sexta-feira, 1 de março de 2013

The Smiths - "Hand In Glove"

"And if the people stare, then the people stare...
Oh I really don't know, I really don't care!"



Há uns anos atrás, tive uma namorada que dizia não compreender a minha atracção "por tudo o que fosse Brit". Confesso que eu também nunca lhe consegui explicar, sabia apenas que ela tinha razão.
De facto, o meu gosto musical tinha sido, ao longo dos anos, adubado por tudo o que fosse oriundo do UK e o resultado foi isto. Basta olharem para a barra lateral do blog para terem uma ideia.

Esta tendência começou cedo, devido à influência do meu Pai. As suas bandas preferidas sempre foram os Queen e os Pink Floyd, curiosamente, ou não, também as minhas bandas preferidas de sempre. Foi (principalmente) a música deles que compôs a banda sonora da minha infância. Tratou-se de uma transmissão por osmose, portanto.

Como se tal não bastasse, na última metade dos anos 90, vivia eu a pivotal entrada na adolescência - fase fundamental na modelação do "gosto musical independente" (chamemos-lhe assim) - fui alimentado por toda a onda Britpop / Britrock, que na época dominava as playlists das rádios. Stereophonics, The Verve, Travis, Pulp, Blur, Oasis, Suede, Radiohead... Devorava praticamente tudo.

Os anos passaram e a tendência manteve-se: a fome pela descoberta de mais e mais música britânica. Desde a fornada psicadélica dos anos 60 (The Beatles, The Rolling Stones, The Who...), passando pelo Heavy-Glam-Prog Rock dos anos 70 (Led Zeppelin, Deep Purple, Genesis, Bowie...), o Post-Punk e o New Wave dos anos 80 (Joy Division/New Order, Simple Minds, Tears For Fears, Pet Shop Boys...) e claro, a Britpop dos anos 90. Com o tempo, bati todos os géneros Pop/Rock da Grande Ilha, de uma ponta à outra.
Enfim, como dizia a minha ex-namorada: "tudo o que fosse Brit".

Viram a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres? Repararam no infindável desfile luxuoso de música britânica que eles tinham para apresentar? Dá para ter uma ideia do que estou a falar.



Mas então porque é que fui buscar aquela história da namorada antiga e da sua dúvida acerca da minha atracção compulsiva pela música britânica? Porque acho que a resposta para essa dúvida reside algures aqui, na música dos The Smiths.

Na altura, ainda não conhecia os The Smiths, estes só chegaram mais tarde (no ano passado para ser mais preciso). Mas estou convencido que se eu lhe desse a conhecer os The Smiths, uma dúzia de temas que fosse, ela, de alguma forma, me perceberia finalmente.
Porquê? Não sei, continuo sem conseguir explicar exactamente esta atracção pela música Brit. Mas estou convicto que a resposta está algures nas melodias saídas da guitarra de Johny Marr, ou nas letras traumatizadas de Morrissey.

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Tive imensa dificuldade em optar por um tema dos The Smiths para ilustrar este texto. Decidi-me por "Hand In Glove", o primeiro single da carreira dos The Smiths, lançado em Maio de 1983. Foi um dos primeiros temas dos The Smiths que eu conheci e que despertou o meu interesse na banda.




A primeira aparição da versão single de "Hand In Glove" num álbum dos The Smiths foi em "Hatful Of Hollow" (Novembro de 1984), compilação que reuniu temas gravados ao vivo para a BBC (as BBC Sessions) e 3 singles que não apareceram no 1º álbum da banda ("The Smiths"): "Hand In Glove" , "Heaven Knows I'm Miserable Now", e "William, It Was Really Nothing", com os respectivos Lados B "Girl Afraid", "How Soon Is Now?" e "Please, Please, Please Let Me Get What I Want".
"Hand In Glove" fora incluído no álbum "The Smiths", mas numa versão diferente, na minha opinião mais plástica, mais estéril, à imagem do que havia sido feito com "What Difference Does It Make?".



O tema não conseguiu entrar nas tabelas de singles britânicas, mas atingiu o nº 3 na tabela Indie, vendendo consistentemente durante o ano e meio seguinte, época de ascensão da banda. Este sucesso em "banho-maria" valeu aos The Smiths um registo no livro do Guinness em Janeiro de 1984, quando "Hand In Glove", "This Charming Man" e "What Difference Does It Make?" ocuparam os 3 primeiros lugares da tabela Indie britânica.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Queen - "The Show Must Go On"

"Inside my heart is breaking, my make-up may be flaking, but my smile still stays on."


"You probably already know that I am suffering and what my problem is.
But I don't want to talk about it...
I just want to keep making music 'til the day I f***ing die."
Freddie Mercury, revelando aos membros dos Queen que estava infectado com o vírus da SIDA
(reconstituição de Brian May no documentário "Days Of Our Lives")

Freddie sabia que lhe restava pouco tempo. Ainda o álbum "The Miracle" aguardava ordens de lançamento nas lojas e já os Queen estavam de volta aos estúdios para a gravação do álbum seguinte. Estávamos na Primavera de 1989, altura em que se iniciava a gestação de "Innuendo" - o álbum que a banda temia ser o seu último.

