sexta-feira, 10 de abril de 2015

Noel Gallagher - "Riverman"

"The rain that comes..."


"Ram On"  UK Spring Tour Journal 
(Part 3)

Continuando daqui e daqui, ficam hoje com a terceira e última parte do meu diário de bordo, escrito a partir da minha segunda cidade preferida do Mundo – Londres (se quiserem saber, a primeira é Lisboa; se não queriam saber, paciência, agora já sabem).

Mas antes de continuar o diário, uma reflexão. Eu tenho uma teoria sob sustentação científica inatacável: a de que 2015 vai ser (e está a ser) o melhor ano de sempre. Esta teoria é baseada em três fundamentos:
–  vou ver o David Gilmour ao vivo três vezes este ano (ele actua com a mesma frequência da aproximação terrestre do cometa Halley), entre muitos outros concertos;
– a absurda e idiotamente optimista convicção de que o dia de amanhã vai ser do caralhão;
– o irritante hábito que eu tenho em afirmar taxativamente que isto e aquilo e tudo é o "melhor de sempre" numa qualquer categoria que eu invente na altura.
Este último levava uma colega minha a recorrentes suspiros de olhos semi-cerrados: "Nuno, nem tudo pode ser o melhor de sempre!" (agora isso já não acontece; eu não melhorei, ela é que deixou de trabalhar comigo). Então não pode, claro que pode. A minha ida "por acaso" a Liverpool já confirmara isso mesmo. Agora havia a (remota) possibilidade de uma jornada dupla de Noel Gallagher. Mas a verdade é que nem sempre as coisas correm como planeamos, especialmente quando temos todas as probabilidades contra nós...

Dia 7 – Brockley
O concerto "secreto" do Noel Gallagher começava às 8:30PM (estamos em Inglaterra, por isso vamos tratar de horas locais), mas às 3:00PM já estou à porta do Rivoli Ballroom, uma sala de bailes (é mesmo para isso que é utilizada) perdida algures em Brockley – um bairro que está para Londres como Famões está para Lisboa. Fica longe como a merda.
Mal chego ao local, vejo logo o caso mal parado. Os seguranças do Noel já cá estão e tratam logo de me avisar que a entrada é só por guest list; e sublinham que eu não tenho a mínima hipótese.
Não vacilo. Acabei de chegar e demorei mais de uma hora a dar com isto, agora não vou a lado nenhum.
Estão a ver o mapa de Londres? O Rivoli Ballroom fica ali no canto inferior direito, nem o metro lá chega.

Também já cá estão alguns dos fãs do Noel, daqueles que o seguem para todo o lado como os No Name Boys seguem o Benfica. Aliás, os No Name são uns meninos. É que uma coisa é ir a Paços de Ferreira atrás do Benfica; outra coisa é ir atrás do Noel para a Coreia do Sul. Hardcore stuff.
A maioria é malta muito mal encarada. Estranho. A excepção é o Brian, um texano que no ano passado viu 23 concertos e este ano ainda "só" viu 2, mas já tem bilhetes para todas as datas da digressão americana do Noel. O Brian está triste, porque não são assim tantas quanto isso. O drama do Brian é que o Noel "só" vai dar 17 concertos nos EUA, mas ele ainda tem esperança que marque mais. Isto é o que eu chamo um doido de chancela internacional. Julgava que eu era um ganda maluco, porque vou ver os 3 primeiros concertos da digressão do David Gilmour, mas isto é a Liga dos Campeões.

Às 4:00PM, começa a notar-se grande alvoroço entre os seguranças. Vem aí o homem por quem esperamos. Ou não. Chegam várias carrinhas com vidros fumados e Noel, nem vê-lo. Entretanto fico a conversar 10 minutos com um tipo chamado Mike, que parece ser da organização, a quem conto a minha história. Ele diz que não pode fazer nada, mas deseja-me boa sorte.
Nota-se um nervoso miudinho por entre os fãs, mas todos já estiveram ao lado do Noel várias vezes. Eu, nervoso miudinho? Nada disso. Estou mais em taquicardia de nível avião a jacto.
Enquanto os olhos estavam postos ao fundo da rua, do outro lado da estrada...
...Noel aparece vindo da estação de comboios à frente do Rivoli Ballroom. Palavras para quê, é um homem do povo. Mas um homem que vem visivelmente mal disposto. Noel ainda pára para uns autógrafos, mas quando a segurança aperta, ele vira costas e vai para dentro da sala, onde vai fazer o soundcheck.
Boa, conheci o Noel Gallagher! Bem, "conhecer" aqui é um hipérbole. Foi mais conhecer no sentido em que se conhece sushi quando se passa ao lado do Sushi Corner no Colombo, a caminho de um Big Mac no McDonalds.
A minha "situação" é que ficou ainda mais complicada, uma vez que tive uma pequena altercação com o Kevin (o segurança pessoal do Noel), que não me deixou sequer aproximar do Noel. O gajo com quem eu precisava de fazer amizade tomou-me de ponta. Isto está a correr bem.

