terça-feira, 26 de março de 2013

Tears For Fears - "The Hurting"

"Is it an horrific dream? Am I sinking fast?"


Um rapaz descalço, a chorar, no vazio. Foi assim que os Tears For Fears se deram a conhecer ao Mundo em 1983:


"Could you understand a child, when he cries in pain?"

É esta a capa de "The Hurting", o 1º álbum dos Tears For Fears. Uma imagem que assenta na perfeição ao nome da banda (Tears For Fears - lágrimas para medos), ao título do álbum ("The Hurting" - a mágoa) e, mais que tudo, ao conteúdo do álbum.

"The Hurting" é um dos álbuns mais depressivos que já ouvi. Corrijo: é o álbum mais maravilhosamente depressivo que já ouvi. É um mergulho na escuridão da psique de 2 recém-adultos (tanto Roland Orzabal como Curt Smith tinham 21 anos, à data de lançamento de "The Hurting"), a carpir mágoas de infâncias dolorosas.

Roland e Curt inspiraram-se largamente na terapia de Arthur Janov (psicólogo/psicoterapeuta), cujo livro "The Primal Scream" ("A terapia primal") deu, inclusivamente, o nome à banda. Em "The Primal Scream", Janov defende que os traumas de infância deveriam ser tratados, incitando o paciente a expressar, sentir, e relembrar as dores outrora reprimidas.
O álbum "The Hurting" é isto. Terapia primal, em música.

"Learn to cry like a baby, then the hurting won't come back"

A componente da psicologia e a influência de Arthur Janov é tão forte e tão ampla por todo o álbum, que "The Hurting" aproxima-se do modelo clássico do "álbum conceptual". Neste caso, um álbum conceptual sobre depressão.

A roupa que veste este difícil conceito é sui generis. Em vez dos trejeitos góticos, mais apoiados no Rock, do Post-Punk / Urbano-depressivo em voga na altura (para as bandas que abordavam estas temáticas), os Tears For Fears preferiram experimentar com os sintetizadores, numa produção mais New Wave.

Mas estabeleça-se agora um paralelismo entre "The Hurting" e, por exemplo, o que faziam os Duran Duran ou os Simple Minds, duas bandas referência do New Wave na época, no UK. Em ambos casos, este tipo de produção é utilizada para conferir um estilo atraente e upbeat. Já em "The Hurting", os sintetizadores são aplicados para sugerir ao ouvinte uma ambiente de drama e angústia. E nem assim deixa de ser lindíssimo, nem assim deixa de dar prazer ao ouvinte.

Ouçam "The Hurting" e experimentem mergulhar na sua essência. Prestem atenção às letras e aos arranjos sonoros, numa rara simbiose entre a electrónica e a guitarra acústica. É um álbum maravilhosamente depressivo.

"Could you see my pain? Could you please explain the hurting?"

"The Hurting" fez este mês 30 anos. Para comemorar a data, os Tears For Fears lançaram (finalmente!) o seu website e a sua página no Facebook, onde deixaram o seguinte anúncio:

"Thanks for an amazing 30 years. This year is gonna be a big one. Get ready!"
Curt Smith e Roland Orzabal


O que é que Curt e Roland querem dizer com isto? Não faço a mínima ideia. Uma coisa parece certa: terá algo a ver com "The Hurting".
Será uma digressão mundial para relembrar o álbum de 1983? Ou será uma edição especial, daquelas que eu adoro, cheia de extras e coisas boas, para comemorar a data?

O excelente site The Second Disc já fez uma previsão do que poderia sair numa edição especial de "The Hurting". Eu pego na sugestão do site, mas se é para pedir, eu vou mais longe:

Tears For Fears - "The Hurting [30th Anniversary Edition]" (2013)