Desde as gravações de "The Miracle" que, no restrito círculo da banda, todos já tinham percebido que Freddie estava gravemente doente, mas ninguém sabia ao certo o que se passava. Só Jim Beach - o manager dos Queen - sabia exactamente o que era: Freddie recebera a notícia que estava infectado com o vírus da SIDA na Páscoa de 1987 e sabia que estava com os dias contados.
Note-se que, naquele tempo, o diagnóstico de SIDA era como que de uma sentença de morte se tratasse.

"On and on, does anybody know what we are looking for?"

A partir daí, Freddie Mercury nunca mais parou. Em primeiro lugar, realizou o seu sonho de trabalhar com a sua voz preferida: a cantora lírica catalã Montserrat Caballé. Desse projecto nasceu a fabuloso álbum "Barcelona", cujo tema-título seria utilizado, uns anos mais tarde, como hino dos Jogos Olímpicos de Barcelona.

Depois de "Barcelona", Freddie reuniu os seus fiéis escudeiros para um sprint final. Os últimos anos da sua vida seriam passados entre as camas de sua casa e dos hospitais e os estúdios de gravação, com os Queen.

Entretanto, multiplicavam-se as histórias nos jornais sobre o estado de saúde de Freddie. Os restantes membros dos Queen negavam tudo. "Freddie está bem de saúde e a trabalhar como nunca!", disse uma vez Roger Taylor aos tablóides. Mas só a parte de "trabalhar como nunca" era verdade.

"The sicker Freddie got, the more he seemed to need to record.
It was really a period of fairly intense work."
Roger Taylor - baterista dos Queen


Certo dia, Freddie teve que confessar aos seus colegas de banda que, afinal, as histórias dos tablóides eram verdade. Ele estava realmente doente e já lhe restava pouco tempo. Todo o tempo era precioso e todo o tempo teria que ser investido a fazer música.
Até ao fim.

A notícia da doença de Freddie tinha atingido a esfera dos Queen como uma tempestade feroz, mas o assunto era tabu. A ordem era para ignorar a doença e continuar a fazer música. Quanto muito, canalizar aquele drama para a música.
Os Queen continuaram a negar os rumores e a imprensa não soube de nada até à véspera da morte de Freddie.

Os sumos criativos dos Queen estavam ao rubro. Neste período de intensa criatividade, a partir de uma sequência de acordes de Roger Taylor e John Deacon, da cabeça de Brian May saiu o corpo de "The Show Must Go On" - um tema que descrevia com precisão o estado de alma vigente da banda. Era preciso continuar, custasse o que custasse.

"We spent our days in the studio waiting for Freddie.
Whenever he was feeling better, he would come, throw a couple of vodkas down and... go for it.
It was some of our best studio times."
Brian May - guitarrista dos Queen


Brian May temia o pior. Brian tinha desenvolvido "The Show Must Go On" e projectara um tema com uma faixa vocal poderosa e proeminente, estupidamente exigente, ao nível do "melhor" Freddie Mercury. Algumas notas eram tão altas, que na gravação demo do tema, Brian fora obrigado a cantar várias partes em falsetto.

O problema é que a doença de Freddie não parava de avançar e por isso, reticente, Brian mostrou a demo a Freddie, com medo que este não conseguisse atingir as notas mais altas.
Segundo reza a lenda, para surpresa de todos, Freddie consumiu então uma considerável quantidade de vodka e gravou, em apenas um take, a impressionante faixa vocal de "The Show Must Go On".

"Dêem-me alguma coisa para cantar e eu canto. Qualquer coisa.", terá suspirado Freddie para os seus colegas de banda. Mesmo que a sua condição física, cada vez mais frágil, parecesse servir de obstáculo, esse handicap não é, de todo, audível no álbum.

"I'll top the bill! I'll overkill! I have to find the will to carry on! On with the show!"

Ao longo de todo o álbum "Innuendo", parece que Freddie tenta, sozinho, travar uma luta hercúlea contra a sua doença, usando como arma apenas o poder catártico das suas cordas vocais.
Durante os 4 minutos de "The Show Must Go On", parece até que Freddie está em vantagem.

"I'll face it with a grin! I'm never giving in!  On with the show!"

Ouçam Freddie a cantar em "The Show Must Go On". Mas ouçam com atenção. Prestem atenção às nuances expressivas, à força, à dinâmica, à emoção.
É o mais preciso, concentrado, afinado, grito de desespero que jamais ouvirão.

Freddie está preso num beco sem saída, à procura da sobrevivência. Se alguma forma de escapar existe, ela será de certeza a cantar. E quem pode dizer que Freddie não escapou? Volvidos mais de 20 anos, a sua música continua aí, mais forte que nunca.

Na época, o single de "The Show Must Go On" chegou apenas ao 16º lugar nas tabelas britânicas - uma posição modesta, explicável tendo em conta que já era o 4º single de um até aí muito bem sucedido álbum "Innuendo".
Com a notícia da morte do Rei, desencadeou-se uma febre pela música dos Queen, que duraria anos.


"The Show Must Go On" serviu como canto do cisne da discografia dos Queen, "aprovada" por Freddie Mercury. Lançado a pouco mais de 1 mês da sua morte, foi o último single e o último tema do último álbum dos Queen, em tempo de vida de Freddie.
Se há algum sentido na expressão "fechar com chave de ouro", ela tem que ser aplicada a "The Show Must Go On".