quarta-feira, 5 de julho de 2017

Radiohead - "Man Of War"

"Drunken confessions and hijacked affairs just make you more alone"


Um dos maiores elogios que recebi em toda a minha vida foi de uma paixão que durou apenas 3 dias em Londres. Há amores que são assim — só existem numa determinada janela de espaço e tempo. Passadas as portas da Martini na Portela, o turbilhão desvaneceu tão rapidamente como aparecera; mas naquelas 72 horas, parecia que não havia mais nada do mundo. Eram todas as cores e todos os sonhos ao mesmo tempo, condensados numa só tempestade adamastora que lavrava tudo à sua passagem.
Encostados ao muro junto ao rio, a olhar para a Tower Bridge depois de um beijo apaixonado, ela virou-se para mim com um olhar encantado e disse-me que o que mais a impressionava em mim é que eu parecia não ter medo de nada. Sem perceber a tragédia do verdadeiro alcance das suas palavras, sorri e por um momento senti-me o James Bond.

Toda a minha vida fantasiei em ser duas coisas: uma estrela de Rock n Roll e o James Bond. Talvez por isso tenha sempre sentido esta atracção irresistível pelo perigo e pelo erro iminente. Para mim, as palavras dela foram um enorme elogio, mas nem por isso tirei quaisquer dividendos deste destemor. A verdade é que o medo não é mais que uma consequência — às vezes nefasta, às vezes salvadora — das experiências negativas que acumulamos. É um sinal de inteligência emocional. Esta minha estúpida falta de medo deve-se ao facto de ter sido abençoado com a maldição de não aprender com as experiências anteriores e por isso não ter medo de cair nos mesmos erros uma e outra vez. E como tal, não tenho medo de nada.

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"Man-o-war is very melodramatic. Too melodramatic. When we started out, it was just a homage to Bond themes really. I like it. It's pretty much the opposite to everything we're writing."
Thom Yorke



Segundo a minha fiel fonte dos Radiohead e maior especialista da banda que conheço — o Filipe (leiam a review dele da reedição do "OK Computer") —, "Man Of War" foi o tema sugerido à EoN (produtora dos filmes do James Bond) quando os abordaram para a banda sonora de "Spectre". O tema foi escrito por alturas do "The Bends" como uma homenagem aos Bond themes, na expectativa de um dia os Radiohead serem chamados à prova (em cima, num clip retirado do documentário "Meeting People Is Easy", podemos ver a banda no estúdio a gravar o tema). Não foram e "Man Of War" ficou na gaveta durante 20 anos, até hoje, que finalmente viu a luz do dia na reedição de "OK Computer".
A chamada chegou finalmente em 2015, mas a EoN perversamente  não aceitou o "Man Of War" por ser um tema antigo. Como tal, os Radiohead gravaram "Spectre", que foi igualmente rejeitado por ser demasiado dark e em última instância foi chamado Sam Smith, que acabaria por gravar o deveras underwhelming "Writing On The Wall".
Não consegui verificar se foi exactamente assim que se passou, mas como gosto da história, vou adoptá-la como a minha versão, até porque como dizia o Mark Twain, "never let the truth get in the way of a good story".

Na verdade, "Man Of War" talvez fosse demasiado complexo para o portrayal que a EON quer fazer do James Bond nos seus filmes. Na visão original de Ian Fleming, James Bond é um assassino. Plain and simple. É um homem com mais morte e menos swing que a série de filmes quer fazer crer. Mas acima de tudo, é um homem. Um homem igual aos outros, com medos, desejos e anseios. A morte dos outros é a forma que Bond encontrou para compensar a sua própria morte interior. E é assim que os Radiohead se atrevem a caracterizá-lo.

"Drunken confessions and hijacked affairs just make you more alone"

O que mais me fascina na personagem do James Bond é o que estará por trás do homem infalível que vemos no ecrã. Nas cenas nunca mostradas, quando a câmara desliga e a missão está descomprometida, de certeza que detrás de todas aquelas conquistas há um homem que bebe uns copos a mais e conta os seus segredos a pessoas que conhece há tempo de menos para os saberem; que pega no carro e conduz bezano pelas curvas da Arrábida (ou de Monte Carlo) sem medo, em busca de respostas para os seus tormentos; que anseia pelo momento em que chega a miúda que lhe diz "és a minha Rock 'n' Roll Star".

"Man Of War" retrata este herói solitário e perturbado, um homem sozinho que vive com o peso d'a missão nos seus ombros. É o melhor tema de James Bond que nunca o foi. A recusa da EoN faz com que "Man Of War" deixe de ser necessariamente sobre Bond e passe a ser sobre quem quer que viva oblívio do medo e do perigo que espreita a cada esquina. Até finalmente perceber que não há finais felizes.

terça-feira, 4 de julho de 2017

Phil Collins - "Invisible Touch" (Live in Hyde Park 2017)

"And though SHE WILL FUCK UP YOUR LIFE, you want her just the same"


Não tenho muitos amigos. Nem quero. Os amigos dão muito trabalho e são uma grande responsabilidade. É preciso estar presente (mesmo quando distante), saber da vida deles e mimá-los. A amizade não é, aliás, uma coisa que eu dê como garantida. Tomo-a como uma distinção e tento estar à altura dela, provar dia após dia o merecimento de tal galardão. Em contrapartida, são os meus amigos que me enchem o coração e estão lá quando eu mais preciso.
Não conheço o Phil Collins pessoalmente, mas tenho-o como um amigo porque ele esteve lá sempre que eu precisei dele. Ele agora precisou de mim e eu fui para Londres a correr para o acudir.

Esta crónica é o último capítulo de uma trilogia que contou o regresso de Phil Collins à música e que começou a ser escrita na NiT em Janeiro de 2016. A primeira parte, por altura da reedição da sua obra a solo, centrou-se na absurda percepção plástica da sua obra. A segunda, aquando do anúncio da sua digressão –, sarcasticamente baptizada de 'Not Dead Yet Tour' – focou-se na queda de Phil que quase o levou ao suicídio. O capítulo final, este, conta a história do último concerto desta digressão terapêutica para Phil.


A 'Not Dead Yet Tour' terminou na última sexta-feira num Hyde Park esgotado com 65 mil pessoas, curiosamente o maior concerto da carreira a solo de Phil Collins. Foi muito estranho ver o Phil entrar lentamente em palco de bengala, aparentando uma fragilidade mais parecida com o Sr. Zé da Casa de Repouso das Sarnadas de Ródão (tratem bem da minha avó!!), do que o alegre e vivaço baterista que eu conheci. Os anos não foram meigos para com o tio Phil. Mas em boa hora os filhos o obrigaram a mexer o rabo e a sair de casa para voltar a ser recebido pelos seus amigos.

"Eu sei que prometi não voltar a fazer isto. Mas a verdade é que tive saudades vossas", começou Phil –  aludindo ao facto de se ter retirado da música há 10 anos –,  antes do seu filho Nicholas arrancar com a inconfundível batida para "Another Day In Paradise". Nicholas acabou de fazer 16 anos, mas já mostra uma habilidade e constância surpreendentes na bateria. Foi a grande surpresa do espectáculo. "Filho de peixe", já diz o povo.

Seguiu-se um set – demasiado curto – de hora e meia carregada de êxitos como "You Can't Hurry Love", "Easy Lover" e, obviamente, "In The Air Tonight"; 14 temas no total. Não sei se por cansaço do Phil (ainda há umas semanas voltou a cair na casa de banho do hotel e a magoar-se à séria), se por limitações de horário do festival (os vizinhos do Hyde Park são milionários e muito chatos com o barulho, não é senhor Sting?), mas de fora ficou 1/3 do set normal da digressão, incluindo alguns dos temas que mais queria ouvir, como o pujante "I Don't Care Anymore" e o comovente "You Know What I Mean", com Nicholas ao piano e Phil na voz – um dueto de pai e filho.

Confesso que me soube a muito pouco, especialmente considerando as 95 libras que custava um bilhete para a zona da Plateia Geral que, atrás do Golden Circle e do Diamond Circle (onde é que isto parar?), começava a 120 metros do palco (confirmei pelo Google Earth). Mas o pior não foi isso. A grande desilusão foi o som vindo das colunas, que mal se ouvia. Já levo uns anitos de concertos (este foi o meu 178º) e confesso que nunca na minha vida estive num concerto Rock ao ar livre com o volume tão baixo. Eu estava à frente da zona da Plateia Geral, centrado com o palco e tinha imensas dificuldades em ouvir as guitarras e até a voz do Phil. Àquela distância, só o baixo e a bateria se salvavam.


Por outro lado, Phil cantou "Invisible Touch" e "Follow You, Follow Me", o que muito provavelmente será o mais perto que eu estarei de ver os Genesis ao vivo. Quase perdi a voz no "Invisible Touch" e julgando pelo volume do som vindo das colunas e o volume da minha voz, aposto que num raio de 5 metros à minha volta ouviram mais a minha voz que a do Phil. Pelo menos quando eu gritei "and though SHE WILL FUCK UP YOUR LIFE, you want her just the same!!!" a plenos pulmões, toda a gente se virou para mim. Mas o que importa é que deu para lavar a alma.

Do que me foi possível ouvir, a voz de Phil já não está em condições para estas andanças. Mas o propósito desta digressão era outro. O concerto não foi mais que a maior sessão de terapia alguma vez organizada. À minha volta, gente de todo o mundo que veio para, como eu, voltar a ver o Phil sorrir. Os mais velhos vieram matar saudades e os mais novos para o ver pela primeira (e última?) vez. É notável a paixão da geração mais nova pela música do Phil, depois de tantos anos de injustificado escárnio; e é engraçado perceber que os millennials se estão a encarregar de voltar a pôr as coisas no seu devido lugar. Grupos enormes de miúdos entre os 15 e os 25 anos que, quando acabou o concerto e começou a debandada geral, ficaram a cantar as músicas que faltaram na setlist. E foram muitas, como já vimos.

Sabe bem ver o Phil finalmente reconhecido pelo grande músico que é e pela minha parte, tenho que dizer que estou um pouco orgulhoso por fazer parte dessa mudança de mentalidade.  Phil merece todo o amor que estes 65 mil amigos que não o conhecem de lado nenhum lhe vieram mostrar. Para alguém que teve tanto sucesso e fez tanta gente feliz com o seu toque invisível, não faz sentido nenhum sentir-se tão mal com o seu passado. Espero que esta noite o tenha ajudado. No fim, Phil despediu-se com um "Obrigado por terem vindo, amo-vos a todos". Soltei uma lágrima e sussurrei baixinho: "I love you too, Phil. Always have, always will".

P.S.: Trouxe um souvenir do concerto para me motivar a (finalmente!) começar as minhas aulas de bateria. Mesmo manco, o Phil ainda é capaz de me ajudar a mexer. Se isto não é um amigo...