Disco 1: Álbum original (1983) + Lados B
1. "The Hurting" (4:20)
2. "Mad World" (3:55)
3. "Pale Shelter" (4:34)
4. "Ideas As Opiates" (3:46)
5. "Memories Fade" (5:08)
6. "Suffer the Children" (3:53)
7. "Watch Me Bleed" (4:18)
8. "Change" (4:15)
9. "The Prisoner" (2:55)
10. "Start of the Breakdown" (5:00)
11. "Wino" [Lado B de “Suffer the Children”] (2:17)
12. "Saxophones As Opiates" [Lado B de “Mad World”] (3:54)
13. "The Conflict" [Lado B de “Change”] (4:02)
14. "We Are Broken" [Lado B de  "Pale Shelter (You Don’t Give Me Love)"] (4:03)

Disco 2: Singles (1981-1983)
1. "Suffer the Children" [Single Version] (3:36)
2. "Change (New Version)" (4:33)
3. "Suffer the Children [Remix]" (4:15)
4. "Suffer the Children [Instrumental]" (4:26)
5. "Pale Shelter (You Don’t Give Me Love)" [Single Version] (3:55)
6. "The Prisoner [Single Version]" (2:40)
7. "Pale Shelter (You Don’t Give Me Love) [Extended Version]"  (6:25)
8. "Change [Extended Version]" (5:54)
9. "Mad World [World Remix]" [Lado B de  "Pale Shelter"] (3:30)
10. "Ideas As Opiates [Single Version]" [Lado B de  "Pale Shelter"] (3:54)
11. "Pale Shelter [New Extended Version]" (6:41)
12. "Change [Live in Oxford]" (4:36)
13. "Start of the Breakdown [Live in Oxford]" (5:53)
14. "The Way You Are [Extended Version]" (7:33)

Disco 3: Live
"BBC In Concert":
1. "Memories Fade" [BBC In Concert - Live at Hammersmith Palais] (6:01)
2. "The Way You Are" [BBC In Concert - Live at Hammersmith Palais] (5:21)
3. "Suffer the Children" [BBC In Concert - Live at Hammersmith Palais] (4:53)
4. "Pale Shelter" [BBC In Concert - Live at Hammersmith Palais] (6:47)
5. "Ideas As Opiates" [BBC In Concert - Live at Hammersmith Palais] (3:46)
6. "Mad World" [BBC In Concert - Live at Hammersmith Palais] (3:42)
7. "Watch Me Bleed" [BBC In Concert - Live at Hammersmith Palais] (4:14)
8. "Change" [BBC In Concert - Live at Hammersmith Palais] (4:43)
9. "Start of the Breakdown" [BBC In Concert - Live at Hammersmith Palais] (6:28)
10. "The Hurting" [BBC In Concert - Live at Hammersmith Palais] (4:09)
Kid Jensen Sessions:
11. "Start Of The Breakdown" [Jensen Session] (3:45)
12. "The Hurting" [Jensen Session] (3:47)
13. "Memories Fade" [Jensen Session] (4:21)
John Peel Sessions:
14. "Ideas As Opiates" [14/08/1982 Peel Session] (3:51)
15. "The Hurting" [14/08/1982 Peel Session] (3:51)
16. "Suffer The Children" [14/08/1982 Peel Session] (4:00)
17. "The Prisoner" [14/08/1982 Peel Session]

Disco 4: DVD - "In My Mind’s Eye" + Videoclips
"In My Mind's Eye":
1. "Start of the Breakdown"
2. "Mothers Talk"
3. "Pale Shelter"
4. "The Working Hour"
5. "The Prisoner"
6. "Ideas As Opiates"
7. "Mad World"
8. "We Are Broken"
9. "Head Over Heels"
10. "Suffer the Children"
11. "The Hurting"
12. "Memories Fade"
13. "Change"
Videoclips:
1. "Mad World"
2. "Change"
3. "Pale Shelter"
4. "Mad World" (Top of the Pops, 1982)
5. "Pale Shelter" (Top of the Pops, 1983)
Disco 5: DVD - Rockpalast (Sartory-Säle Köln 12.05.1983)
1. "Memories Fade"
2. "The Way You Are"
3. "Suffer the Children"
4. "Pale Shelter"
5. "The Prisoner"
6. "Ideas As Opiates"
7. "The Hurting"
8. "Mad World"
9. "Watch Me Bleed"
10. "Change"
11. "Start of the Breakdown"
12. "Mad World"
13. "Pale Shelter"

