"I'll take it all, I may lose or win, a new merry-go-round. Carnival begin"
Permitam-me que solte isto logo de início: "Carnival Begin" é um dos temas do ano. É lindo, lindo, lindo. Eu sei, certamente não o vão encontrar nas listas dos melhores do ano das publicações mais trendy, mas fuck that, não deixem que isso afecte o vosso sentido de melodia. Só precisei de o ouvir uma vez para ficar agarrado. Amor à primeira audição, podem chamar-lhe. Acontece. E nem de propósito, porque é mesmo de amor que fala o tema; mais especificamente um novo amor, um novo carrossel, um novo carnaval que começa ("I want it all / All the colours and swings / A new merry-go-round / Carnival begin").
Começar de novo. É sempre uma merda. É preciso estômago, depois dos enjoos sofridos na última viagem. Mais que isso, é preciso coragem para vencer o medo de um carrossel desconhecido, sentar no pónei e ter a esperança pueril que desta vez vai correr tudo bem. Mas antes que isto se pareça com um livro do Pedro Chagas Freitas, vou fazer uma ligação ao mundo real e citar o meu filósofo de eleição ainda vivo: "Why the fuck would anything nice ever happen?!".
Ou então sou que tenho ouvido demasiadas vezes o novo álbum do Roger Waters. Também pode ser isso.
Alheios à erma realidade, Lindsey Buckingham e Christine McVie navegam ingenuamente pelas águas do sonho em "Carnival Begin" e isso reconforta-me; nem que seja para também eu me alhear da realidade. O ambiente acolhedor bluesista senta-me imediatamente na velha poltrona do meu Pai na sala da minha casa antiga, à meia luz das persianas quase-fechadas, deixando apenas os orifícios para passar a luz e o barulho da linha de comboio. Desenganem-se se pensam que vos falo de nostalgia. Não. Isto não é saudade da infância e muito menos da casa à beira da linha de comboio (belas madrugadas eram essas). É sim uma ânsia de um sentimento familiar. Saudades de um futuro desejado, talvez. Mas avancemos que isto agora é que se está a tornar num livro do Pedro Chagas Freitas.
"Carnival Begin" só peca por terminar demasiado cedo, interrompendo o coito de um solo de guitarra tão belo e tão raro nestes tempos em que toda a gente se pela de medo por arriscar um solo num disco. Louvo-te a coragem, Lindsey. O solo de guitarra em fade out fecha "Lindsey Buckingham Christine McVie" — um álbum que tem tanto de elusivo, que eu me pergunto se os seus criadores querem mesmo que tenha sucesso.
"Lindsey Buckingham Christine McVie" é, na prática, o novo álbum dos Fleetwood Mac em tudo menos no nome. Senão vejamos: todos os temas são escritos por Lindsey Buckingham e Christine McVie, dois terços do núcleo de compositores da formação clássica dos Fleetwood Mac; a secção rítmica que toca no álbum é composta por Mick Fleetwood na bateria e John McVie no baixo, nomes que acho que são auto-elucidativos; e last, but defintely not least, o álbum soa brutalmente a Fleewood Mac. E como não? Afinal de contas, a equipa é a mesma. Só falta mesmo a Stevie Nicks. Mas quem precisa da Stevie Nicks, anyway? Nada contra a senhora, seria aqui muito bem-vinda com dois ou três temas e uns "Aaaahs" e uns "Oooohs" nas backing vocals, mas será que ela é mesmo precisa? Só se for mesmo para dar direito a usar o nome. Mas se ela não queria ter trabalho, podia ter aparecido para tocar umas maracas num dos temas e resolvia-se a questão.
Não houve Stevie Nicks, não pôde haver Fleetwood Mac e foi aqui que começou um rol de equívocos. Começando logo pelo nome do álbum. Quem conhece as bases da história dos Fleetwood Mac, mais especificamente da sua formação clássica, saberá que Lindsey Buckingham e Stevie Nicks foram recrutados anos depois do vazio deixado pela saída do icónico compositor e guitarrista Peter Green (por este ter, digamos, "fritado" com as drogas) e que o que lhes valeu a entrada na banda foi um álbum que gravaram em 1973, nos tempos em que eram um casal — "Buckingham Nicks", chamava-se o LP. Faria todo o sentido que este álbum, sendo uma colaboração entre Buckingham e McVie se chamasse... "Buckingham McVie". Foi esse o working title do álbum até à última hora e eu adorava que me explicassem a decisão de mudar.
Agora atentem na capa em cima. Será que era possível o Lindsey e a Christine estarem mais separados na foto da capa?! É que eu acho que nem as sombras se tocam. Para um álbum onde o afecto e a intimidade são temáticas recorrentes, não poderia haver capa mais fria. E tantas imagens melhores havia. Como esta foto de promoção, por exemplo:
Ou esta, com ambos sentados no sofá e Lindsey a mostrar todo o seu desconforto por estar ali. Ok, esta talvez não.
E por que não a recuperação de uma imagem clássica, dos velhos tempos dos Fleetwood Mac?
A capa do álbum é uma aberração entre o esquisito e o inexplicável. Não acredito que ninguém fosse capaz de avisar o Lindsey e a Christine que aquilo na melhor das hipóteses era medíocre e na pior passava a mensagem errada ao público (de afastamento). E se eu não conhecesse as capas obscenamente más dos álbuns a solo do Lindsey, ainda era capaz de suspeitar que era auto-sabotagem.
Ainda me resta mais uma queixa relativamente a "Buckingham McVie" (deixem-me ficar com o título antigo): o som. Mas que raio de assassinato sonoro vem a ser este? Para quê tanta compressão? Para quê o volume tão alto? Os álbuns dos Fleetwood Mac soam maravilhosamente bem, por isso sei que o Lindsey e a Christine sabem melhor que isto. Qual é a ideia? Apelar à geração Spotify? Malta, ninguém vai ouvir o vosso álbum porque o apanharam na barra de sugestões do Drake ou da Ariana Grande. Vão ouvir porque conhecem os Fleetwood Mac e estão habituados a essa bitola.
Agora que já ventilei as minhas reclamações, eis o meu veredicto. Nestes dias do Indie Rock perdido, bipolar e esquizofrénico, é sempre bom ouvir um álbum firmemente ancorado na melodia. E na positividade também. Para variar.
Se são fãs da era clássica dos Fleetwood Mac (entre o álbum homónimo "Fleetwood Mac" de 1975 e "Tango In The Night" de 1987), vão adorar "Buckingham McVie"; é um return to form da dupla mais improvável dos Fleetwood Mac e o melhor trabalho desde o longínquo (e a todos os títulos maravilhoso) "Tango In The Night". Se são fãs da era de Peter Green, talvez isto não seja para vocês. Se só conhecem alguns temas avulsos dos Fleetwood Mac (provavelmente "Little Lies", "Go Your Own Way" e "Gypsy"), devem dar uma chance a "Buckingham McVie", mas mais importante que isso, do que é que estão à espera para ouvir esfomeadamente o "Rumours" e o "Tango In The Night"? Ou esta playlist espectacular? Ainda aqui estão? Tudo para o Spotify! O "Buckingham McVie" pode esperar.
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