O radialista Peter Paphides desenrolou esta metáfora para explicar a valência da música dos Crowded House e na minha opinião, acertou em cheio.
A música dos Crowded House não é a panaceia do mal de ninguém, mas alivia. Não cura as doenças, mas retira dor. Não é vacina, mas sim analgésico.

Se há algum sentido no rótulo de "Easy Listening", ele tem que ser aplicado à música dos Crowded House. A sonoridade é tão suave e acolhedora, que tem o dom de me transmitir tranquilidade.

Não deverá ser segredo para ninguém que tenha um rádio desde 1986, que os Crowded House são mestres no registo do Soft Rock, desde que invadiram as ondas FM com o seu grande êxito "Don't Dream It's Over". Este registo de banda de sótão, que seria explorado ao longo dos anos por bandas como os Coldplay, ou os Keane é o estilo Rock de mais fácil audição, apoiado na melodia e sem grandes espaços para distorções.

A voz dos Crowded House e sua principal força criativa é Neil Finn. À falta de rasgos musicias dilacerantes, Neil é um tipo que sabe escrever uma melodia, sabe colar-lhe uma lírica e sabe produzir tudo de forma a que caia no ouvido de forma macia e agradável, sem nunca perder a mensagem.

Neil Finn é um poeta. São várias as passagens ao longo da sua lírica que me abanam. Frases simples, mas de uma profundidade, sinceridade e, acima de tudo, realidade, comoventes:

 "You opened up your door, I couldn't believe my luck..."
in "Into Temptation" - Álbum "Temple Of Low Men" (1988)


"I don't pretend to know what you want, but I offer love."
in "Distant Sun" -  Álbum "Together Alone" (1993)


"Não finjo saber o que queres, mas eu ofereço amor." 
Sem comentários... É isto.

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"It feels like nothing matters in our private universe."

O tema que aqui fica é um dos meus preferidos dos Crowded House, apenas um dos grandes temas que podemos ouvir em "Recurring Dream". Originalmente, "Private Universe" foi lançado no álbum "Together Alone", em Outubro de 1993 e serviria, exactamente um ano mais tarde, de 6º (!!!) single de promoção ao álbum. 
Sim, leram bem; para tentar capitalizar o álbum nos vários mercados onde tentavam penetrar, os Crowded House lançaram um total de 7 singles de "Together Alone", nenhum deles com especial sucesso.



"You said the chance wasn't getting any better, labour of love is ours to endure"

"Private Universe" puxa algumas sonoridades da world music para criar uma atmosfera mística, muito própria do que se ouvia na rádio em meados dos anos 90. Estávamos na era dos Enigma ("Return To Innocence"), dos Era, da Enya, dos Sacred Spirit, do canto gregoriano, ou dos (hediondos) pan pipes (Deus me livre...). Um dia destes voltarei ao asssunto.

2012 foi o ano da confirmação dos Crowded House no meu reportório. Foi o ano em que passei a olhar para a sua discografia com um espectro mais alargado, para além dos êxitos mais conhecidos. De tal forma que a compilação "Recurring Dream - The Very Best Of Crowded House" foi um dos álbuns mais tocados do ano transacto.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Tears For Fears - "Raoul And The Kings Of Spain"

"When the seventh son of the seventh son comes around and breaks the chain..."


Quando que me perguntam qual é a minha música preferida de sempre (na verdade, não me lembro de alguém me perguntar isto, eu é que gosto de fazer estas reflexões nerdicas), há meia dúzia temas que me vêm imediatamente à cabeça. Entre temas como "High Hopes" dos Pink Floyd, "The Show Must Go On" dos Queen, ou "Champagne Supernova" dos Oasis, está... (como já devem ter adivinhado por esta introdução) "Raoul And The Kings Of Spain" dos Tears For Fears.

Tenho uma amiga que me costuma dizer que as nossas preferências musicais se devem a 3 factores: "Opiniões, gostos e vivências", porque "muitas vezes gostamos ou não de uma música pela vivência que temos com ela". 
É uma teoria com fundamento.