Sonhar não custa, pois não?

segunda-feira, 25 de março de 2013

Blur - "Tender"

"Love's the greatest thing that we have"


"I hate that Alex [James] and Damon [Albarn]. I hope they catch AIDS and die."
Noel Gallagher - guitarrista dos Oasis, em entrevista para o The Observer (1995)


"I can't make up with Noel. Britpop would be over!"
Damon Albarn - vocalista dos Blur (2007)

O dia em que a Britpop morreu? Foi no último Sábado, 23 de Março de 2013, que se enterrou definitivamente o machado entre os Oasis e os Blur, em pleno Royal Albert Hall - sala emblemática de Londres, cidade onde a rivalidade entre as bandas foi alimentada nos últimos 20 anos, dentro das redacções da NME e outras publicações musicais do género.

A rivalidade entre os Oasis e os Blur está já bem documentada (inclusivamente aqui no blog), atingindo o seu pináculo em Agosto de 1995, com a "Batalha do Britpop". Acusações e insultos foram trocados; jornais, revistas e muitos, muitos discos foram vendidos. Milhões deles. O fenómeno foi brilhantemente capitalizado pela "indústria" discográfica britânica e a febre foi transmitida para (quase) todo o Mundo. (menos os EUA, que estavam ainda a levar com doses industriais de Grunge e depois passaram directamente para o fenómeno das Boysband / Girlsband dos late 90's e assim saltaram o melhor dos anos 90... o Britpop)

A relação entre Damon e Noel foi amenizando com os anos e terá sido alegadamente sanada depois de um encontro fortuito num bar, onde terão trocado piadas sobre o fenómeno que os juntou e terão chegado à conclusão de que o que os une é muito maior do que os separa.

A reconcialiação não foi fácil, principalmente para Damon Albarn, a parte mais negativamente afectada com o confronto. Veja-se o desconforto de Damon no documentário "Live Forever", de 2003, a falar sobre a rivalidade com os Oasis e sobre as diferenças sociais que ambas as bandas representavam (Classe operária - Oasis / classe média - Blur).

Em 2007, apesar das reticências de Damon relativamente a uma reconciliação (leia-se a citação no início do texto), Noel já mostrava um discurso substancialmente diferente dos anos 90:
"I've got a lot of respect for Damon, I really do mean it. Because I'm indifferent to Damon, he thinks that I think he's a cunt.
Our Liam will talk to him, I won't because he's just another singer in a band to me, but I don't think he's a cunt.
Good luck to him!"
Noel Gallagher, em entrevista para a NME (2007)

A parte em que Liam Gallagher (vocalista dos Oasis e irmão de Noel) iria falar com Damon Albarn para fumar o cachimbo da paz é obviamente fantasiosa (quiçá sarcástica...), mas a intenção parecia estar lá.

Foi assim em estado de (meio) choque que Noel deixou o Mundo, quando em Dezembro anunciou a presença de Damon Albarn e Graham Coxon (vocalista e guitarrista dos Blur, respectivamente) no evento promovido pelo próprio: o Teenage Cancer Trust 2013. Recorde-se que a actuação de Noel nesse evento, em 2007, fora documentada no álbum "The Dreams We Have As Children - Live At The Royal Albert Hall", lançado em 2009.
Mais do que anunciar a presença de Damon e Graham, Noel chocou o Mundo ao revelar que tencionava tocar com eles e que até já aprendera "Tender", tema que tocava em casa.



"They’ll be playing Blur songs, I would think. I’ll be playing mine. Will we share the stage together? I hope so. I’m up for it. It’s always good to have a little jam.


10 years ago, who’d have thought it?"
Noel Gallagher, em promoção do Teenage Cancer Trust 2013 (2012)

De facto, há 10 anos atrás, quem ousaria pensar tal coisa?
Mais em choque ficou o Mundo, quando viu os 2 históricos arqui-rivais abraçados na cerimónia dos Brit Awards 2012, no mês passado. Depois de partilhar uma mesa com Damon, Noel revelou o seu desencanto pela falta de bandas Rock no evento (sentimento que terá aproximado ainda mais ambas as partes), adiantando que até poderiam tocar juntos na cerimónia do próximo ano.


