terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Pink Floyd - "The Show Must Go On"

"Where has the feeling gone? Will I remember the songs? The show must go on."


Imagino que todas as (cinco) pessoas que costumam vir aqui ler o meu espaço já se tenham perguntado o que é feito de mim. Não? Nem vocês? Ok. Em todo o caso, eu tenho um enorme respeito por vocês e seria incapaz de deixar o meu espaço neste limbo, sem uma resolução.

O que se passou comigo foi aquele tipo de coisas que achamos que só acontecem aos outros, até que nos acontece e não sabemos bem como reagir. Não, não foi nenhum acidente. Foi algo bem mais improvável: a concretização de um sonho.

No fim do Verão, fui convidado para escrever sobre música na New in Town (NiT) — uma nova revista urbana digital de lifestyle, lazer e cultura. Esta é a página do Facebook, os gajos escrevem alguns artigos muito fixes e dão muitas dicas interessantes (principalmente para quem vive em Lisboa). Podem lá ir fazer like para acompanhar o que vou escrevendo.
O que é que tudo isto significa? Que sim, é verdade: os sonhos também se tornam realidade. Por isso, sempre que vos quiserem convencer do contrário, não acreditem. Façam-lhes um pirete e continuem a lutar pelos vossos sonhos, por mais insignificantes ou idiotas que possam parecer aos outros.



Desde que a revista foi online a 12 de Novembro, escrevo uma crónica semanal (a Rapsódia Boémia - não poderia haver outro nome) e, sempre que tenho mais alguma disponibilidade, vou dando também a minha opinião sobre os álbuns que vão saindo. No fim de contas, não sobrou muito tempo para voltar a escrever aqui.


Para vos falar a verdade, nem sabia bem o que vos dizer, porque também não sabia ainda o que ia fazer com o blog, obviamente sufocado pelo tempo que dispenso com a NiT. Mas o blog não pode morrer. Afinal de contas, onde é que eu ia escrever sobre os álbuns que David Bowie lançou em 1977? Exactamente.
Que continue o espectáculo.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Pink Floyd - "Louder Than Words"

"It's louder than words, this thing that we do.
Louder than words, the way it unfurls.
It's louder than words, the sum of our parts.
The beat of our hearts is louder than words."

Se me dissessem há uns meses que hoje, 9 de Outubro de 2014, eu me levantaria mais cedo da cama, só para ligar a emissão online da BBC Radio e ouvir um tema novo dos Pink Floyd, eu abanaria a cabeça em descrença, olhando para o chão enquanto pensava nas parcas possibilidades para que tal pudesse acontecer. Mas às vezes a vida guarda-nos surpresas onde menos esperamos.

"Louder Than Words" está aí e é o tema de avanço do álbum "The Endless River", que junta 4 diferentes peças musicais, cada uma ocupando um lado do duplo LP. Estas peças foram gravadas em 1993, nas sessões de "The Division Bell", as quais produziram 5 a 6 horas de música (segundo Richard Wright referiu numa entrevista em 1994).
Ao contrário do que eu especulei aqui, não vão aparecer as sessões instrumentais que Richard Wright gravou nos seus últimos anos (essas ficarão guardadas para o próximo álbum a solo de David Gilmour, ou até, quem sabe, para um álbum em nome próprio); não vão aparecer elementos da montagem "Soundscape"; e aparecerão alguns segundos apenas da peça "The Big Spliff", originalmente criada por Andy Jackson.
O que teremos em "The Endless River" é algo totalmente novo, inaudito.


"The Endless River" será - David Gilmour já o garantiu - o capítulo final da História dos Pink Floyd. É um duplo álbum quase integralmente instrumental do trio Gilmour-Wright-Mason. Quase, porque David Gilmour quis fechar a discografia dos Pink Floyd com um olhar para o passado.


"Well, Rick is gone. This is the last thing that’ll be out from us. I’m pretty certain there will not be any follow up to this. And Polly, my wife, thought that would be a very good lyrical idea to go out on. A way of describing the symbiosis that we have. Or had… I didn’t necessarily always give [Wright] his proper due. People have very different attitudes to the way they work and we can become very judgmental and think someone is not quite pulling his weight enough, without realising that theirs is a different weight to pull."
David Gilmour
É isso que ouvimos em "Louder Than Words".



Agora impõe-se a pergunta: será que as expectativas geradas por um novo tema dos Pink Floyd foram correspondidas? A resposta é não. Era praticamente impossível.

Não me interpretem mal, eu adorei "Louder Than Words". Mesmo. A voz de David continua divinal, a sua guitarra está no ponto e o Hammond de Richard conseguiu puxar-me as lágrimas diversas vezes em 4 minutos e meio. Só que "The Division Bell" é o meu álbum preferido de todos os tempos. É o álbum que o meu Pai punha a tocar todos os Domingos de manhã, durante anos a fio. Está na minha cabeça colado com a mesma força que a face da minha mãe e o caminho para a minha casa. É injusto comparar o que quer que seja ao melhor de sempre.

Posto isto, confesso que fiquei um pouco desapontado com o solo de guitarra do David Gilmour, para aquele que ficará para sempre como o último tema da discografia dos Pink Floyd. É demasiado curto. Mas depois lembrei-me que o que ouvi hoje é apenas um radio edit(uma versão curta para passar na rádio), por isso é possível que haja mais 2 minutos de solo no disco.
Mais uma vez, note-se que David é o meu guitarrista preferido de todos os tempos, por isso the bar was set very high para ele também.

Nesta paixão pela música, como em qualquer outra paixão, quando as expectativas são tão altas... É previsível haver dissabores e alguém acabar magoado.
Assim, sem querer ser um desmancha prazeres, vou pôr um pouco de água na fervura (também na minha).
Sejamos realistas, é muito difícil (para não dizer virtualmente impossível) que "The Endless River" supere "The Division Bell". Logo à partida, por 2 motivos: em primeiro lugar, porque TER é o que sobra das sessões de gravação de TDB, TER está para TDB como a Liga Europa está para a Liga dos Campeões; depois, porque o que vamos ouvir é material inacabado e daí ser revelado em forma instrumental.

Reitero que não quero com isto decretar o funeral a "The Endless River". Eu estou em pulgas para ouvir o resto do álbum. Estou convicto que vai ser fenomenal (olha para mim de volta aos superlativos), que vou adorá-lo e que vou ouvi-lo 100 vezes, só contando com o pouco que resta de 2014. Mas tenho que resfriar os ânimos desta paixão, especialmente para mim.

Honestamente, "The Endless River" é uma incógnita para mim. É um álbum duplo com 45 minutos instrumentais. Não sei o que esperar.

Se os Pink Floyd tivessem terminado em "High Hopes", teria sido um final perfeito. Mas se me derem a escolher entre ter ou não ter mais um álbum dos Pink Floyd, ainda que imperfeito, ainda que inacabado, a minha resposta será sempre: "SIM! CLARO QUE SIM! 'tás parvo ou quê, para me fazeres uma pergunta dessas?!".

Às vezes, a vida guarda-nos surpresas onde menos esperamos. E essas são as mais saborosas.
Foi o que me ensinou 2014.
"Let's go with the flow, wherever it goes. We're more than alive."

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Trent Reznor and Atticus Ross - "What Have We Done To Each Other?" (Gone Girl Soundtrack)



Acabo de sair da sala de cinema, onde fui exposto a "Gone Girl" - o filme que supostamente será o melhor do ano. E é mesmo.
Não me vou alongar sobre como David Fincher já deve reclamar para si um lugar de proa no panteão dos melhores contadores de histórias da História de Hollywood. Outros especialistas em cinema tratarão disso.

Vou antes falar da banda sonora. Porque da mesma maneira que o povo diz que "por trás de um grande homem, está sempre uma grande mulher", também por trás de um grande filme, está sempre uma grande banda sonora. E não raras vezes, por trás de um grande realizador, está um grande músico. Foi assim com David Lynch e Angelo Badalamenti, foi assim com Béla Tarr e Mihály Vig, foi assim com Krzysztof Kieślowski e Zbigniew Preisner.

Fincher encontrou o seu Badalamenti em Trent Reznor e no seu fiel escudeiro Atticus Ross. Juntos, deram voz a "The Social Network" de 2010 (que ganharia o Oscar de melhor banda sonora), "The Girl with the Dragon Tattoo" de 2011 (que ganharia o equivalente Grammy) e agora trazem-nos a banda sonora de "Gone Girl", acabadinho de chegar aos cinemas.
Se as 2 anteriores foram muito boas, esta é de cortar a respiração; causa ansiedade, provoca arritmia. É o perfeito casamento com o filme que sonoriza.

David Fincher pode continuar a confiar em Trent Reznor e Atticus Ross. Foi muito à custa deles que eu passei as últimas 2 horas e meia com os rins colados ao fundo do banco do cinema. Fica o aviso: não bebam café antes de "Gone Girl".


segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Queen - "Let Me In Your Heart Again"

"You took my heart and soul away with you, but now I stand alone and dream I'm in your heart again"


Muito se tem passado nos últimos dias, sem que eu tivesse tempo para actualizar devidamente este espaço com todas as boas novas. Mas o blog não corre ao mesmo ritmo do mundo lá fora, "aqui o tempo não é tempo, é só um chão que ninguém pisou" (já dizia o Pedro Abrunhosa) e como tal, nunca houve grande preocupação em seguir as tendências. Mas agora há muito chão para pisar.

Uma das grandes notícias dos últimos dias foi a revelação de 3 novas faixas dos Queen com Freddie Mercury na voz, para inclusão em  "Queen Forever" - compilação que pretende recolher algumas das melhores baladas dos Queen e assim dar a conhecer esse lado do grupo à geração mais nova.
Espera aí, faixas novas dos Queen, com Freddie Mercury na voz?! Então mas esse barril não tinha já sido esvaziado com o "Made In Heaven" em 1995? Parece que não.

Há cerca de um ano, Brian May fez uma revelação avassaladora para os fãs dos Queen (para mim, pelo menos, foi com certeza): havia mais faixas vocais de Freddie Mercury, inauditas, passíveis de serem utilizadas para um novo álbum dos Queen, à imagem de "Made In Heaven". Um Made In Heaven II, portanto. Êxtase completo.

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Deixem-me enquadrar-vos na matéria: "Made In Heaven" foi o único álbum que eu vivi dos Queen.
Houve outros que foram lançados no meu tempo de vida ("One Vision" foi lançado no dia em que vim ao Mundo), mas era demasiado novo na altura. Apesar do meu Pai me contar que eu já vibrava com a música dos Queen desde os 2 anos - altura em que comprou o álbum "Live Magic" e gravou o concerto dos Queen no Wembley e eu não queria ver outra coisa senão a cassete VHS com aquelas 2 horas mágicas - eu era muito novo para ter noção do que era aquilo.

Só quando o Freddie Mercury morreu a 24 de Novembro de 1991 - tinha eu acabado de fazer 6 anos - é que eu me apercebi: isto não era como os desenhados animados das outras cassetes que eu via; isto era um ser humano, real, que desaparecera naquele dia.
Com o choque com que a notícia foi dada na televisão, chorei.
Chorei, como se de um tio se tratasse. Não um tio afastado; mas sim um tio que vivia ali ao lado e que eu via e ouvia todos os dias; que falava comigo numa língua estranha que eu não entendia, mas de alguma forma percebia o que ele me queria dizer.
Chorei, sem perceber bem o impacto que teria o desaparecimento de uma pessoa.

Quando 4 anos mais tarde, já com 10 anos de idade e totalmente seguro do meu know-how dos Queen, é anunciado o lançamento de "Made In Heaven" - o álbum com as últimas gravações de Freddie Mercury, rejubilei.
A promoção ao álbum foi forte e eu sabia bem o que queria para os meus anos, em 1995. No dia em que chegou à loja de discos de Castelo Branco, o meu Pai foi lá e trouxe o CD mágico para casa.

Devorei positivamente o álbum naquele Inverno e no Verão seguinte e no Inverno seguinte e no Verão posterior. Era como se não existisse mais nada.
Apesar do soslaio com que é olhado por alguma crítica (sempre os mesmos idiotas), eu grito-o sem reservas: eu amo o "Made In Heaven". Sem ses, nem mas, nem apesares.
"Made In Heaven" é um álbum muito especial para mim e tem lugar no meu Top 5 de álbuns de sempre.

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Agora que já vos enquadrei na matéria, podem imaginar a excitação que me induziu a revelação de Brian May. Só me restava esperar para ver o que daí vinha.

Não é que eu não imaginasse que temas poderiam vir aí. O Freddie já cá não está desde 1991 e depois de "Made In Heaven", o poço da água que ele nos deixou para beber já estaria com certeza quase seco. Mas sabia que havia ainda algumas faixas no arquivo dos Queen que poderiam levar o mesmo toque de Midas que acontecera no álbum "Made In Heaven".

A Wikipedia tem um levantamento bastante abrangente e assertivo do que se sabia haver nos arquivos dos Queen.
Aprofundarei o assunto dos arquivos mais tarde, mas já no último post dos Queen referi que "se há uma banda que ao longo da história inexplicavelmente ignorou os seus arquivos - tanto em áudio, como em vídeo - essa banda são os Queen.".
É verdade. Esperava-se então que este pecado fosse parcialmente corrigido com Made In Heaven II. Contava ver neste álbum, numa forma completa e renovada, as faixas vocais gravadas para temas como:

"Man On Fire" (deixado à última hora de fora de "The Works" e depois lançado a solo por Roger)
"I Guess We're Falling Out" (das sessões de "The Miracle")
"Dog With A Bone" (das sessões de "The Miracle")
"Face It Alone" (das sessões de "The Miracle" e "Innuendo")

Note-se que o que se ouve em cima são apenas demos, são pedras sem acabamento e o produto polido não teria nada a ver com isto. Contava para isso com o tal toque de Midas dos Queen.

Havia ainda o espólio a solo de Freddie que poderia ser aproveitado: desde as faixas inutilizadas do seu álbum a solo "Mr. Bad Guy" ("I Was Born To Love You" e "Made In Heaven" já tinham aparecido em "Made In Heaven"), as lindíssimas faixas do musical "Time" ("Time" e "In My Defense") e claro, os infames duetos com Michael Jackson, desde há 30 anos à espera para ver a luz do dia.


Resumindo a história, Freddie e Michael juntaram-se entre 1982 e 1983 e gravaram o esqueleto de 3 temas: "There Must Be More To Life Than This", "State Of Shock" e "Victory". As faixas nunca seriam terminadas porque Freddie perdeu a paciência com Michael - que levava um lama (sim, um lama) para o estúdio todos os dias - e teriam assim gestações distintas.
"State Of Shock" foi regravado com Mick Jagger e lançado no álbum dos The Jacksons "Victory" (faixa que deu nome ao álbum, mas que nunca foi lançada oficialmente).
Freddie, por seu lado, gravou "There Must Be More To Life Than This" a solo e incluiu-a no seu álbum "Mr. Bad Guy".

Uns anos mais tarde, a parte vocal de Michael Jackson em "There Must Be More To Life Than This" apareceu na internet e um fã fez o magnífico trabalho de juntar as duas vozes, criando esta maravilha.
Só de pensar no que os Queen tinham feito em "Made In Heaven", eu ficava aguado a imaginar o que poderia fazer o toque de Midas de Brian May e Roger Taylor a este tema.

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Bem me enganei.
5ª feira à noite chegou a grande revelação: vem aí novo álbum dos Queen, mas não é bem aquilo que estavam à espera. Afinal, o novo álbum é uma compilação e as novas faixas são apenas 3. É melhor que nada, é verdade. Mas não deixa de ficar um amargo na boca, sabendo do que poderia aí vir.



Mas o pior de tudo foi perceber que talvez o tal toque de Midas dos Queen já se tenha desvanecido.
A nova versão de "There Must Be More To Life Than This" - que agora aparecerá creditada a Queen + Michael Jackson - é inferior à versão maravilhosa criada por um mero fã, há mais de 10 anos.
A nova versão de "Love Kills" - que agora se apresenta com o subtítulo The Ballad - também fica a quilómetros de distância da assombrosa versão original de Freddie Mercury, que entrou na banda sonora de "Metropolis" de Giorgio Moroder.

Tanto os Queen quiseram polir as suas pedras, que elas ficaram sem nenhum edge.
(Esta observação resulta muito melhor em inglês: "Queen wanted so much to polish their rock, that they lost their edge" - veem? Muito melhor.)
Que pena...
Mas nem tudo está perdido.

Em contrapartida, os Queen desvendam em "Queen Forever" aquela que poderá ser a última pérola saída dos seus arquivos: "Let Me In Your Heart Again".
O tema foi gravado durante o ano de 1983, em Los Angeles, para o álbum "The Works" e emula exactamente aquilo que eu mais ansiava ouvir num Made In Heaven II. É um final de ciclo perfeito.
Naquela que pode ser a última vez que fala connosco, Freddie pede para entrar novamente no nosso coração.
Claro que sim, Freddie. Ele esteve sempre aqui para ti.

"Let Me In Your Heart Again" é mais um triunfo dos Queen. Possivelmente o último.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Queen - "White Queen (As It Began)" (Live At the Rainbow Theatre '74)

"The White Queen walks and the night grows pale"


Se há uma banda que ao longo da história inexplicavelmente ignorou os seus arquivos - tanto em áudio, como em vídeo - essa banda são os Queen.

Os Queen são sobejamente conhecidos pela sua imagem dos anos 80: Freddie Mercury de bigode, John Deacon e Roger Taylor com um look 80's Pop digno dos Duran Duran e Brian May com a sua farta cabeleira encaracolada.
O que nem todos sabem, é que antes dos grandes estádios e das grandes multidões dos 80's, na escuridão das arenas dos anos 70, tocavam uns Queen bem diferentes.

