terça-feira, 3 de setembro de 2013

John Lennon - "Mother"

"MAMA DON'T GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO! DADDY COME HOME!"


"Mother you had me, but I never had you"

A infância de John Lennon foi particularmente atribulada.
John nasceu em Liverpool, onde viveu os primeiros anos de vida com a sua mãe - Julia (do tema "Julia" do White Album) - e com um pai ausente, que se limitava a enviar os cheques da renda para casa. Aos 3 anos, os cheques deixaram de chegar à caixa de correio e o pai - Alfred - desapareceu sem deixar rasto durante 6 meses. Quando voltou, Julia já tinha engravidado de outro homem e recusou o regresso de Alfred a casa.

"I wanted you, you didn't want me"

Atenta ao ambiente tormentoso onde o pequeno John estava inserido (o rapaz dormia na mesma cama que a mãe e o padrasto), a sua tia Mimi (irmã de Julia) fez queixa aos serviços sociais de Liverpool e assim Julia deu a custódia de John à irmã.
Quando Lennon tinha apenas 5 anos, o seu pai tentou raptá-lo para a Nova Zelândia, mas Julia seguiu-os e obrigou o menino a escolher entre os dois pais. John escolheu o seu pai, mas desatou a chorar quando viu a mãe ir-se embora. O pai desapareceu de vez e John não voltaria a vê-lo até fazer 25 anos.

"Father you left me, but I never left you"

O pequeno John acabaria por voltar à sua tia Mimi, com quem passou o resto da sua infância e adolescência. Durante este tempo, a mãe visitava-o frequentemente. Foi Julia quem lhe incutiu o gosto pelo Rock, dando-lhe a ouvir os discos de Elvis e oferecendo-lhe uma guitarra que logo captou a atenção de John, contra a vontade da tia, que queria que ele se concentrasse nos estudos.
Um dia, tinha John 17 anos, Julia foi visitar a irmã Mimi, mas John não estava em casa. No caminho de volta para a paragem de autocarro, a mãe de John foi atropelada por um carro conduzido por um polícia e morreu.

"I needed you, you didn't need me"

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Como seria de esperar, toda a turbulência na infância de John marcou-o indelevelmente até ao final da sua vida e reflectiu-se, naturalmente, na sua carreira.
O trabalho onde os dramas de criança de John ficaram mais vincados foi "John Lennon / Plastic Ono Band" - o 1º álbum a solo de John Lennon a sério, gravado em conjunto e com a mesma banda, que o álbum Avant-Garde (como não poderia deixar de ser...) "Yoko Ono / Plastic Ono Band".
Por consideração ao John, não vou contar com os álbuns "experimentais" com a Yoko - "Two Virgins" (o álbum onde John e Yoko apareceram na capa em nudez frontal), "Life With Lions" e "Wedding Album" - os dois primeiros justamente acompanhados pelos prefixos "Unfinished Music No. 1" e "Unfinished Music No. 2", respectivamente.
A primeira vez que Lennon levou a sua arte a sério foi em 1970, com "John Lennon / Plastic Ono Band". E se levou a sério...


Nesta altura, John ainda apanhava os cacos da queda dos The Beatles pelas escadas abaixo, qual Álvaro de Campos em "Apontamento". Mas resolveu fazê-lo de uma forma muito mais ampla, lidando com todos os problemas que o atormentaram ao longo da sua vida.
Está tudo aqui, em "John Lennon / Plastic Ono Band": a perda da mãe e do pai, em "Mother" e "My Mummy's Dead"; a perda de fé em Deus e em todas as referências, em "God"; o amor, em "Love"; a descrença na sociedade, em "Working Class Hero"; o isolamento, em "Isolation".

O álbum é Lennon no seu âmago mais profundo. Neste disco, Lennon arranca o seu coração do peito, com as próprias mãos e a sangue frio e espeta-o de cima da mesa.
O motor da resolução destes conflitos internos foi a terapia primal de Arthur Janov, cujo livro "The Primal Scream" incitava o leitor a expressar, sentir, e relembrar as dores outrora reprimidas. Já aqui falei da terapia primal, a qual uns anos mais tarde inspiraria 2 rapazes a formar os Tears For Fears e a gravar o seu álbum de estreia "The Hurting".

O grito de Lennon no fim do tema, ao chamar pela mãe e pelo pai, é o melhor exemplo de grito primal que alguma vez ouvirão. E como sempre acontece com John, mesmo a gritar, sai música.

"MAMA DON'T GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO! DADDY COME HOME!"

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Não sei, nem quero saber, o que seria perder a minha Mãe, ou o meu Pai. Muito menos ambos. Felizmente, não tenho essa noção.
Eles são tudo para mim: se eu sou quem sou hoje, se atingi aquilo que atingi, tudo lhes devo, a eles. São as pessoas que eu mais amo no Mundo.

A minha Mãe é, seguramente, pelo lado dela, a pessoa que mais me ama no Mundo.
É um amor visível nos seus olhos, quando eu regresso a casa, após um mês sem me ver.
É um amor audível nas suas palavras, todos os dias, quando eu atendo o telefone, respondendo a uma das suas 20 chamadas diárias. (Desculpa não as atender todas, Mãe, mas eu também tenho uma vida)
É um amor que se sente, a cada sacrifício que eu a vejo fazer por mim.
É um amor quase palpável. É um amor tão forte, tão sólido, tão denso, que por vezes quase o consigo agarrar nas minhas mãos.

O meu Pai é o meu radar, o meu farol, o meu barómetro.
Foi por ele que eu sempre me guiei, foi ele que eu sempre quis imitar.
É ele o meu exemplo de homem, o meu role model.
aqui tinha falado dele.

Amo-vos. Obrigado por estarem sempre comigo.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

George Harrison - "What Is Life"

"Tell me, what is my life without your love?"



"The album grabs you up by the neck and holds you in a cathartic state for such a long time that it really wears you down - this is not listening for relaxation, this is listening for purification, plain and simple.
80 minutes worth of musical orgasm."

Já o referi diversas vezes: não ligo muito a críticos musicais. Pelo menos não os tenho como oráculos do que é bom ou não, ou do que devo ou não devo ouvir. Contudo, gosto de ler algumas opiniões, principalmente daqueles que têm ideias fortes e vincadas (como eu) e verificar se a minha opinião coincide com a deles. Quando isso acontece, acho engraçado; quando não acontece, é-me igual, por vezes até me rio com a disparidade de visões.

Vezes outras existem, que lemos uma opinião que espelha na totalidade o que pensamos e o que sentimos acerca de um determinado assunto. A citação que coloquei em cima é de George Starostin, um crítico musical que "leio" há mais de 10 anos e uma das inspirações para escrever este blog. Inspiração da ideia, note-se. Sou obrigado a sublinhar que Starostin abomina os Queen, pelo que discordo em larga escala de algumas das suas opiniões, mas não deixam de me entreter.
No caso de "All Things Must Pass", estamos em sintonia.



Ontem falei aqui acerca do White Album ("The Beatles"), de como este álbum era "o castelo de pedra, em cima do monte majestoso que é a discografia" dos The Beatles. Verdade. Mas... e se eu disser que a nível de majestuosidade, de imponência, nada, NADA mesmo, chega a "All Things Must Pass"?
Se a palavra-chave do White Album era diversidade, em "All Things Must Pass", a palavra-chave é majestuosidade. (partindo do princípio que a palavra existe mesmo)
Se o White Album é um castelo, então o álbum de estreia de George Harrison é uma catedral, imponente e majestosa; uma obra épica, de uma grandiosidade que nos esmaga os sentidos e ao mesmo tempo os acolhe.
Como diz Starostin, é um álbum que nos "agarra pelo pescoço" e nos "deixa num estado catártico durante tanto tempo, que chegamos ao fim cansados". E acrescenta:"Isto não é ouvir para relaxamento, isto é ouvir para purificação, pura e simples."

Eu sei, já me estou a exceder outra vez. É o costume: quando falamos de "All Things Must Pass", desdobro-me no uso dos superlativos, ainda mais do que o habitual.
"All Things Must Pass" é de longe o álbum que mais ouvi nos últimos 2 anos. Curiosamente, essa relação de quasi-dependência da obra-prima de George Harrison começou em Londres, numa viagem que fiz por esta altura, há sensivelmente 2 anos.
Volvidos 2 anos, numa altura em que regresso a Londres, com a possibilidade de ficar, "All Things Must Pass" também regressou à minha playlist. Desta feita, principalmente pela mão de "What Is Life", o tema mais optimista do magnum opus de George Harrison. Tempos felizes.


domingo, 1 de setembro de 2013

The Beatles - "Back In U.S.S.R."

"You don't know how lucky you are, boy"




Esqueçam as compilações com os maiores êxitos, esqueçam as colectâneas, esqueçam o Álbum Vermelho ("1962-1966"), esqueçam o Álbum Azul ("1967-1970"). Se quiserem saber porque os The Beatles foram mesmo importantes, então o que querem ouvir é o Álbum Branco ("The Beatles").

"The Beatles" é um monumento. É o castelo de pedra, em cima do monte majestoso que é a discografia da banda. É um castelo construído em pedra maciça, pesada. As pedras são as canções, 30 no total. 30 temas que mostram o bom, o mau e o feio dos The Beatles.
As compilações podem mostrar porque os Beatles foram grandes, mas não mostram o porquê de terem sido os mais importantes.



O álbum homónimo dos The Beatles é vulgarmente conhecido como White Album ou, em português, o Álbum Branco. É um álbum duplo, lançado em 1968 e que não inclui muitos mega-êxitos; esses foram, propositadamente, deixados de fora do álbum - falo de "Hey Jude" e "Revolution" (a versão pesada do tema).
Curiosamente, o grande êxito que foi, de facto, incluído no álbum, é um dos temas mais fracos do lote: "Ob-La-Di Ob-La-Da" - um tema-paródia cujo interesse eu considero ser pouco superior ao de "Yellow Submarine". (não era difícil)

O que resta do álbum... Bem, o que resta é um cardápio ilustrado da importância dos The Beatles na música Rock feita desde então; é um autêntico catálogo de tudo, ou quase tudo, o que se pode fazer no Rock.
Estamos em 1968 e, logo aqui, os The Beatles deixaram muito pouco para inventar. Não que eles tenham inventado alguma coisa no vácuo. Nada disso. Mas tiveram o condão de ir beber aqui e ali, a tudo o que de novo se experimentava na época (estamos nos anos 60 e a palavra-chave é precisamente esta: experimentar), somar essas influências ao seu único sentido melódico e usar o veículo dos The Beatles - na altura, uma das entidades com maior visibilidade no Mundo (lembrem-se do "bigger than Jesus" de John Lennon) - para as espalhar por toda a parte.
De repente, milhões de miúdos foram expostos ao Heavy Metal de "Helter Skelter" (e isso não fez muito bem a alguns deles, veja-se o Charles Manson), ao Avant-Garde de "Revolution #9" (escusado, John, escusado...), ao Country Rock de "Rocky Racoon", ao British Hall de "Honey Pie", bem como a um pouco de todos os géneros que os Beatles já tinham experimentado anteriormente.
Em cima deste bolo, temos ainda a cereja trazida por Eric Clapton, a fazer a estreia de um non Beatle num disco da banda, em "While My Guitar Gently Weeps" - o meu tema preferido dos The Beatles.

Como vimos, a grande novidade que a banda introduziu em "The Beatles" e que é a palavra-chave deste álbum é diversidade. Mas será que esta é a grande valência do White Album? Negativo.
A grande valência de "The Beatles" são as melodias; umas atrás das outras, são descarregadas sobre o ouvinte como uma torrente.
Recordo que este é um álbum duplo, com 30 temas e todos eles com o seu interesse. Até o "Revolution #9" é interessante, só que não o é no âmbito musical.

"The Beatles" é rico devido à sua diversidade, mas é maravilhoso devido à qualidade individual das suas canções. Nem todas são apostas ganhadoras, é preciso dizê-lo. Já referi o escusado (ou deverei dizer Yokonizado?) "Revolution #9", há a parvoíce de "Why Don't We Do It In The Road?" (o tema mais gráfico da banda, que curiosamente não deu polémica alguma) e há também "Don't Pass Me By" - o inevitável rebuçado que deram ao Ringo (bem que podiam tê-lo ajudado a escrever algo melhor). Mas mesmo estas são apostas feitas conscientemente; eles sabiam os riscos que corriam, mas lavaram as mãos e não se importaram com isso em favor da... diversidade.

White Album faz parte da minha banda sonora do Verão, já desde 2008 que assim é. Há qualquer coisa no gesto de ligar a ignição do carro, quando estou debaixo de um sol que, num céu aberto, parece querer torrar o volante, que me induz a pôr "Back In The U.S.S.R." em volume máximo.
"Back In The U.S.S.R." é um tema escrito por Paul McCartney (mas creditado à parceria Lennon-McCartney) , que prova que Paul pode não ser o mais convincente dos roqueiros (era ele o cute Beatle), mas consegue ser um dos melhores. O tema causou na época alguma controvérsia uma vez que, em plena guerra fria, Paul parecia cantar "I'm backin' the U.S.S.R.". A verdade é que os Beatles não queriam tomar lados nesta guerra e a fazê-lo, não seria com certeza o americano, até porque os mercados (na altura barrados) do leste eram muito apetecíveis.

O avião que introduz "Back In The U.S.S.R." (uma das melhores introduções de sempre para um tema) dá o pontapé de saída para o monstro que é o White Album. Curiosamente, o álbum surge numa altura em que a banda já andava às avessas, tendo mesmo levado à saída de Ringo Starr (mas só por umas semanas). Com isto, muitos dos temas foram gravados pelos vários membros da banda, literalmente a solo; com John, Paul e George a gravarem, ao mesmo tempo, temas diferentes, em salas diferentes do mesmo estúdio.
O resultado é que "The Beatles" pode ser visto como o somatório de vários álbuns a solo dos vários Beatles. Contudo, a verdade é que tudo o que aqui ouvimos tem o filtro, os instrumentos e o sentido melódico dos The Beatles; E isso não é de somenos, como se veria uns anos mais tarde, em alguns trabalhos verdadeiramente a solo dos vários Beatles, quando estavam rodeados epanas de yes men.

White Album é o meu álbum de eleição dos Beatles.
No dia em que forem obrigados a escolher um álbum dos The Beatles para levar para uma ilha deserta, esqueçam as colectâneas, esqueçam o Álbum Vermelho, esqueçam o Álbum Azul. Levem o Álbum Branco.