"Tender is the day the demons go away"
O momento por que todos esperavam chegou no Sábado passado.
Noel Gallagher, Damon Albarn, Graham Coxon e Paul Weller (outra lenda da música britânica, de bandas como The Jam, conhecido como "The Modfather") juntaram-se em palco e tocaram "Tender" dos Blur, enterrando, em público, de uma vez por todas, o machado da Britpop.
Vejam com os vossos próprios olhos, porque palavras não chegariam para descrever isto:



O machado estava finalmente enterrado. Alívio é o que se vê nas caras de Damon, Noel e Graham.

A escolha do tema foi perfeita. À falta de Liam para cantar um tema dos Oasis, a escolha deveria cair num tema dos Blur. E qual é o tema dos Blur que melhor materializa a alegria da amizade, do amor e, no caso, da reconciliação? "Tender", pois claro. O tal tema que Noel até já tocava em casa.
Na minha opinião, a melhor alternativa seria "Don't Look Back In Anger" dos Oasis, originalmente cantada por Noel e cujo título assenta que nem uma luva à ocasião. Mas nem esse tema teria o impacto do Gospel de "Tender".



"Tender" é o grande sing-along dos Blur. Historicamente, é o tema da reconciliação. Senão vejamos:
Em 1999, "Tender" foi o tema que reconciliou Graham e Damon, na altura em clivagem criativa, na composição do tema mais ecuménico da banda, incluído no álbum "13".
Aquando da reunião dos Blur em 2009, "Tender" foi o tema que pôs Glastonbury a cantar a plenos pulmões a parte escrita por Graham ("Oh my baby, oh my baby! Oh why! Oh my!"), naquele que foi o momento de reconciliação definitiva entre os Blur e entre os Blur e a sua audiência.
Reconciliação, portanto. Aqui:




Nota importante: Na guerra entre os Oasis e os Blur, eu sempre favoreci os Oasis.
Não porque fossem a banda da classe operária, mas porque em adolescente me identificava mais com a sua música e com a sua atitude. Para um adolescente , cantar "Tonaaaaaaaaiiiiiiiiiite I'm rock n' roll star!!!" ("Rock N' Roll Star" dos Oasis) fazia mais sentido do que "Girls who want boys, who like boys, to be girls..." ("Girls And Boys", dos Blur). Foram duas bandas que me marcaram, mas a marca dos Oasis foi muito mais carregada.
Mas o que é que isto interessa? Será que estive pelos Oasis e a favor da dissolução dos Blur, na "Batalha do Britpop"? Obviamente que não. Arrisco dizer que hoje em dia, ninguém está. Quem gosta de um, normalmente gosta do outro.
A excepção é obviamente feita a... Liam Gallagher.
Liam já reagiu à reunião do irmão com os membros dos Blur e, como se esperaria, não se mostrou muito contente:
"Don’t know what’s worse RKID [Noel Gallagher] sipping champagne with a war criminal or them backing vocals you’ve just done for BLUE!"
Liam Gallagher, no Twitter (25 de Março de 2013)

...sendo que "BLUE" é obviamente uma dupla referência aos Blur e à Boysband britânica Blue, com o intuito de rebaixar os Blur. O que dizer? Liam Gallagher no seu melhor.

Será que a Britpop morreu mesmo? Não sei, mas se morreu, de certeza que não foi com este episódio.
Infelizmente, o movimento musical mais profícuo dos últimos 20 anos parece já estar morto há muito tempo.
Quanto muito, o histórico evento de Sábado serviu para lembrar as pessoas que, nos anos 90, surgiram no Reino Unido duas bandas que fizeram música que preencheu a vida de milhões de pessoas (eu incluído). E quem sabe, fizeram ver essas pessoas que o ódio deve ser dissolvido e como é dito em "Tender":
"Love's the greatest thing that we have"

Edit: Adicionado um vídeo pro-shot da actuação, cortesia do The Sun e uma reportagem do evento: