quarta-feira, 21 de junho de 2017

The Kinks - "Shangri-La"

"You've reached your top and you just can't get any higher. You're in your place and you know where you are, in your Shangri-la"

Shangri–la: 
1:  a remote beautiful imaginary place where life approaches perfection
2:  a remote usually idyllic hideaway


"Agora que encontraste o teu paraíso, este é o teu reino para comandar". O cinismo cheira-se à distância nas primeiras linhas de "Shangri-la", o mais fascinante tema dos The Kinks. Complexo e multiparte, erudito e quasi-progressivo (pelo menos na mesma medida de "Happiness Is A Warm Gun" — outro tema cínico de um tal de John), "Shangri-La" mostra o lado mais intelectual da banda em detrimento do apelo proto-punk de temas carregados de testosterona como "You Really Got Me" e "All Day And All Of The Night". Onde antes havia desejo, agora há cinismo. A minha dúvida é até onde ele vai.


Levado à letra, "Shangri-la" fala sobre as parcas aspirações da classe média, para quem os grandes sonhos se resumem a um carro, uma casa com nome na porta e uma cadeira confortável em frente à lareira para beber chá com os vizinhos. Sonhos de pantufa comedidos, equilibrados e realistas que, quando não acompanhados da loucura do amor, são inexoravelmente medíocres (e que o MEC descreveu aqui tão bem — têm mesmo que ler isto). Sonhos que eu quero longe de mim e da minha vida. Não duvidem, esta teimosia em me dobrar ao cinzentismo da realidade sujeita-me a um carrossel emocional de dissabores, mas talvez seja esse o preço a pagar por uma forma de viver romantizada e, como diria o meu Louis C.K., um pouco estúpida. Mas haverá outra forma de viver?

Na verdade, "Shangri-la" teve origem na visita dos manos Davies (Ray e Dave) à Austrália em 1964, onde foram ver a sua irmã mais velha que se tinha mudado para um condomínio fechado com o marido. Por isso admito que a leitura literal do tema até pode ser historicamente a mais correcta. Contudo, eu tenho uma visão bem mais ampla de "Shangri-la" do que uma mera alfinetada aos sonhos terrenos da classe média. O cinismo vai bem para lá da crítica social.

Para mim, "Shangri-la" é uma revenge song, ou uma break-up song — dependendo do grau de relacionamento com o alvo do tema. O tom jocoso com que Ray Davies entrega linhas como "You've reached your top and you just can't get any higher" ou "You're in your place and you know where you are" leva-me a crer que o alvo era bem mais específico que a classe média. É uma canção de vingança à imagem de "Death On Two Legs" (Queen) e "How Do You Sleep?" (John Lennon), ou uma canção de separação como "Positively 4th Street" (Bob Dylan) e "I Am The The Resurrection" (The Stone Roses).

O caso mais interessante é, obviamente, o da separação amorosa. E o cenário aqui é bem claro: Ray Davies foi abandonado em detrimento do Shangri-la do seu par, a quem ela pode finalmente dar toda a atenção que Ray antes roubava; o mundo dela foi mais forte do que Ray e ele não conseguiu lutar mais contra isso; Ray ficou sozinho e cinicamente lhe diz que "agora que encontraste o teu paraíso, este é o teu reino para comandar". Como quem diz, "fizeste a tua escolha, agora lida com as consequências".

Claramente prefiro a minha interpretação.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Let the music do the talking.