Nessa época, os Queen eram uma banda estandarte do movimento Glam Rock britânico e como era apanágio da banda, os seus membros levavam tudo ao limite: vestiam roupas femininas, pintavam as unhas, usavam maquilhagem e mostravam cabelos compridos e arranjados em palco.
Senhoras e senhores, isto são os clássicos Queen, uma banda de senhores que pareciam senhoras:


10 anos mais tarde, Freddie Mercury recordou esses tempos com algum humor, a propósito do sucesso de Boy George nos anos 80 (segundo 3:31) e de algum revivalismo dos tempos do Glam, que se vivia na altura. Vale a pena ver o vídeo, nem que seja para ver e ouvir a gargalhada musical de Freddie.

"At this point in time I think if I had long hair and fingernails and wearing those things, I would look ridiculous...I mean, I looked ridiculous then, but it worked!"



Se não conhecemos mais dos clássicos Queen - e o ouvinte mais casual pode mesmo desconhecer por completo - isso é porque estivemos sempre limitados ao espólio dos Queen ao vivo nos 80. Dos anos 70, fomos remetidos apenas às compilações de videoclips (e mesmo o DVD "Greatest Video Hits 1" já remonta a 2002, já lá vão 12 anos). Nesses vídeos, podíamos ver a banda a fazer playback dos seus maiores êxitos, mas nunca pudemos viver a experiência de um concerto dos Queen nos anos 70.

Esta experiência foi capturada na perfeição no filme "Live At The Rainbow", lançado em VHS em 1992, numa caixa de edição extremamente limitada, distribuída apenas pelo clube de fãs dos Queen.
Ainda que fortemente editado, o filme oferecido na caixa já dava um cheirinho do que eram os Queen nos early days.
A caixa dava pelo nome de "Box Of Tricks" e não, não consta da minha colecção. Apesar do esforço que tive em convencer os meus pais para me financiarem uma licitação de 100 euros no eBay em 2001, eles não foram na cantiga.


Durante anos, os fãs dos Queen desesperaram por um registo digno da banda ao vivo nos anos 70, mas ele nunca apareceu.
Até agora.

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Após longos anos de espera, Brian e Roger decidiram olhar para os arquivos e este mês chegou finalmente o superlativo "Live At The Rainbow" - um álbum ao vivo que reúne os 2 concertos que os Queen deram no Rainbow Theatre, em Londres, no ano de 1974. Nesse ano, os Queen foram ao Rainbow Theatre por 2 ocasiões diferentes - uma em Março e outra em Novembro.


Em Março, os Queen estavam a promover o seu 2º álbum, lançado nesse mesmo mês e apropriadamente batizado de "Queen II" - uma maravilha sónica, que é também um dos melhores álbuns de sempre (considerado por mim, obviamente).
Naquela altura, para uma banda que ainda não tinha alcançado um único êxito ("Seven Seas Of Rhye" estava somente a começar a ganhar alguma notoriedade), parecia uma loucura uma banda como esses tais de "Queen" ir ao Rainbow - uma das salas mais prestigiadas de Londres na época. Mas foram e... esgotaram os mais de 3 mil lugares, provando que eram uma banda que tinha vindo para ficar.

O concerto juntou algumas das melhores faixas de "Queen" e "Queen II" e foi gravado profissionalmente em áudio e em vídeo (embora a maior parte das fitas de vídeo tenham desaparecido e por isso apenas 10 minutos dessa noite estão presentes no DVD/Blu-Ray).  O que muito pouca gente sabe, é que os Queen se deram ao trabalho de documentar este concerto porque foram ao Rainbow gravar o seu 3º álbum ("Queen III - Live At The Rainbow" soa tão bem...). Só que o motor dos Queen estava em alta rotação e obviamente, esse álbum nunca veria a luz do dia (até agora).
Mesmo depois de Brian May ter caído na cama do hospital por exaustão, após 6 noites consecutivas de concertos em Nova York e de lhe ser diagnosticada hepatite, os Queen enfiaram-se em estúdio, escreveram novas canções para um novo álbum de originais e o programado álbum ao vivo foi posto na gaveta.

Em Novembro, os Queen voltaram então ao Rainbow Theatre para promover o tal novo álbum - "Sheer Heart Attack" de seu nome - um álbum menos polido que o anterior, mas mais pesado e com mais potencial comercial. Na semana do concerto, o single de promoção do álbum "Killer Queen" / Flick Of The Wrist" chegou a nº2 das tabelas, falhando por uma unha negra o posto mais alto. Brian May faria referência a essa frustração durante o concerto. Mal sabia ele que aquilo seria apenas o início de uma longa caminhada real dos Queen.

O concerto de Novembro foi mais uma vez gravado profissionalmente em áudio e em vídeo e os registos desta mantiveram-se intactos ao longo dos anos, como se pode observar tanto no CD, como no DVD de "Live At The Rainbow". Este fora o concerto parcialmente incluído na "Box Of Tricks" e aparece aqui, completo, em toda a sua glória.


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É preciso alguma perspectiva para olhar para estes concertos, principalmente para quem só conhece os Queen dos anos 80, conforme falei no início do post.
Em 1974 os Queen eram ainda uma banda em ascensão, esfomeada pelo sucesso, com tudo para provar ao público. E isso nota-se em "Live At The Rainbow", isso ouve-se.
Tanto no concerto de Março, como no de Novembro, podemos ouvir os Queen a esforçarem-se, a darem o litro.

Nesta altura, Freddie Mercury já se mostrava um predestinado a lidar com a plateia, mas ainda não era o showman que conhecemos dos estádios dos anos 80. Em sua defesa, ele não teve nenhum modelo para se basear, uma vez que foi ele, em grande parte, que inventou o seu próprio conceito. Freddie Mercury inventou-se a si próprio: inventou o seu nome, inventou a sua persona no palco, inventou a banda que os Queen se tornariam.


Mas quem ouvimos a brilhar mais intensamente em "Live At The Rainbow" e que eu não posso de maneira nenhuma esquecer é o Dr. Brian May. Munido da sua guitarra Red Special e do seu impressionante sistema de som Echoplex, Brian dispara lasers sonoros por toda a sala e desenha as linhas de um rendilhado que ornamenta os meus sonhos e me afaga a alma. Meu Deus, que paraíso.
Se o meu cérebro tem um estimulador, é aquele som que vem da guitarra de Brian. Um som vindo ao mesmo tempo do Céu e do Inferno.

E depois há as harmonias... Ai as harmonias. Que delícia.
Harmonias pode mesmo ser a palavra chave de "Live At The Rainbow". Freddie Mercury, Roger Taylor e Brian May, os 3 com um registo vocal bem diferente, juntos completam o espectro sonoro quando gritam em uníssono ao microfone. O efeito é arrepiante.
Infelizmente, por volta de 1976 / 1977, à medida que o espectáculo visual dos Queen crescia, o espectáculo das harmonias foi desaparecendo. Mas nos early days dos Queen, eles eram imbatíveis nas harmonias.

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O tema que aqui deixo para mostrar "Live At The Rainbow" é "White Queen (As It Began)" -  tema composto por Brian May e incluído no Side White (ou 1º lado) do álbum "Queen II". "White Queen" é um dos meus temas preferidos dos Queen e esta versão em específico, ao vivo no concerto de Novembro no Rainbow Theatre, é a minha preferida de sempre.
Isto é Queen em estado cru: 4 senhores apenas, vestidos de senhoras, a fazerem Rock.


segunda-feira, 15 de setembro de 2014

U2 - "The Miracle (Of Joey Ramone)"

"I woke up at the moment when the miracle had come"

Aviso prévio: Esta não é (mais) uma crítica ao novo álbum dos U2. Se quiserem categorizar este texto, chamem-lhe uma crítica às críticas ao novo álbum dos U2.

O assunto desta semana no mundo da música foi o lançamento do novo álbum de originais dos U2 - "Songs Of Innocence". Sempre (desesperadamente) polémicos, sempre (desesperadamente) revolucionários, sempre (desesperadamente) preocupados em não deixar ninguém indiferente, os U2 atiraram mais uma pedra no charco com o lançamento do seu novo álbum. Uma pedrada no charco resulta num efeito fixe, dá boas fotografias, mas o problema é que molha quem está à volta e quem fica de calças molhadas pode não achar piada.

A Apple (lê-se Apple e não EIpal; deixem-se disso, por favor) pagou (e bem) aos U2 e no dia 9 de Setembro ofereceu aos seus utilizadores o novo trabalho da banda irlandesa. A oferta do novo álbum não é uma estratégia original - já em 2007 os Radiohead o fizeram para promover "In Rainbows" - mas quem tinha a opção de downloads automáticos activada, acordou naquele dia com o álbum dos U2 na sua playlist. Mais que uma oferta, o álbum passou assim a ser uma imposição.
Numa época em que os melómanos podem gerar a sua própria rádio, o novo álbum dos U2 foi enfiado pela garganta abaixo de um público com cada vez menos paciência para estratégias de marketing intrusivas. Não foi a ideia mais brilhante.

De repente, o foco de atenção deslocou-se do novo trabalho dos U2, para o marketing utilizado para o promover e o assunto da ordem do dia deixou de ser aquilo que realmente importava - a música.
Todos querem falar, todos têm algo a dizer: uns atiram odes à genialidade de tal campanha, outros varrem o objecto indesejado que lhes foi posto em casa durante a noite, muitos aproveitam para vomitar todo o ódio que transpiram contra os U2, centrando a mira no seu alvo de eleição - Bono Vox.

Quando Bono se afirmou como um investidor e como um homem de negócios, comprou uma guerra com os puristas. Embora a música seja um negócio de milhões, os puristas ficam com a consciência mais tranquila quando se convencem que a arte não envolve dinheiro e que os artistas não se movem em função do seu trabalho, neste caso a música. Hipócritas.
E já nem falo nas ligações políticas de Bono, que também não lhe fizeram valer novos fãs e que é coisa que eu, pessoalmente, dispenso. Não é que eu não goste de ouvir músicos advogarem pela solidariedade social. Mas o que eu gosto mesmo é que falem sobre a condição humana. E os U2 fazem isso tão bem.

O problema dos U2 é a sua ânsia pela revolução, pela transformação, pela reinvenção. Ainda inebriados pela (brilhante) reinvenção que fizeram em "Acthung Baby" - já lá vão quase 25 anos - os U2 passaram o resto da sua carreira a tentar repetir o feito.
Embora os anos passem diabólicos por eles (e por todos nós), os U2 continuam a recusar o estatuto de dinossauros do rock e querem desesperadamente continuar a ser fixes, a ser relevantes. E isso pode ter tanto de aplaudível, como de irritante.

O facto que é que tornou-se moda bater nos U2. É fixe bater nos U2. (eu gosto mais de bater nos hipsters, nos puristas e nos outros hipócritas)
Como já vi escrito na net, o dia lançamento do novo álbum dos U2 foi "A Beautiful Day" for haters.

A popularidade dos U2 torna-os num alvo fácil. Se esta estratégia viesse do motor dos Radiohead, talvez fosse ultra-pioneiro-genial. Como são os U2, é ofensivo-intrusivo.
Desde que os U2 se tornaram um fenómeno de popularidade, não só musical (desde "The Joshua Tree"), como também cultural (desde "Achtung Baby"), que assim é. Os U2 mexem com muitos números - com muito público, com muitos discos, mas acima de tudo, com muito, muito dinheiro. E quem mexe com dinheiro é sempre olhado de lado, mesmo que nos dêem obras primas que nos engrandecem o quotidiano (deixem-se de merdas e de alternativismos; não me venham dizer que não há um único tema do (vasto) catálogo dos U2 que nunca tenha melhorado um dia das vossas vidas).

No meio disto tudo, o que me deixa irritado é que não se fale da música e que quando se fale, se remeta a uma referência em tom jocoso e irónico, anexada à análise da estratégia de marketing dos U2, essa sim, a notícia que interessa dissecar.
Porra, eu próprio já vou no 8º parágrafo e ainda não falei na música.

Falando na música... não vou falar ainda sobre "Songs Of Innocence". Pelo menos não em definitivo.
Só consigo fazer um crítica apropriada a um álbum após múltiplas audições e semanas, sei lá, meses de maturação. É preciso perspectiva.
Só depois do amadurecimento da música na alma é que eu consigo saber se ela deixa marca e se deixa, se a marca é doce, amarga ou insonsa.

Sim, eu sei: há álbuns que entram à primeira, ouvimo-lo uma vez e ficamos apaixonados. Mas nem todos são assim.
Eu adoro o "The Lamb Lies Down On Broadway", mas quem me disser que se perdeu por amores por Lamb à primeira audição, das duas, uma: ou é um grande aldrabão, ou é um tipo muito estranho.

Mas talvez por isso eu nunca serei um crítico musical.
Impressionam-me sempre as críticas definitivas ("tudo o que precisa saber sobre o álbum x está aqui!!!", assim, com vários pontos de exclamação) que saem umas horas depois do lançamento de um álbum e que as publicações estampam eternamente nos álbuns, após o crítico - esse ser suprassumístico da análise sonora - ouvir um trabalho uma única vez. Alguém teve que enterrar a cabeça na areia depois das 5 estrelas a "Be Here Now" dos Oasis, ou (no pólo oposto) do assassinato ao 1º e 2º álbuns dos Led Zeppelin, mas estes estão longe de ser dos piores exemplos. Até "Abbey Road" (sim, esse mesmo) dos The Beatles foi arrasado pela Rolling Stone.

Aliás, voltando aos U2, "Songs Of Innocence", o álbum foi 5 estrelas para a Rolling Stone, 3 estrelas para a Blitz e 4.6 (em 10) para a Pitchfork. Viva a subjectividade. E viva o hype. E já agora, viva a política.
Sim, política. Porque nisto das reviews, ter uma linha editorial para agradar ao target da revista é tudo.

Claro que 1 ou 2 audições já servem para dizer qualquer coisa sobre um trabalho, mas fazer uma avaliação definitiva? A música não é um sistema de equações. Adoro matemática, mas se a música fosse números, este blog não existiria.



Ah, sobre o álbum... Tenho que o ouvir mais vezes (quão irónico seria, se depois deste texto todo fizesse uma crítica ao álbum?). Não, não é o melhor álbum dos U2, não é um "The Joshua Tree", tão pouco um "Achtung Baby", mas também não será o pior. Há lá bom material.
E no fim do dia, o que é que preferem: um novo álbum dos U2, ou um novo álbum da Rihanna?

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

The Smiths - "How Soon Is Now?"

"When you say it's gonna happen "now", when exactly do you mean?"


A vida é dura para quem é impaciente.
Para quem não tem paciência, a vida arrasta-se como se a atmosfera fosse substituída por um denso colóide. Para quem não aprendeu a arte de esperar, o ar pesa como se a gravidade nos arrastasse para além dos 9.81 m/s2.

Os The Smiths falaram sobre isso no seu tour de force "How Soon Is Now?" - como alguém um dia descreveu, o "Stairway To Heaven" dos anos 80. Inicialmente lançado como o lado B do single "William, It Was Really Nothing" em 1984, o tema acabaria por ganhar tal notoriedade, que seria lançado em nome próprio em single no ano seguinte, sendo também incluído no álbum "Hatful Of Hollow".


Em "The Queen Is Dead", Morrissey diz que a vida é longa para quem está sozinho. Mas essa não é grande lição da discografia dos The Smiths.
A vida é longa, sim, mas a vida é mais longa, insuportavelmente mais longa, para quem é impaciente.
A insuportabilidade da espera é uma das temáticas fulcrais da discografia dos The Smiths. E é também uma das temáticas fulcrais da minha vida. Esperar é por demais insuportável.

Eu aprendi isso quando ficava horas à espera que a minha mãe surgisse através das portas brancas envidraçadas do infantário, para me salvar das malhas da monotonia, da solidão e das empregadas de limpeza - as únicas sobreviventes daquele espaço após as 5 da tarde.

Eu aprendi isso quando ficava horas à espera que a carrinha branca de caixa aberta do meu avô aparecesse ao fundo da avenida da escola; ansiando por aquele barulho inconfundível da caixa aberta a chocalhar no irregular piso empedrado; ansiando com o desespero de quem tem uma corda atada ao peito, que teima em atirar-me sucessivamente em direcção ao lancil, sozinho, enquanto passam casais de adolescentes agarrados como ímanes em juras de amor eterno, que durariam até ao fim do 3º período.
"And you leave on your own, and you go home, and you cry and you want to die"
Eu aprendi isso quando ficava horas a olhar para a pasta do inbox, a fazer refresh de 2 em 2 minutos, à espera da resposta dela - ela que era a mulher da minha vida (tinha eu a certeza na altura) - uma resposta àquele mail, que era o mais importante que eu alguma vez escrevera. E a porra da resposta nunca mais chegava... Acho que carreguei 10 mil vezes no F5 e nada. E depois, quando finalmente veio, umas insuportáveis 8 horas e 43 minutos depois... Eram só 2 parágrafos. E eu que tinha escrito o equivalente a 5 folhas A4, frente e verso... Tanto que eu tinha para dizer e tão pouco que me era dado em troca.
"I am Human and I need to be loved, just like everybody else does"
Eu aprendi isso quando ficava horas a olhar para ela - ela que era a mulher da minha vida (tinha eu a certeza na altura) - a vê-la dançar graciosamente na pista com a amiga feia, como se o planeta rodasse em torno do eixo do seu torso, ali ao fundo dos degraus em cima dos quais eu me situava, na ânsia de chamar a sua atenção. E esperava sempre por aquele tema mais electrizante dos U2, ou dos Simple Minds, para ganhar coragem e ir lá puxar a sua mão esquerda. Mas o momento certo, aquele momento em que ela olhava para mim e eu olhava para ela, num bingo de olhares, nunca mais chegava.
"You shut your mouth. How can you say I go about things the wrong way?"
Aprendi também que não estava sozinho no Mundo, quando ouvi a música dos The Smiths.
Poucas vezes me senti tão próximo das palavras escritas por outrem, como das de Morrissey. Ele sabe, tão bem como eu, como é insuportável esperar.
Dizem-me que a espera já não é longa, que vai acontecer "agora". Mas quando exactamente é que é "agora"?!

terça-feira, 29 de julho de 2014

Neil Young - "On The Beach"

"Though my problems are meaningless, that don't make them go away."



Já estou a dever meia dúzia de posts ao Neil Young. Mas tenho desculpa. Até há pouco tempo, vivi toda a minha vida oblívio à sua existência. Mas desde o inverno passado que acordei desta hibernação e ganhei uma obsessão pela sua música.
Conforme acontece frequentemente na minha relação com a música, ela vem ter comigo quando eu mais preciso, isto é, quando ela encaixa naquele momento específico que eu estou a viver. Foi isso que aconteceu com Neil Young.

"All my pictures are fallin' from the wall where I placed them yesterday."

A carreira de Neil Young é demasiado extensa no tempo e no volume para ser absorvida num ano, ou condensada num punhado de parágrafos.
Por isso não esperem aqui uma visão alargada sobre a mamutiana carreira de Neil. Nem eu tive tempo que me permita fazer essa análise.
Mas tive o tempo mais que suficiente para amadurecer um determinado período da carreira de Neil Young - o período que mais me fascinou quando comecei a pesquisar o seu trabalho - chamemos-lhe o período de glaciação de Neil Young.

Neil Young, no livrete de "Decade", sobre "Heart Of Gold"

"Heart Of Gold" e o respetivo álbum "Harvest" catapultaram Neil Young para o sucesso em 1972. "Harvest" está carregado de canções folk que ficam imediatamente no ouvido, quais êxitos instantâneos. É impossível não gostar de "Harvest". Desde "Old Man", passando pelo tema-título "Harvest", a balada "A Man Needs A Maid", o clássico "The Needle And The Damage Done" e claro, "Heart Of Gold", há neste álbum melodias em barda para agradar a todos. Cada tema conta uma história, valendo a Neil o epíteto de novo Bob Dylan.

Agora atentem à nota que Neil Young escreveu na compilação "Decade", sobre o seu maior êxito "Heart Of Gold" - o tema que lhe deu o sucesso que qualquer artista ambiciona: "This song put me in the middle of the road (...), so I headed for the ditch". Traduzindo: "Este tema pôs-me no meio da estrada, por isso eu dirigi-me para a valeta."
A valeta / fosso de que Neil Young fala é o período negro da sua vida, que foi berço do seu trabalho mais fascinante. O fosso prolongou-se durante 2 anos (1973/1974), tempo em que Neil lidou com a perda de alguns amigos para a droga, com os fantasmas do sucesso e o alheamento do Mundo que o rodeava.
Este período produziu 3 álbuns: "Time Fades Away", "Tonight's The Night" e "On The Beach" - popularmente agrupados e baptizados como a Ditch Trilogy (Trilogia do fosso), Doom trilogy (trilogia da condenação) ou como eu gosto de chamar: a trilogia da glaciação de Neil Young.
Glaciação, porque se dá o congelamento de Neil Young para com o Mundo à sua volta e tudo o que esperavam dele. É a completa alienação para com o exterior e o foco no que se passa nas profundezas da sua mente.

"I went to the radio interview, but I ended up alone at the microphone."

"Time Fades Away" foi o 1º da trilogia - um álbum ao vivo que documenta a digressão mais desastrosa da carreira de Neil (segundo o próprio). O álbum é o despiste em direcção ao fosso a que Neil Young se refere. Ao fim de 40 anos, "Time Fades Away" permanece sem voltar a ver a luz do dia, não tendo sequer sido lançado alguma vez em CD.

Se "Time Fades Away" foi o despiste para o fosso, "Tonight's The Night" - o 2º volume da trilogia - foi o desespero que sucede a tragédia. Cheio de pregos e desafinações, o álbum é um exercício de lamentação puro e cru. De tal forma que, quando acabou de gravar o álbum, Neil Young decidiu arquivá-lo e gravar o próximo.
O próximo seria "On The Beach".

"On The Beach" é assim o álbum que fecha a trilogia da glaciação de Neil Young e fecha numa nota que tem tanto de depressão, como de cinismo. Enquanto o título do álbum nos pode remeter para uma paisagem como esta:


...o conteúdo de "On The Beach" leva-nos para o interior da mente de Neil Young e revela um cenário bem diferente:


É a obra prima de Neil Young.
Inexplicavelmente, este álbum também não voltaria a ver a luz do dia até 30 anos depois do seu lançamento, quando foi finalmente lançado em CD em 2003. Mas isso evidencia a relação de amor-ódio que Neil Young terá com os álbuns que gravou no período mais negro da sua vida.

"Now I'm livin' out here on the beach, but those seagulls are still out of reach."

O desencanto (e congelamento) de Neil Young para com o Mundo é bem evidente por todo o álbum, mas ressoa-me especialmente no tema-título "On The Beach".
Embora Neil confesse o privilégio de viver na praia - isto é, de ter atingido o sucesso que todos os músicos desejam - as gaivotas que ele ambiciona continuam fora do seu alcance. E aposto que nem ele sabe muito bem quem são e o que lhe podem trazer essas gaivotas. Mas ele quere-as. Disso, ele sabe.


"I follow the road, though I don't know where it ends.
Get out of town, think I'll get out of town"

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Alice In Chains - "Them Bones"

"I believe them bones are me.
Some say we're born into the grave.
I've been so alone, gonna end up a big ol' pile o' them bones"

"Ha!!!...... Ha!!!...... Ha!!!......"  ...é com estes gritos, em prantos de quem está ao microfone debaixo de um chicote, que os Alice In Chains dão início ao seu 2º álbum "Dirt".
"Them Bones", como a maioria da discografia dos Alice, soa-me a isto:


A imagem em cima é uma fotografia de um combate de boxe, onde vemos a expressão de dor de um homem que leva um murro na cara. É disto que trata a música dos Alice In Chains - são representações de dor, de sofrimento.
Não havia, de certeza, melhor imagem para capa da colectânea "Greatest Hits" da banda:


É por demais evidente que os Alice In Chains levavam a sua música muito a sério. Tão a sério que roçavam a aversão ao mercado mais comercial. Os Alice eram demasiado mórbidos para serem do mainstream. E não digo mórbidos no sentido a que estamos habituados nas bandas de metal - eles não falam em entranhas expostas, nem no mau hálito do demo, ao som de grunhidos do vocalista e de mil notas por segundo do guitarrista.
Os Alice são mórbidos porque falam da morte, falam da dor e do sofrimento, falam de sentimentos reais. Eles não faziam música para agradar às massas, nem mesmo para os miúdos das camisas de flanela, que acharam piada aderir à moda do grunge. Os Alice faziam música porque sabiam o que é a  dor, o que é o sofrimento e queriam mostrar-nos alguma dessa dor e desse sofrimento, para que nós saibamos o que é também.

"I've been so alone, gonna end up a big ol' pile o' them bones"
Se havia veículo perfeito para passar esta mensagem, esse veículo era Layne Staley - o já falecido vocalista original da banda.
Layne Staley é a voz da morte. Se a morte tivesse uma voz, eu imagino-a como a voz do Layne Staley.

Não há esperança da voz arrastada de Layne, nem na música dos Alice In Chains. Não é como, por exemplo, os Pearl Jam, onde Eddie Vedder cantava sobre o pai que tinha morrido e nunca tinha conhecido, mas ao mesmo tempo exclamava a plenos pulmões que "Oooooh-aaaaaah-aah Ooh-ooh I'm still alive!", ou seja, que ainda estava vivo - há esperança ali. Não há nada disso nos Alice, aqui só há desolação, só há aridez.
Nomes de temas como "Rain When I Die", "Down In A Hole",  "Sea Of Sorrow", ou "We Die Young", falam por si.


Não gosto de bater sempre na mesma tecla, mas palavra que eu não entendo como é que os Nirvana é que foram a "cena" dos early 90's. Só entendo na perspectiva da "acessibilidade".
Por mais que eu esteja aqui a elevar a sua música, o apelo comercial dos Alice In Chains para as massas era diminuto. O sucesso que tiveram acabou por ser muito devido a terem surfado na onda dos Nirvana - banda que me parece em tantas coisas inferior aos Alice... e a muitas outras de Seattle.

terça-feira, 22 de julho de 2014

George Michael - "Let Her Down Easy"

"She still remembers you, the first boy that she gave it to. And she laughs at how little then she knew"


Nos últimos anos, George Michael tem-se dedicado a destruir a sua carreira e a sua vida, com argolada atrás de argolada. Na sua vida, houve várias detenções por posse de droga e condução sobre o efeito de álcool e drogas (George confessou que fumava 25 charros por dia), hábitos que culminaram na sua prisão, durante 4 semanas em 2010.
Na sua carreira, já há muito que não lança um álbum novo e a pouca música que temos ouvido é uma caricatura do artista que em tempos fora.
Desde quando é que se admite que um cantor com uma das melhores vozes do Mundo queira imitar a Rihanna e lance um tema em que a sua voz é praticamente imperceptível no meio de tanto tratamento electrónico (vulgo vocoder)? E ainda por cima fazendo uso de "True Faith" dos New Order - um dos melhores temas Synthpop dos anos 80? Eu digo: não é admissível.
Como classificou o jornal The Guardian, este terá sido "o pior single de caridade não-cómico de sempre". Ou então foi tudo a gozar, não sei.

Finalmente, parece que George Michael se deixou de merdas e (como diziam no Dragonballdecidiu passar a coisas sérias. Em Março de 2014, George decidiu lançar o álbum "Symphonica", gravado ao vivo entre 2011 e 2012, durante a sua Symphonica Tour - que eu tive o privilégio de presenciar em Madrid.


Se não contarmos com as compilações, "Symphonica" é o primeiro álbum de George Michael desde "Patience", lançado em 2004. Ainda assim, trata-se de um álbum ao vivo, pelo que já lá vão 10 anos desde o último álbum de originais e ainda não vimos nada nesse campo.
Em "Symphonica", George assume o seu lado crooner - papel que ele desempenha com mestria. Aliás, para mim, nem há outro como ele. Se compararmos com outros cantores em voga nesse género - como por exemplo, Michael Bublé - a conclusão a que chegamos é que George não só é o maior nesse campo, como ainda joga em muitos outros campos. Sendo mais concreto, para além de intérprete, também compõe. E tanto canta baladas, como temas Pop mais mexidos, ou até Rock. O maior.

Ao apostar nesta faceta, "Symphonica" mostra-nos uma das maiores paixões de George: cantar temas dos outros. Esta paixão foi sendo revelada ao longo dos anos, pelos vários covers que nos foi presenteando na sua carreira - em 1990 fez a Cover 2 Cover Tour, onde praticamente só cantava covers. Em "Symphonica" podemos ouvir nem mais nem menos 10 covers, num total de 17 temas (na versão física mais completa). É mais de metade do álbum.

George Michael dá voz a temas dos repertórios de Elton John ("Idol", do álbum "Blue Moves", de 1976), The Police ("Roxanne", do álbum "Outlandos d'Amour", de 1978), Nina Simone ("My Baby Just Cares For Me"), Rufus Wainwright ("Going To A Town", de 2007), Roberta Flack ("The First Time Ever I Saw Your Face", canção de Evan MacColl, lançada por Peggy Seeger em 1957), Terence Trent D'Arby ("Let Her Down Easy", do álbum "Symphony or Damn" de 1993), entre outros.

O primeiro single do álbum foi precisamente este "Let Her Down Easy", do norte-americano Terence Trent D'Arby (que agora quer ser conhecido como Sananda Maitreya). A faixa do vídeo em cima é diferente da que ouvimos no álbum, uma vez que, segundo George, a rádio se recusava a passar o tema se não fosse totalmente removido o ruído do público, defendendo que a faixa vocal foi gravada ao vivo e está intacta. Se assim é - e o eco que ouvimos no tema deixa escapar que foi mesmo gravada numa sala ampla e não em estúdio - então aqui está a prova que George Michael ainda está em grande forma.
Pena que seja apenas uma amostra. Quero tanto ouvir mais de ti, George. Sem merdas.

"Let her down easy and you'll grow up in time"

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Soundgarden - "Let Me Drown"

"So let it go, let it go, let it go, won't you let it?"


Os Soundgarden apresentaram-se no Hyde Park, na tarde de 4 de Julho, para aquela que seria a última data de uma digressão europeia conjunta com os Black Sabbath. "It's nice to see so many people here" ("É bom ver tanta gente aqui"), começou por dizer Chris Cornell, antes do início do concerto; "Well, maybe you're here to see Black Sabbath. But that's ok, we're here for Sabbath too!" ("Bem, talvez estejam aqui para ver os Black Sabbath. Mas não faz mal, nós estamos aqui para os Sabbath também!"), aventou de seguida.
E depois Chris revelou o que aí vinha durante a próxima hora e meia: "We just decided 15 minutes ago that we're gonna do something for the last time, which we only did twice before. We're gonna play the album "Superunknown" in its entirety." ("Acabámos de decidir há 15 minutos que vamos fazer pela última vez algo que só fizemos 2 vezes no passado. Vamos tocar o álbum "Superunknown" na íntegra.")
E depois rebentou as gigantescas colunas de som, dispostas entre as árvores que adornavam o palco, com "Let Me Drown" - tema de abertura de "Superunknown" e o meu preferido dos Soundgarden.

Loucura.


"Superunknown" comemora este ano o seu 20º aniversário com pompa e circunstância, tendo sido lançada uma caixa de luxo (daquelas que eu adoro), com 5 discos de demos, lados B e o álbum em versão multi-canal. Ainda não a tenho na minha colecção, mas vontade não me falta.


"Superunknown" é de uma qualidade e uma solidez excepcionais. Lançado em 1994, numa altura em que era difícil fazer um álbum sólido, uma vez que estavam formatados para a duração de CD e eram muito mais longos, os Soundgarden conseguiram esta façanha.
Na minha opinião, é somente um dos melhores álbuns dos anos 90.
Como dizia um jornal exposto num quiosque londrino no dia 5 de Julho: "Superunknown should be super known"; ou seja, o álbum "Superunknown" deveria ser super conhecido. Este é, de facto, o melhor sumário possível do concerto dos Soundgarden que acontecera no dia anterior e da magnitude que o álbum representa, 20 anos depois do seu lançamento.
""Superunknown" is a hugely influential record. Soundgarden achieved a giant feat."
Mike McCready - guitarrista dos Pearl Jam

Mike McCready - guitarrista dos Pearl Jam e amigo dos Soundgarden, desde os tempos das garagens de Seattle - apareceu para tocar o tema título de "Superunknown" e não se poderia mostrar mais efusivo. Como que numa (feliz) reunião com os amigos do liceu, ele estava ali com tanto ou mais prazer que a audiência. Pareceu-me até que ele ficou desiludido quando acabou o tema e ele foi obrigado a sair de palco.

Como bónus para este concerto, tivemos ainda a presença de Matt Cameron na bateria. Matt Cameron é o baterista original da banda, mas juntou-se aos Pearl Jam quando os Soundgarden se separaram no fim dos anos 90. Quem andava agora em digressão com a banda era Matt Chamberlain - antigo baterista dos Pearl Jam. Como os calendários de ambas as bandas se juntaram na Europa, juntou-se o útil ao agradável. Bem, agradável, não sei. Na verdade, os Pearl Jam tocavam na noite anterior na Polónia e na noite a seguir na Bélgica, mas para isso é que servem os aviões.

Muito haveria para dizer sobre a dinâmica entre os Pearl Jam, os Soundgarden, os Mother Love Bone, os Temple Of The Dog e uma série de outras bandas de Seattle daquela geração, mas isso ficará para outra vez. Se quiserem uma visão mais profunda sobre o assunto, vejam o excelente documentário sobre a carreira dos Pearl Jam "Twenty", realizado por Cameron Crowe, que lança um fascinante olhar sobre Seattle do início dos anos 90 - a panela de pressão que deu ao Mundo aquilo que conhecemos como o grunge.

De todas as bandas de Seattle desta geração, os Soundgarden são a melhor; e com alguma distância. Aqui, já estou a considerar todas as que referi em cima, bem como bandas como os Alice In Chains e os Nirvana.
São a melhor banda porque têm as melhores, mais complexas e mais diversificadas composições e têm também o melhor vocalista. A sério, ouçam o Chris Cornell nos álbuns "Badmotorfinger" e "Superunknown" e digam-me se o homem não é um prodígio vocal. E nem me falem em comparações com o maior ícone da cena de Seattle - Kurt Cobain - porque nem há comparação possível. "Estilos diferentes", dir-me-ão. Pois, mas mesmo nesse estilo mais arrastado, Layne Staley dos Alice In Chains dá o bigode a Kurt. (eu sei que estou a comprar uma guerra com os fãs dos Nirvana)


Por falar em Chris Cornell, será que o homem não envelhece? Fez ontem 50 anos e parece que está na casa dos 30. Incrível. Até a sua voz, que pagou um preço alto pelas digressões exaustivas de Chris com os Soundgarden e os Audioslave, estava em grande forma.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Joy Division - "Isolation"

"Surrendered to self preservation, from others who care for themselves"


Hoje vou pegar num tema dos Joy Division sobre a solidão e da introspecção - um exercício que todos deveríamos fazer (neste caso, eventualmente ajudado por drogas), para falar de algo que aparentemente não tem a ver com música. Mas tem. Trago-vos um artigo/discurso sobre psicologia cognitiva, que me fez reflectir sobre a minha própria mentalidade e estados de alma.
É longo, mas aguentem com o David Foster Wallace até ao fim, que vale a pena.
Desculpem a falta de tradução. Se não perceberem inglês, saltem directamente para o fim da página.




"There are these two young fish swimming along, and they happen to meet an older fish swimming the other way, who nods at them and says, "Morning, boys, how's the water?" And the two young fish swim on for a bit, and then eventually one of them looks over at the other and goes, "What the hell is water?"

If at this moment, you're worried that I plan to present myself here as the wise old fish explaining what water is to you younger fish, please don't be. I am not the wise old fish. The immediate point of the fish story is that the most obvious, ubiquitous, important realities are often the ones that are the hardest to see and talk about. Stated as an English sentence, of course, this is just a banal platitude -- but the fact is that, in the day-to-day trenches of adult existence, banal platitudes can have life-or-death importance. That may sound like hyperbole, or abstract nonsense.

A huge percentage of the stuff that I tend to be automatically certain of is, it turns out, totally wrong and deluded. Here's one example of the utter wrongness of something I tend to be automatically sure of: Everything in my own immediate experience supports my deep belief that I am the absolute center of the universe, the realest, most vivid and important person in existence. We rarely talk about this sort of natural, basic self-centeredness, because it's so socially repulsive, but it's pretty much the same for all of us, deep down. It is our default-setting, hard-wired into our boards at birth. Think about it: There is no experience you've had that you were not at the absolute center of. The world as you experience it is right there in front of you, or behind you, to the left or right of you, on your TV, or your monitor, or whatever. Other people's thoughts and feelings have to be communicated to you somehow, but your own are so immediate, urgent, real -- you get the idea. But please don't worry that I'm getting ready to preach to you about compassion or other-directedness or the so-called "virtues." This is not a matter of virtue -- it's a matter of my choosing to do the work of somehow altering or getting free of my natural, hard-wired default-setting, which is to be deeply and literally self-centered, and to see and interpret everything through this lens of self.

People who can adjust their natural default-setting this way are often described as being "well adjusted," which I suggest to you is not an accidental term.

Given the triumphal academic setting here, an obvious question is how much of this work of adjusting our default-setting involves actual knowledge or intellect. This question gets tricky. Probably the most dangerous thing about college education, at least in my own case, is that it enables my tendency to over-intellectualize stuff, to get lost in abstract arguments inside my head instead of simply paying attention to what's going on right in front of me. Paying attention to what's going on inside me. As I'm sure you guys know by now, it is extremely difficult to stay alert and attentive instead of getting hypnotized by the constant monologue inside your own head. Twenty years after my own graduation, I have come gradually to understand that the liberal-arts cliché about "teaching you how to think" is actually shorthand for a much deeper, more serious idea: "Learning how to think" really means learning how to exercise some control over how and what you think. It means being conscious and aware enough to choose what you pay attention to and to choose how you construct meaning from experience. Because if you cannot exercise this kind of choice in adult life, you will be totally hosed. Think of the old cliché about "the mind being an excellent servant but a terrible master." This, like many clichés, so lame and unexciting on the surface, actually expresses a great and terrible truth. It is not the least bit coincidental that adults who commit suicide with firearms almost always shoot themselves in the head. And the truth is that most of these suicides are actually dead long before they pull the trigger. And I submit that this is what the real, no-bull- value of your liberal-arts education is supposed to be about:
How to keep from going through your comfortable, prosperous, respectable adult life, dead, unconscious, a slave to your head and to your natural default-setting of being uniquely, completely, imperially alone, day in and day out.


That may sound like hyperbole, or abstract nonsense. So let's get concrete. The plain fact is that you graduating seniors do not yet have any clue what "day in, day out" really means. There happen to be whole large parts of adult American life that nobody talks about in commencement speeches. One such part involves boredom, routine, and petty frustration. The parents and older folks here will know all too well what I'm talking about.

By way of example, let's say it's an average day, and you get up in the morning, go to your challenging job, and you work hard for nine or ten hours, and at the end of the day you're tired, and you're stressed out, and all you want is to go home and have a good supper and maybe unwind for a couple of hours and then hit the rack early because you have to get up the next day and do it all again. But then you remember there's no food at home -- you haven't had time to shop this week, because of your challenging job -- and so now after work you have to get in your car and drive to the supermarket. It's the end of the workday, and the traffic's very bad, so getting to the store takes way longer than it should, and when you finally get there the supermarket is very crowded, because of course it's the time of day when all the other people with jobs also try to squeeze in some grocery shopping, and the store's hideously, fluorescently lit, and infused with soul-killing Muzak or corporate pop, and it's pretty much the last place you want to be, but you can't just get in and quickly out: You have to wander all over the huge, overlit store's crowded aisles to find the stuff you want, and you have to maneuver your junky cart through all these other tired, hurried people with carts, and of course there are also the glacially slow old people and the spacey people and the ADHD kids who all block the aisle and you have to grit your teeth and try to be polite as you ask them to let you by, and eventually, finally, you get all your supper supplies, except now it turns out there aren't enough checkout lanes open even though it's the end-of-the-day-rush, so the checkout line is incredibly long, which is stupid and infuriating, but you can't take your fury out on the frantic lady working the register.

Anyway, you finally get to the checkout line's front, and pay for your food, and wait to get your check or card authenticated by a machine, and then get told to "Have a nice day" in a voice that is the absolute voice of death, and then you have to take your creepy flimsy plastic bags of groceries in your cart through the crowded, bumpy, littery parking lot, and try to load the bags in your car in such a way that everything doesn't fall out of the bags and roll around in the trunk on the way home, and then you have to drive all the way home through slow, heavy, SUV-intensive rush-hour traffic, etcetera, etcetera.

The point is that petty, frustrating crap like this is exactly where the work of choosing comes in. Because the traffic jams and crowded aisles and long checkout lines give me time to think, and if I don't make a conscious decision about how to think and what to pay attention to, I'm going to be pissed and miserable every time I have to food-shop, because my natural default-setting is the certainty that situations like this are really all about me, about my hungriness and my fatigue and my desire to just get home, and it's going to seem, for all the world, like everybody else is just in my way, and who are all these people in my way? And look at how repulsive most of them are and how stupid and cow-like and dead-eyed and nonhuman they seem here in the checkout line, or at how annoying and rude it is that people are talking loudly on cell phones in the middle of the line, and look at how deeply unfair this is: I've worked really hard all day and I'm starved and tired and I can't even get home to eat and unwind because of all these stupid g-d- people.

Or, of course, if I'm in a more socially conscious form of my default-setting, I can spend time in the end-of-the-day traffic jam being angry and disgusted at all the huge, stupid, lane-blocking SUV's and Hummers and V-12 pickup trucks burning their wasteful, selfish, forty-gallon tanks of gas, and I can dwell on the fact that the patriotic or religious bumper stickers always seem to be on the biggest, most disgustingly selfish vehicles driven by the ugliest, most inconsiderate and aggressive drivers, who are usually talking on cell phones as they cut people off in order to get just twenty stupid feet ahead in a traffic jam, and I can think about how our children's children will despise us for wasting all the future's fuel and probably screwing up the climate, and how spoiled and stupid and disgusting we all are, and how it all just sucks, and so on and so forth...

Look, if I choose to think this way, fine, lots of us do -- except that thinking this way tends to be so easy and automatic it doesn't have to be a choice. Thinking this way is my natural default-setting. It's the automatic, unconscious way that I experience the boring, frustrating, crowded parts of adult life when I'm operating on the automatic, unconscious belief that I am the center of the world and that my immediate needs and feelings are what should determine the world's priorities.
The thing is that there are obviously different ways to think about these kinds of situations.
In this traffic, all these vehicles stuck and idling in my way: It's not impossible that some of these people in SUV's have been in horrible auto accidents in the past and now find driving so traumatic that their therapist has all but ordered them to get a huge, heavy SUV so they can feel safe enough to drive; or that the Hummer that just cut me off is maybe being driven by a father whose little child is hurt or sick in the seat next to him, and he's trying to rush to the hospital, and he's in a way bigger, more legitimate hurry than I am - it is actually I who am in his way. Or I can choose to force myself to consider the likelihood that everyone else in the supermarket's checkout line is just as bored and frustrated as I am, and that some of these people probably have much harder, more tedious or painful lives than I do, overall.


Again, please don't think that I'm giving you moral advice, or that I'm saying you're "supposed to" think this way, or that anyone expects you to just automatically do it, because it's hard, it takes will and mental effort, and if you're like me, some days you won't be able to do it, or you just flat-out won't want to. But most days, if you're aware enough to give yourself a choice, you can choose to look differently at this fat, dead-eyed, over-made-lady who just screamed at her little child in the checkout line -- maybe she's not usually like this; maybe she's been up three straight nights holding the hand of her husband who's dying of bone cancer, or maybe this very lady is the low-wage clerk at the Motor Vehicles Dept. who just yesterday helped your spouse resolve a nightmarish red-tape problem through some small act of bureaucratic kindness. Of course, none of this is likely, but it's also not impossible -- it just depends on what you want to consider. If you're automatically sure that you know what reality is and who and what is really important -- if you want to operate on your default-setting -- then you, like me, will not consider possibilities that aren't pointless and annoying. But if you've really learned how to think, how to pay attention, then you will know you have other options. It will actually be within your power to experience a crowded, loud, slow, consumer-hell-type situation as not only meaningful but sacred, on fire with the same force that lit the stars - compassion, love, the sub-surface unity of all things. Not that that mystical stuff's necessarily true: The only thing that's capital-T True is that you get to decide how you're going to try to see it. You get to consciously decide what has meaning and what doesn't. You get to decide what to worship...

Because here's something else that's true. In the day-to-day trenches of adult life, there is actually no such thing as atheism. There is no such thing as not worshipping. Everybody worships. The only choice we get is what to worship. And an outstanding reason for choosing some sort of God or spiritual-type thing to worship -- be it J.C. or Allah, be it Yahweh or the Wiccan mother-goddess or the Four Noble Truths or some infrangible set of ethical principles -- is that pretty much anything else you worship will eat you alive. 
If you worship money and things -- if they are where you tap real meaning in life - then you will never have enough. Never feel you have enough. It's the truth. 
Worship your own body and beauty and sexual allure and you will always feel ugly, and when time and age start showing, you will die a million deaths before they finally plant you. 
On one level, we all know this stuff already -- it's been codified as myths, proverbs, clichés, bromides, epigrams, parables: the skeleton of every great story. The trick is keeping the truth up-front in daily consciousness. 
Worship power - you will feel weak and afraid, and you will need ever more power over others to keep the fear at bay. 
Worship your intellect, being seen as smart - you will end up feeling stupid, a fraud, always on the verge of being found out. And so on.

Look, the insidious thing about these forms of worship is not that they're evil or sinful; it is that they are unconscious. They are default-settings. They're the kind of worship you just gradually slip into, day after day, getting more and more selective about what you see and how you measure value without ever being fully aware that that's what you're doing. And the world will not discourage you from operating on your default-settings, because the world of men and money and power hums along quite nicely on the fuel of fear and contempt and frustration and craving and the worship of self. Our own present culture has harnessed these forces in ways that have yielded extraordinary wealth and comfort and personal freedom. The freedom to be lords of our own tiny skull-sized kingdoms, alone at the center of all creation. This kind of freedom has much to recommend it. But of course there are all different kinds of freedom, and the kind that is most precious you will not hear much talked about in the great outside world of winning and achieving and displaying. 
 
The really important kind of freedom involves attention, and awareness, and discipline, and effort, and being able truly to care about other people and to sacrifice for them, over and over, in myriad petty little unsexy ways, every day. 
That is real freedom. 
The alternative is unconsciousness, the default-setting, the "rat race" - the constant gnawing sense of having had and lost some infinite thing.


I know that this stuff probably doesn't sound fun and breezy or grandly inspirational. What it is, so far as I can see, is the truth with a whole lot of rhetorical bullshit pared away. Obviously, you can think of it whatever you wish. But please don't dismiss it as some finger-wagging Dr. Laura sermon. None of this is about morality, or religion, or dogma, or big fancy questions of life after death. The capital-T Truth is about life before death. It is about making it to 30, or maybe 50, without wanting to shoot yourself in the head. It is about simple awareness - awareness of what is so real and essential, so hidden in plain sight all around us, that we have to keep reminding ourselves, over and over: "This is water, this is water."

It is unimaginably hard to do this, to stay conscious and alive, day in and day out."
David Foster Wallace - discurso para a turma de finalistas no Kenyon College em 2005 



Se chegaram até aqui, então já passaram a primeira fase da percepção deste problema da mentalidade predefinida, que se chama egocentrismo. Interessaram-se.
Tal como David Foster Wallace, eu não vou condenar o vosso grau de egocentrismo, nem a queda nas ratoeiras das formas de pensar que nos são impostas. Não estou numa posição de o fazer.
Mas como um eterno curioso e fascinado pela condição humana, posso, também eu, dissertar um pouco sobre um assunto.

Antes de mais, importa perceber quem foi David Foster Wallace. Wallace foi um escritor e professor de literatura americano, que focou a sua obra na dissecação das relações humanas, no contexto da sociedade actual (esta definição é minha e baseada no que eu li de Wallace. Sintam-se à vontade para me contradizer, se for o caso).
Eu disse foi?! Pois. Apesar de ser um estudioso da condição humana, da introspecção e da auto-consciência (não uso a palavra especialista, porque... quem é especialista disto?), Wallace suicidou-se aos 46 anos. Enforcamento, na sequência de uma depressão profunda.
E isto já diz muito acerca da complexidade e - arrisco dizer - do perigo, que é lidar com estas questões da mente e da auto-consciência.

Enquanto eu consigo ver que ele tem toda a razão em vários aspectos, nomeadamente na predefinição egotista das nossas vidas, eu vou abrir aqui um paradoxo e aplicar isto à minha própria vida.
Há neste discurso muito coisa em que eu, como adulto escravo da minha própria rotina, me revejo. 

Aquele cenário do dia-a-dia (day in/day out), que Wallace tão bem pinta, faz parte da minha vida e eu não lhe posso fugir. O trânsito, as filas de espera, a obrigação de lidar com idiotas e gente que eu naquele momento desejo ver atropelada por um autocarro da Carris.
A liberdade de fugirmos aos clichés e ao egocentrismo é nobre, mas neste mundo-cão, onde muitas vezes nem as pessoas que amamos se preocupam connosco, se não formos nós a olhar por nós, quem será?
Pela minha parte, tento manter um equilíbrio e viver a minha vida usando sempre um sorriso na cara, sempre que interajo com outra pessoa. Porque nunca se sabe o drama que existe do outro lado.  E um sorriso pode ser suficiente para o dia desse transeunte subir 2 ou 3 preciosos pontos.

O que Wallace propõe no seu discurso é a liberdade de pensamento. Mas é uma liberdade que significa que sejamos senhores e legisladores da nossa própria mente, sem seguir a manada, nem os julgamentos predefinidos.
Este conceito de arrumo da mente implica uma premissa tão importante quanto perigosa: o esvaziamento da mente.
Sim, porque todos os conceitos do status quo, que formam o que chamamos de senso comum, são a barra rígida que confere alguma inércia à nossa cabeça. Falo daquelas mentiras que nos dão segurança, que nos fazem levantar dia-após-dia (day in/day out). Falo daquelas mentiras que nos dizemos todos os dias, em como tudo vai correr como queremos, em como algum(a) salvador(a) nos vem livrar da nossa vida e dos nossos problemas.

Ao escolhermos este realismo e este pragmatismo niilista, estas fantasias desvanecem da nossa cabeça. Em suma, esvaziamos a cabeça.
Mas... será que isso é bom? Será que é isso que queremos?
Se não pensarmos no dia da nossa salvação, enquanto estamos naquele cenário dantesco da fila espera, então em que pensamos?
Onde é que está a corda de salvação, quando o nosso barco abana? Nos valores, dir-me-ão. Mas será que isto chega?
Muitas perguntas para respostas que não têm norma. Ficam ao critério de cada um.

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No que à liberdade de pensamento diz respeito, eu uso muito isto: encho a minha cabeça de música.
Evito ver os noticiários, que só dão desgraças; evito conversas sobre os modos de vida de outrem; evito submeter-me a lições sobre como chegar ao poder; ou ter muito dinheiro; ou ter muitas mulheres; e encho o depósito com a mangueira da música.

A minha cabeça é uma jukebox que toca em regime contínuo. Em qualquer situação do quotidiano, estou sempre a ouvir a minha música. Mesmo quando me é imposta a música dos outros. Pode até nem ser a música mais uplifting (muitas vezes não é), mas é uma corda onde eu me seguro.
Pode até ser depressivo e estar a puxar-me para baixo, mas enquanto desço, vou sempre agarrado à corda.

O conceito da corda é interessante.

Um dia saí com uma miúda muito fixe, muito bonita, com uma personalidade parecida com a minha e com quem eu acho que faria um promissor casal. Mas tínhamos um problema fatal: não partilhávamos a mesma corda. Nem é bem o facto de não partilharmos a mesma corda, é mesmo ela abominar a minha corda. Um pouco como eu abomino a dela, valha a verdade.
Faltou dizer que a minha corda é a música Rock e a corda dela é a música electrónica.

E isto é uma grande merda, porque eu sei que nunca vou ultrapassar isto e provavelmente ela pensa o mesmo. Estas cordas são ferramentas essenciais do nosso subconsciente e é impossível atar a nossa corda com a corda de alguém que não a reconhece.

Mas já estou a divagar. Ficou o exemplo prático.

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Voltando ao assunto do tópico, ao desafiar o estado predefinido da nossa mente, nós assumimos o risco da criação de um vazio. Esse vazio pode ser preenchido com uma qualquer corda, ou um qualquer messias (seja Deus, dinheiro, poder, o Benfica, uma mulher, ou apenas música) que, como ele referiu - e bem - nos vai comer vivos. Ou então fica apenas o vazio.

No caso de David Foster Wallace, não sei se foi o vazio, não sei se foi um messias, mas a verdade é que deixou que um destes levasse a melhor e suicidou-se.
Por isso, atenção a seguir os seus conselhos. Eles são pertinentes, mas interiorizem-nos com cuidado.



Quem também tinha a corda da música era Ian Curtis dos Joy Division - outro partidário da introspecção e da auto-consciência. Como é que ele morreu? Pois, suicídio. E como é que ele se suicidou? Pois, enforcamento.

A nossa mente é um lugar muito perigoso.