Separar opiniões e gostos, é algo que não é fácil, mas que é possível. Por exemplo, se me perguntarem qual e a minha banda preferida (a que eu mais gosto), a resposta seriam os Queen. Por outro lado, se me perguntarem qual a melhor banda de sempre (a que na minha opinião, é a melhor), a minha resposta já seriam os Pink Floyd. Em qualquer dos casos, obviamente que gosto de ambas.

Relativamente às vivências, é uma relação que dispensa exemplificações. A música fica associada a momentos da nossa vida. Os bons e os maus. É inevitável. E se tivermos em conta o efeito terapêutico da música, nem é preciso ficar associada a bons momentos, para que crie um elo de ligação connosco.
Pensem nos vossos temas preferidos, ou nos vossos álbuns preferidos e avaliem, caso a caso, se eles estão associados a tempos de bonança, ou a tempos de provação. Pode ser que tenham uma surpresa.

Mas se é verdade que já risquei determinados álbuns, por me levarem para lugares para onde eu não quero ir; há outros que puxo sempre que preciso de navegar para o meu porto seguro. São os álbuns que passam mais tempo empilhados junto ao leitor de CD's, do que devidamente arrumados na prateleira. São os álbuns que me teleportam para um lugar de segurança e despreocupação, a maioria deles associados a momentos da minha infância.

Este é o caso de "Raoul And The Kings Of Spain", dos Tears For Fears - um disco que marcou a minha vida, um dos meus álbuns preferidos de sempre.

Viajemos então no espaço e no tempo.

Fim de semana alargado, de 6 a 9 de Abril, de 1996. A família Bento decide fazer a sua primeira grande viagem de carro ao estrangeiro, no seu Lancia Dedra branco. O roteiro compreendia o Sul de Espanha, com passagens por Sevilha, Gibraltar, Algeciras, Granada e a Serra Nevada.

No auto-rádio Alpine do carro, uma cassete:



Mas a cassete não tinha o álbum todo. Numa geração diferente da pirataria, muito antes do mp3 e dos downloads, esta ainda se fazia com a gravação indevida em formato Compact Cassette, abreviado de MC (MusicCassette). Nas cassetes, gravava-se o que se podia, tendo em conta a limitação de espaço na fita. No caso de "Raoul", com pouco mais de 50 minutos, o álbum caberia em qualquer cassete de 60 minutos - as mais banais naquela altura.

O problema é que, quem quer que tenha gravado a cassete, gravou duas vezes o mesmo "lado", isto é, o mesmo conjunto de temas nos dois lados da fita. Graças ao inovador sistema auto-reverse do auto-rádio, o resultado foi um loop contínuo de 25 minutos que se repetiu ad aeternum ao longo da viagem, durante 4 dias, dentro do carro:


1. "Raoul and the Kings of Spain" (5:16)
2. "Falling Down" (4:56)
3. "Secrets" (4:42)
4. "God's Mistake" (3:47)
5. "Los Reyes Católicos" (1:44)
6. "Sorry" (4:48)


Uma viagem destas, cheia de paisagens novas e cheiros desconhecidos, teria que marcar indelevelmente a impressionável mente de um miúdo de 10 anos. Colado às imagens da neve na Serra Nevada, da chuva copiosa de Gibraltar, ou da miragem de África lá ao fundo, para lá do intenso nevoeiro, estará para sempre um grito:
"Raaaaaaoooouuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuul!!"
Aos 10 anos, a minha percepção da língua inglesa ainda não era grande coisa, mas para cantar a plenos pulmões o refrão de "Raoul And The Kings Of Spain" com Roland Orzabal, tal não era necessário.

Colados à música, ficaram estes momentos, estas vivências. Daí em diante, "Raoul" ficaria sempre como um bilhete directo para os bancos de trás do Lancia Dedra branco, onde eu podia dormitar em segurança, despreocupadamente, enquanto olhava pela janela, para paisagens nunca vistas.

Dentro em breve, voltarei inevitavelmente a "Raoul And The Kings Of Spain", da mesma forma que já voltei imensas vezes ao longo da minha vida. Voltarei a "Raoul", porque muito mais fica por dizer sobre este álbum, na minha opinião uma das obras primas da curta, mas concisa, carreira dos Tears For Fears.