As horas vão passando, o frio vai apertando e o ambiente também vai ficando mais gélido. A segurança fecha a porta interior da sala, o que nos impede de ver o soundcheck. Até o Brian (o fã do Texas) comenta que nunca viu um ambiente tão mau antes de um concerto do Noel. E ele já viu muitos, sabemos bem. Parece que ninguém quer estar ali e não é (só) devido ao concerto ser em Brockley. Começa-me a cheirar que o Noel foi enganado e comprometeu-se a dar um concerto de borla (lembro que não há bilhetes, só há mesmo guest list) sem saber.

Pouco depois, Noel volta a sair da sala e aqui já o consigo apanhar para uma foto. Quer dizer, "apanhar" aqui volta a ser uma hipérbole. A meio da foto, o Noel caga na cena e vai-se embora, deixando-me com esta cara de parvo. Noel, gosto muito de ti, mas essa merda não se faz. Not cool, man. Not cool. Se fosse o Liam, de certeza que não faria isto.
Às 6:00PM, chega o "Miguel" ao Rivoli Ballroom. Ele não conhece nenhum tema a solo do Noel, mas como apropriadamente refere: "de borla, até injecções na testa". Assim é que é falar.
Ao olhar para os fãs que rondavam a entrada da sala, o "Miguel" comenta assertivamente: "Nunca vi tantos cabelos à Gallagher juntos. Cuidado, estes gajos levam isto a sério." Mas quando lhe conto o ponto de situação, noto-o apreensivo. Toda aquela confiança de ontem pareceu gelar no frio londrino.

As portas abrem às 6:30PM e começam a ser distribuídas pulseiras a quem tem o nome na guest list. Falamos com umas miúdas da organização, munidas de uma lista em A3 com os nomes dos sortidos, mas não conseguimos nada. Que raio se passa hoje, que nem o charme lusitano nos vale?

Às 7:00PM, o frio implacável da noite londrina (ou brockliana, como quiserem) começa a dar de si: o "Miguel" começa a tentar seduzir-me com a ideia de umas pints no quentinho de um pub. Ao fim de 1 hora, já está a vacilar. E com razão, isto é de loucos.
Mas eu estou mais numa de seduzir as miúdas da organização.
Identifico a minha única hipótese: a miúda do gorro. É ela que nos vai pôr lá dentro. Já tinha tentado a minha sorte com ela, mas vou lá insistir, dar o meu charme mais uma vez.
Está difícil, ela continua a abanar a cabeça. Faço a minha melhor cara de cachorrinho abandonado. Nada.

Vacilo. Mas não há saída agora. Já estou aqui há 4 horas e sinto que neste momento não podemos desistir. É para ir até ao fim.
Neste ponto, já dei conversa a toda a gente da organização, já implorei a todos e nada. O mais revoltante é que todos os No Name que chegaram sem bilhete e sem guest já conseguiram entrar. Só para os tugas é que não há nada.

Vou à miúda do gorro mais uma vez ainda. Nada... Isto com as mancunianas era limpinho, mas aqui não está fácil.

O Miguel lembra-me o ridículo que será quando me perguntarem o que eu vi nas minhas férias em Londres e eu responder "Vi Brockley". Se não acham isto suficientemente ridículo, então refaçam esta analogia, mas com um turista que vem a Lisboa para ver Famões. Haha, que idiota.

São 8:00PM. Já não sinto os pés, nem cartilagens acima do pescoço. O "Miguel" já só abana a cabeça.
As tropas estão desmoralizadas.
Eu próprio começo a vacilar.


E eis que do nada, chega a miúda do gorro: "Já não aguento mais ver-vos aqui à espera, ao frio!" e dá-nos a desejada pulseira.
Venci-a pelo cansaço. Em engenharia, chamamos a isto rotura por fadiga.

Et voilá, 5 horas depois, estou dentro do Rivoli Ballroom.

Vejam bem estas caras de felicidade juvenil. Até os pés já estão mais quentinhos.
O concerto? Bem, o concerto foi bem melhor que injecções na testa.
Noel Gallagher tocou um alinhamento curto (13 temas), quase inteiramente composto por temas a solo (a excepção foi "The Masterplan", que fechou a setlist). O "Miguel" não conhecia nenhum tema a solo, mas não se importou muito com isso, uma vez que no 2º refrão de cada tema, já o cantava a plenos pulmões com um sorriso rasgado. Noel é mesmo um mestre dos singalongs.

Sentado nas teclas, está uma cara que me é familar. Olha, é o Mike! Afinal, o Mike com quem falara durante a tarde era o Mike Rowe, teclista do Noel.
A meio do set, Noel volta a mostrar a sua rabugice e justifica assim a ausência de temas dos Oasis:

"Não vou tocar temas dos Oasis porque: A) Vocês não pagaram; B) Tenho um novo álbum para vender; C) Vocês não pagaram e por isso, se depender de mim, podem-se foder". 

Se dúvidas houvessem, Noel confirmou o mau humor que já lhe tinha topado. Será que era por estar em Brockley? Não sei. A verdade é que no fim do primeiro tema, Noel perguntou com o mesmo ar enojado que o "Miguel" fizera no dia anterior: "What the fuck are you doing in Brockley?!". Só mesmo para te ver, Noel.

Acabamos a noite em Marble Arch, a comer o melhor kebab de todos os tempos. Pelo menos sabe-me ao melhor kebab de todos os tempos, depois de estar 12 horas sem comer. Que dia glorioso. Que noite épica. E amanhã há mais Noel.


Dia 8 – Londres
O dia começa com uma feira de discos no Old Spitalfield Market, perto da estação de Liverpool Street.

Saio daqui com uma cópia selada do "The Queen Is Dead" dos The Smiths. Depois da minha visita ao Salford Lads Club, vem mesmo a calhar.
Umas barracas ao lado, num vinil usado dos anos 70, um aviso curioso: "HOME TAPING IS KILLING MUSIC. AND IT'S ILLEGAL". Olha, isto soa-me familiar. Afinal a história dos downloads e a perseguição das editoras ao público já é uma cantiga com muitos anos, desde os tempos áureos do vinil. É uma cantiga que tresanda a naftalina, fede a bolor.
Compras feitas, passo por casa para deixar a mercadoria e sigo para o Royal Albert Hall.

É a minha estreia no RAH e posso dizê-lo sem exageros (até porque, como sabem, eu não sou um indivíduo de exageros): é a sala de espectáculos mais espectacular onde já entrei, de uma grandiosidade e magnificência que só é compreensível, estando lá.



Há aqui um grande senão. É que a vista do meu lugar é esta:

Brutal. Dei 50£ por um lugar onde vejo meio palco, o qual ainda está tapado por grades. Como a lotação está esgotada, nem sequer tenho hipótese de mudar de lugar. Ainda tento dar a banhada a um casal que se sentou ao meu lado, mas não tenho sorte. Os bifes perceberam que foram ludibriados e mandam o português sentar-se no seu lugar. Um pouco de História no RAH, mapa cor de rosa all over again.
O melhor é focar-me na música.

Às 7:30, entram os Future Islands. Desde que os vi tomarem de assalto o palco do David Letterman que fiquei maluco com eles. Este não é o seu público, mas os Islands não desapontam. O RAH começa com aplausos tímidos no fim do primeiro tema, mas o ruído cresce com o avanço do concerto e com o preenchimento da sala, principalmente quando Sam Herring começa a dançar. Ah pois, aquela dança.

Sam Herring prepara-se para fazer "a dança"; na foto dá também para ver que fiquei longe como a merda


Chega "Seasons (Waiting On You)", Sam faz a sua dança e o público responde audivelmente. Já fervem as bancadas do RAH. Sentado à minha frente, aparentemente alheio ao entusiasmo à sua volta, um snob londrino manda uma mensagem no telemóvel. Curioso como sou, dou uma olhada indiscreta (sim, eu sei que o que fiz é terrível e não se deve fazer):

"This dude on stage is quite probably the worst dancer I've ever seen, babe. Worse than me. 
Quite good band but lmao."

O pior dançarino do Mundo? Porque dança de forma diferente e despreocupada? Malta, não liguem a este snob (nem aos outros), o Sam Herring é awesome! Dancem como queiram, dancem como ninguém estivesse a ver!
#rant

O set dos Future Islands é curto (7 temas) e eles rapidamente saem de cena. Daqui a pouco temos (novamente) Noel Gallagher.

O ambiente à volta do concerto de hoje não tem nada a ver com o de ontem. Hoje respira-se electricidade positiva. Nos corredores do Royal Albert Hall, vêem-se fãs na casa dos 20, 30 e 40 (todo o espectro atingido pelos Oasis) a beber pints, contando estórias de concertos passados e partilhando expectativas para hoje. Sente-se o entusiasmo na sala.
Noel finalmente chega e TODA a gente se levanta. Yeah! O problema do lugar sem visão, afinal, não é problema nenhum. O meu lugar até é o melhor de todos, porque fica na ponta e dá para eu dançar à vontade. Hehe espectáculo.

O público veio para ver Noel and he delivers. Muito mais bem disposto que ontem em Brockley, toca na íntegra o seu alinhamento normal desta digressão, desta vez com direito a vários temas dos Oasis e a um coro lá atrás. Soberbo. Muito melhor que Brockley.

O momento da noite? "Fade Away", um lado B dos Oasis. Esse foi o meu momento, porque na verdade, todos os temas da antiga banda de Noel são recebidos em delírio pelo público, claramente com fome dos Oasis.
Por muito que a audiência adore o Noel (e adoram, pelo menos pagaram bem caro para estar ali), ela recorda-lhe várias vezes que ainda ama o seu irmão. Ao longo da noite, são vários os interlúdios que o público aproveita para gritar "Liam! Liam! Liam!". É impossível Noel não ouvir. Ouve de certeza. De tal forma, que às tantas franze o olho e diz qualquer coisa como:
"What?! Thought so...". 
Ignora. Mas continua: "This next song is for my brother, cos he needs it now. This is called Champagne Supernova.". 
Loucura na audiência. Acho que nunca vi nada assim.
Toda a gente canta de pulmões cheios aquela letra maravilhosa sem sentido nenhum ("Slowly wlaking down the hall, faster than a cannonball"?!). O homem que está ao meu lado chuta a namorada para o lado e põe o braço à volta do meu pescoço, enquanto grita aos meus ouvidos "Where were you while we were getting high?". E de repente, os Oasis quase estão ali outra vez. Só falta o Liam. Todos queremos o Liam. E o Noel sabe. Resta saber se vai continuar a ignorar.

No fim do concerto, o mate que insistia em agarrar-me – suspirando que a namorada não sabe o que um concerto do Noel significa, mas com a certeza que eu sei – revela que viu o Noel no O2 há 3 semanas, mas que a noite de hoje foi incomparavelmente melhor: "This night had energy, this night had heart", confessa.

No caminho para casa, sentado à frente de um double decker bus (onde é que eu já ouvi isto?!), miro o bilhete. As férias acabam aqui, mas poderia haver melhor final que este?


Dia 9 – Epílogo / Regresso a Lisboa
Já de regresso a Lisboa, em Heathrow lembrei-me de uma ex-namorada que estava sempre com o período atrasado. Não era nada de preocupante, ela trabalhava na TAP.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Paul McCartney - "Ram On"

"Ram on"


"Ram On"  UK Spring Tour Journal 
(Part 2)

Continuando daqui, hoje deixo-vos a segunda parte do meu diário de bordo, em plena Disneylan... Liverpool.
Antes disso, uma explicação: porquê "Ram On" ali no título? Riam-se à vontade, "Ram On" é o nome da viagem. Sim, do alto da minha nerdice, baptizo a todas as viagens que faço. O nome é invariavelmente escolhido em função da música que ouço nessa altura (todas as viagens têm uma banda sonora, que depois fica para sempre colada àqueles lugares) e nesta viagem, a predominância foi do 2º álbum a solo de Paul McCartney – "Ram". "Ram" é cozy e homey, como a maioria da música do Paul; e talvez por isso me tenha sentido em casa no UK. Há qualquer coisa de heartwarming na música do Paul – ela é caseira, quentinha e deliciosa. But I digress. Voltando à viagem.
Estava eu a planear as minhas férias em cima do joelho (como sempre faço), dois dias antes da partida e deparo-me com um tempo morto entre York e Londres. O que fazer? Regresso a Manchester? Boa ideia. E por que não dar um saltinho a Liverpool? Genial. Marquei hotel no minuto seguinte. E assim cheguei à Liverpool Lime Station, quase por acaso. Mal eu sabia que aquela fora uma das melhores decisões da minha vida.

Dia 4 – Liverpool
Chegado a Liverpool, vou directo ao Cavern na Mathew Street – o mítico bar onde despontaram uns tais de The Beatles. No caminho, levo nos ouvidos "Ram". "Ram" sabe especificamente a morangos fresquinhos e doces, acabadinhos de colher. Mas talvez isso seja de eu estar a comer morangos neste preciso momento. Adiante.

Hoje, o Cavern está dividido em dois: o Cavern Pub e o Cavern Club. Como seria de esperar, Beatles por todo o lado. Ao lado, uma estátua do John Lennon, a imitar a pose na capa do álbum "Rock ‘N’ Roll". Vou já meter-me com estas italianas para me tirarem uma foto ali.
Ok, afinal eram inglesas; bem que podia ter guardado o italiano que aprendi com o Trappatoni e poupava-me a vergonha. Isto com as miúdas corria melhor em Manchester.
No topo da rua está o A Hard Day’s Night Hotel (sim, existe mesmo), com uma megastore dos Beatles. Imaginem a Fnac, mas de dois andares, só com Beatles: t-shirts, camisolas, pijamas, bonés, aventais, posters, quadros, bancos, porta-chaves, almofadas, bonecos, canecas, pratos, copos, livros, discos, sei lá, tudo o que possam imaginar. Estão a ver a loja no fim da Disneylândia, que é o terror dos pais, porque os miúdos querem tudo? É isso, mas aqui sou eu o miúdo. Com a carteira dos pais.
A Hard Day's Night Hotel, com a loja dos Beatles virada para a Mathew Street

Fico de tal forma esmagado com tudo o que vejo à minha volta na loja, que a minha cabeça entra em tilt. No fim de contas, acabo por trazer "só" um porta-chaves do Sgt. Pepper. Isso e um coração partido, porque vi o hoodie (nome muito mais fixe para "camisola com capuz") mais cool de sempre e não havia o meu número. Damn. Mas isto não fica assim, acreditem.

Agora sim, o momento por que tanto esperava. Chego ao museu dos Beatles.

À entrada do The Beatles Story, dizem-me que tenho duas horas para ver dois museus, mas é tranquilo: mesmo que eu seja um daqueles nerds que gosta de ver e ouvir tudo, duas horas chegam perfeitamente. Bora.
Começamos com o Casbah (onde os Beatles se estrearam), o Kaiserkeller, o Star-Club (Hamburgo) e claro, o Cavern, aqui brilhantemente reproduzido:


Depois, chegamos a Abbey Road, onde os Beatles gravaram quase toda a sua discografia. Passamos na porta de entrada dos estúdios e temos os instrumentos todos ali: o baixo do Paul, as guitarras do John e do George, a bateria do Ringo. A bateria do Ringo é hands down a minha peça preferida do museu. Temos também o Mellotron com que os Beatles gravaram o "Sgt.Pepper" e o "Magical Mystery Tour". The real thing. Isto é muito melhor do que ir à Eurodisney com 10 anos.

As duas horas passam e nem a meio do primeiro museu eu consigo chegar. Estava tranquilamente a estudar o concerto no Shea Stadium, quando sou convidado a sair pelo impaciente staff, numa altura em que já as senhoras da limpeza varriam o chão. Nem ao Sgt. Pepper cheguei! O que vale é que posso voltar amanhã.
De regresso ao hotel, tinha no quarto à minha espera uma chaleira eléctrica, chávenas de porcelana e chá – o kit completo. Adoro Inglaterra.

Dia 5 – Liverpool / Londres
Começo o dia bem cedinho, às 7:30 (houvesse vontade para me levantar tão cedo para trabalhar e a minha vida seria bem diferente), para um glorioso English Breakfast no hotel.
Bacon, salsicha, ovos estrelados, feijão, torradas com muita manteiga e sumo de laranja. No fim, um chazinho. Adoro Inglaterra.

Às 9:30, já estou na The Beatles Shop na Mathew Street, que ontem me escapou. O motivo? O hoodie, obviamente. Não tenho sorte. Siga para o museu, que o tempo está contado até ao comboio para Londres, às 12:47.
O museu dos Beatles abre às 10:00 e às 10:00, eu estou à porta. Pontualidade britânica (deve ser a primeira vez na vida). Estou eu e está uma excursão sénior de chineses (ou coreanos; ou japoneses; não perguntei, mas isso não interessa para o caso). Que se lixe, vou passar à frente destes Miyagis todos, que não há tempo a perder. Começo onde fiquei ontem: "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band". Dou com isto. Nice.

Depois, vem o "Magical Mystery Tour" (temos mesmo os bancos do autocarro, para nos sentarmos), o "Yellow Submarine" (entramos mesmo num submarino amarelo), o White Album e de repente, já estamos no fim. Ou sou eu que estou com pressa, ou eles claramente se desleixaram com os anos 1968, 1969 e 1970 – anos que os Beatles passaram em estúdio. Havia tanto para dizer... Enfim, na verdade também já não tenho muito tempo.

No fim, temos uma sala de design minimalista dedicada à memória de Lennon, onde ouvimos "Imagine". (então e o George, malta?!)

... e uma última sala dedicada aos Beatles a solo:
John:
Paul:
George:


Rin...:
...ora porra, ia jurar que tirei uma foto à secção do Ringo, mas não dou com ela. Queria ter um registo do melhor baterista dos Beatles, mas apareceu-me outra foto do Paul.
Haha, desculpa lá Ringo, eu adoro-te, a sério.

Contas feitas, o museu dos Beatles é dos melhores lugares que pisei em toda a minha vida. Confesso-vos que é difícil descrever o entusiasmo em estar aqui, mesmo em contra-relógio. Sinto-me como o miúdo de 10 anos que vê o Mickey pela primeira vez, ou aquele pastor de Pitões que foi a Lisboa ver o mar de helicóptero e conhecer o Mantorras. Qual Louvre, qual Smithsonian, qual Tate, o melhor museu do mundo fica em Liverpool e chama-se The Beatles Story (pelo menos até eu ir a Montreux e ver o museu dos Queen; ou ver aquele dos Pink Floyd que ia abrir em Milão, mas foi cancelado). Recomendo sem reservas, marquem a vossa viagem ainda hoje.

Com os minutos que me restam antes do comboio, ainda vou ao museu sobre a British Invasion (invasão cultural britânica dos EUA) e aproveito a oportunidade para me sentar pela primeira vez numa bateria, numa aula em vídeo do Ringo Starr. Acho que tive uma epifania: tenho que repetir isto.
Ringo, desculpa lá aquilo há bocado. Adoro-te, mesmo.

Não há tempo para mais, siga para Londres.











Mal chego à estação de Euston, tenho a brilhante ideia de ir para Camden com uma mala de 20 kg atrás. Malta, não tentem isto. O conceito de "aproveitar o tempo" não é válido quando tens que carregar uma mala de 20 kg ao longo de uma escada com 96 degraus [sim, as escadas rolantes estavam avariadas; e sim, estava lá escrito o número de degraus]. Isto não é aproveitar o tempo, é só estúpido.
Como ainda não estava preenchido no capítulo do exercício físico, ainda vou à London Beatles Store em Baker Street. O motivo?  Adivinharam, o hoodie. Mais uma vez, tão tenho sorte.
[Como sempre acontece nestes casos, fiquei obstinado pelo hoodie e nunca mais deixei de o perseguir. À hora que publico este texto, já deve vir a caminho de uma loja online dos States... que me cobrou a camisola duas vezes. A saga do hoodie ainda parece longe de terminar...]

Dia 6 - Londres
O primeiro dia em Londres é para compras. E compras em Londres significa discos, discos e mais discos. Ah e umas t-shirts também. Há uma loja em Notting Hill — Backstage Originals — que só vende merch de bandas Rock e é uma das lojas mais cool onde já entrei, uma das minhas paragens obrigatórias, sempre que vou a Londres.

Trago (mais) uma t-shirt dos Beatles, com desconto à pala de uma longa conversa com a miúda italiana (esta era mesmo) que lá trabalhava e que me prometeu uma visita a Sesimbra. O atendimento nesta loja é mesmo personalizado. Adoro Inglaterra, não sei se já disse.

A seguir, passo na Rough Trade ali ao lado e menciono ao Nigel (espero que o Nigel não se importe que eu use o nome dele) um concerto "secreto" que o Noel Gallagher ia dar em Londres no dia a seguir. O Nigel não sabe do que eu estou a falar, mas promete averiguar. Diz-me para lhe deixar o meu mail; se ele souber mais qualquer coisa, avisa-me. Deixo-lhe o mail, mas sem grandes esperanças. Nem um vinil levei, o que é que o Nigel se vai importar com um tuga?
Notting Hill, Soho, Camden e uma porradona de discos depois, está cumprido mais um objectivo da viagem. 15 discos na mala. Venham agora os concertos.

À noite, vou beber umas pints com um amigo que vive em Londres. Chamemos a este amigo "Miguel". O "Miguel" esqueceu-se das chaves dentro de casa (onde vive com a namorada) e por isso a noite prolonga-se. As pints multiplicam-se.
Vou ver o mail. Não acredito, o Nigel respondeu! O concerto secreto é no Rivoli Ballroom, em Brockley. Haha, lindo! Ganda Nigel. Esta viagem está cada vez melhor. "Brockley?! Ninguém vai a Brockley!", diz o "Miguel" com ar enojado. "Mas não interessa, vamos lá na mesma! Aliás, é como se já tivéssemos entrado!", profetiza o "Miguel". E assim brindamos a um concerto para o qual não temos bilhete e onde não fazemos a mínima ideia de como entrar. Sabemos apenas que temos que entrar. Típica chico-espertice tuga.

Se querem saber se conseguimos entrar no concerto secreto do Noel Gallagher, não percam a última parte do diário de bordo. Se não quiserem saber, leiam na mesma. Sempre se podem rir à nossa custa.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

The Stone Roses - " I Wanna Be Adored"

"I wanna, I wanna, I wanna be adored"


"Ram On"  UK Spring Tour Journal 
(Part 1)

Eu sei que vos tenho andado a falhar, mas foi por uma boa causa. Com o pretexto inicial de visitar um amigo que se mudou para York (chamemos-lhe "Rui"), andei uma semana em digressão pelo UK, mas na verdade, andei mesmo atrás de música (foi fácil encontrá-la, respira-se música ali). Como todas as outras viagens que faço, acabou por se tornar num Rock Film, cheio de sexo, álcool e Rock N’ Roll. Mas sem a parte do sexo. A parte das drogas também foi omitida, que elas são caras e o dinheiro é preciso para comprar discos. Aliás, esse era o segundo propósito da viagem. O terceiro era o concerto do Noel Gallagher no Royal Albert Hall, em Londres. E quem sabe, a perspectiva de um concerto "secreto" do Noel no dia anterior. Mas lá chegaremos. Comecemos pelo início, em Manchester.

Dia 1 – Manchester / York
Chegado a Manchester, o frio. Muito frio. Nos ouvidos, o álbum de estreia dos Stone Roses. Que albão, uma banda sonora perfeita para dias de glória; mas dias de Verão. Como é que raio eles conseguiram fazer música tão quente, num clima tão gélido? Ah ok, os The Smiths também são daqui; e os Joy Division. Pensando bem, mesmo os Stone Roses pareciam estar sempre com frio:

Apanho o free bus de Manchester (autocarro de borla? Já estou a adorar isto) e vou para o Northern Quarter (a vermelho no mapa). Que bairro maravilhoso, tão british, tão charmoso, quem diz que Manchester é feio deve estar doido da cabeça.



Passo a pente fino todas as lojas de discos do bairro: Vinyl Exchange (tudo muito caro), Piccadilly Records (só vinil novo, muito caro também), Vinyl Revival (boa selecção de bandas de Manchester, já estamos a falar melhor), Beatin’ Rhythm (um espantoso espólio de singles 7’’; fixe, mas não é a minha cena), V Revolution (Punk), Eastern Bloc (Electronica), Empire Exchange (boas borlas, mas qualidade duvidosa) e Clampdown Records (melhor loja do Northern Quarter, com tudo o que é essencial). Uff... E tudo com uma mala de 20 kg atrás.

Trazia grandes esperanças, mas saio daqui frustrado. Vi bons discos, mas poucas pechinchas como em Camdem. Siga para York.
Nas palavras do "Rui", York é como Águeda, mas mais frio. Águeda uma porra, isto é mais como a Covilhã. Até já tenho saudades do frio de Manchester. Até o "Rui", que sempre disse que cachecóis eram para meninos, aqui está equipadíssimo com gorro, cachecol e múltiplas camadas de roupa. O que vale é que nos pubs está quente, bora para a noite.
O "Rui" quer mostrar-me todos os bares locais. Local pubs for local people. Em todos os bares por onde passo (e vão três!) toca o "Don’t Stop Me Now" dos Queen, para gáudio absoluto da pista. E eu pareço ser o único que sabe a letra de trás para a frente. Amadores... Mas é incrível, estamos em pleno 2015 e o Rei Freddie continua a dar cartas.
Entramos numa festa de estudantes. Não sei porquê, mas a figura do vestiário à entrada do bar, para um tipo deixar o casaco, aqui, não existe. Deixo o casaco numa cadeira e vou para a pista. Está-se mesmo a ver o que vai acontecer, não é? Pois claro: "Don’t Stop Me Now" passa outra vez e é o delírio da miudagem. Sinto-me quase traído, ao ver tanta gente em êxtase com a música dos Queen. Era suposto aquela música ser minha, só minha. Agora tenho que dividi-la com o Mundo. Mas o que é que estou para aqui a dizer? É muito melhor assim do que andar a levar com o David Guetta.
Ah, pois, e roubam-me o casaco. A noite de Águeda está a ficar perigosa. Sem o único casaco que trouxe na mala, começo a reavaliar se aqueles collants que a minha mãe me obrigava a usar na primária não eram, afinal, uma boa ideia. Acho que esta é a pior noite de sempre.

Dia 2 – York
A noite de ontem não foi assim tão má. Diria até que foi das mais épicas de sempre. Pena a cena do casaco. Mas que se lixe, as bifas do norte de Inglaterra são impecáveis e o filho de mil meretrizes que me levou o casaco, no final de contas, fez-me um favor. Comprei um casaco de pele muito mais cool e fiquei a ganhar com a mudança. Se agora aparecesse o antigo é que era. E já que estamos a pedir, também podia aparecer o outro blusão de pele que me roubaram no Bairro Alto em 2009. E a mala de CDs que me gamaram do carro no Arraial do Técnico em 2008. Ou talvez seja eu que tenho que começar a beber menos. Haha, beber menos, estava a brincar.
Já agora, um aparte: será que chamar as inglesas rosaditas de 'bifas' é racista, se eu gostar da raça? (e gosto) Fica a questão.
#estaroubeiaoSeinfeld

À procura do casaco novo, ainda dou com uma feira de discos, com aqueles preços apetitosos que tanto procurava e saio de braços carregados com uma selecção portentosa do bom vinil britânico; e ainda compro uma t-shirt dos Stone Roses. Mesmo a calhar, "I Wanna Be Adored" tem sido um dos hinos desta viagem. Também já aprendia a fechar a braguilha.
#oldhabitsdiehard
#estouaficarviciadonoshashtags
#omelhorépararcomestamerda






Dia 3 – Manchester
Regresso a Manchester para uma jornada de descoberta. Descubro que a Haçienda (clube histórico da cena Madchester) é agora um complexo de apartamentos. Descubro que o Salford Lads Club (onde os The Smiths posaram para a artwork do "The Queen Is Dead") continua a ser o que sempre foi. Faço uma visita guiada pela mancuniana mais simpática e católica que eu já conheci, que me mostra todos os cantos à casa. O sonho dela é ir a Fátima. Quando lhe digo que já lá fui várias vezes, os seus olhos brilham. Fixe, nunca pensei que ter ido a Fátima me desse um leverage com uma miúda. Estou mesmo a gostar de Inglaterra. Descubro que o Lads Club tem hoje uma sala indescritível – mais parece um altar – dedicada aos The Smiths, com paredes forradas do chão ao tecto com lembranças e post-its deixados por fãs que por ali passaram. Só estando lá é que se tem noção do nível de devoção que uma banda como os The Smiths provoca. Indescritível, mesmo.



No fim, deixo o meu post-it, tiro a clássica foto em frente à entrada do Lads Club e sigo viagem.


De regresso ao centro, faço uma paragem técnica no Manchester Arndale (ao lado do Northern Quarter) para comer e descubro uma das lojas mais cool de sempre, com um nome não menos cool: Pulp  uma loja com tudo para rockers. Carrego uma t-shirt dos Guns e outra dos Stones. Vir ao UK para mim é caro, mas não é pelo preço da viagem; não consigo parar de gastar dinheiro.
Ao fim da noite, descubro ainda que as miúdas do norte de Inglaterra não lidam muito bem com a rejeição: quando tento explicar a uma loirita num bar que estou demasiado cansado para uma noite triunfal de Domingo (não sejam farrombas, já contava com 50 kms nas pernas em 3 dias e não há heróis), levo uma joelhada épica nas partes baixas. Não faz mal, estou a adorar isto e parece que o sentimento é correspondido.
Mas hoje já chega, vou dormir, que amanhã os Beatles esperam-me em Liverpool.

Não percam amanhã a segunda parte do diário de bordo, porque eu também não. Até porque sou eu quem a vai escrever.