quarta-feira, 17 de julho de 2013

David Bowie - "Beauty And The Beast"

Outubro de 1977.
Subúrbios de uma qualquer cidade americana. Digamos que Detroit.
Um rapaz de 22 anos - digamos que Mike - é nesta altura, um (resistente) fã convicto de David Bowie e chega a casa com o novo álbum do seu artista preferido. Mike tira o enorme disco de vinyl da enigmática capa verde, com grande expectativa.


Afinal de contas, ao longo dos meses que se antecederam, Mike defendera o seu artista preferido acerrimamente, perante o seu grupo de amigos. Todos eles foram, em tempos, enormes fãs de David Bowie, mas todos haviam perdido a fé no seu ídolo.  Todos menos Mike.
Corrijo: todos foram enormes fãs de Ziggy Stardust. Com a tenra e impressionável idade de 17 anos, em Outubro de 1972, o Mundo daqueles miúdos fora abanado pela chegada do extra-terrestre ao seu pequeno planeta suburbano. Pintaram o cabelo de vermelho, foram ver Bowie ao Fisher Theatre e saíram convertidos.

Poucos meses mais tarde, chegou Aladdin Sane - o expoente americano de Ziggy - e perante o novo trabalho de Bowie, o grupo de amigos fez-lhe juras de amor eterno. Público e artista estavam em sintonia. Mike e os amigos pintaram a cara como Aladdin e foram ver David Bowie Ziggy Stardust ao Masonic Temple, onde renovaram os votos de uma paixão que parecia ser para sempre. Bowie era um ídolo, uma referência, um símbolo de que nada era impossível.

Mas, como em muitas histórias de amor... Existe um "mas".
Com os anos, Bowie mudara. A sua música também. Em 1977, já muito pouco do que ligara Bowie ao grupo de amigos de Mike se mantinha na sua música e a gota de água fora o lançamento do álbum "Low", no início desse ano.

Todos recordavam vivamente aquele fatídico dia, em que se juntaram na casa de Mike para ouvir "Low" pela primeira vez e que acabou com uma gigantesca queimada de discos laranja no seu quintal.
Que raio era aquilo, afinal? Um álbum de electronica? Um lado integralmente instrumental?
Para o grupo, ouvir "Low" era como espetar unhas em mármore não polido. O artista que outrora veneravam já não estava em sintonia com eles.

Mas para Mike, com este novo álbum tudo seria diferente.
Depois da recepção difícil de "Low", a editora de Bowie - a RCA - fez uma promoção agressiva ao seu novo álbum:

"There's Old Wave. 
There's New Wave. 
And there's David Bowie."


""Heroes"" (as duplas aspas são propositadas) estava a ser bem recebido pela crítica. O Melody Maker e a NME teciam loas ao "regresso à grande forma" de David Bowie. Bom sinal. Mike estava mesmo convencido que tudo seria diferente.

E assim, Mike colocou ""Heroes"" no gira-discos. O que ouviu foi isto:


“Anyone who's playing "Beauty And The Beast"... You know they get erections.”
Robert Fripp, guitarrista convidado de David Bowie para o álbum ""Heroes""


O disco começa a tocar e mal sai aquele "weeeunnn" da guitarra de Robert Fripp - aquela primeira nota distorcida, erótica, perigosa - Mike estava outra vez com a cabeça a andar à roda.
"What the f...."
Gostava de estar presente no quarto de Mike neste momento. Ver a cavalgada de emoções a galope na sua cara: da desilusão, ao fascínio; da estupefacção, à euforia.
Não era isto que ele estava à espera. Ainda não era desta que David Bowie finalmente ressuscitava Ziggy Stardust... Mas foi desta que Mike teve a epifania que lhe permitiu perceber o seu artista preferido: Bowie nunca mais iria ressuscitar Ziggy.
E no fim de contas, Mike estava bem com isso. Afinal de contas, também ele crescera.

Daí em diante, ""Heroes"" seria o álbum preferido do Mike. Já os amigos, estes passariam a odiar Bowie e tudo o que de novo fez; compraram calças à boca de sino e foram ao cinema ver o "Saturday Night Fever". Nunca mais falaram ao Mike. E no fim de contas, Mike estava bem com isso.

2 comentários:

  1. Muito bom! :)) um post diferente do habitual, podia ser o ponto de partida para algum argumento de filme. Gostei imenso!

    Não sabia que o Fripp tinha tocado para o Bowie...

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  2. Há aqui pano para mangas, de facto! Já estou a ver o título: "Young Americans - A história de um fã de música britânica nos EUA" :P

    Esta foi a primeira vez que o Fripp colaborou com o David Bowie (um dia destes falo mais um pouco sobre esta colaboração :) ), a segunda foi no álbum "Scary Monsters", que também tem material fabuloso!

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