sábado, 23 de junho de 2012

Bruce Springsteen - "The River" (Live)

"Is a dream a lie if it don't come true? Or is it something worse?"

A música de Bruce Springsteen é feita de histórias. Histórias com personagens, personagens como eu, tu ou qualquer outra pessoa que sinta, sofra e seja self-conscious (perdoem-me o anglicanismo, mas não consegui pensar numa palavra tão adequada em português).
Como nós, essas personagens têm sonhos, sonhos épicos... mas que na realidade nunca resultam como os tínhamos imaginado. Estas personagens foram introduzidas em 1975, no álbum "Born To Run", e acompanharam a música de Bruce ao longo de toda a sua carreira.

Será um sonho uma mentira se não se realizar? Ou será algo pior?

A vida não é um "mar de rosas". Temos que ter, à partida, essa noção, sempre que nos lançamos para um sonho, ou para um novo desafio. Mas a verdade é que, para quem tem uma natureza mais optimista, essa noção não existe e quando a realidade nos cai em cima, o embate é muito mais doloroso.
Será esse um motivo suficiente para deixarmos de sonhar? A resposta é negativa. Pelo menos, não é essa a minha opinião.
Nem é essa a opinião de Bruce Springsteen, cujas personagens (hoje já muito mais calejadas) foram do céu (em "Born To Run", assunto a que voltarei brevemente), ao inferno (em "Darkness On The Edge Of Town"), passaram pela desilusão (em "The River"), ou pela dissolução das suas relações sentimentais (em "Tunnel Of Love"), mas que sempre mantiveram a esperança e... o sonho (a mensagem forte dos álbuns da última década, desde "The Rising" a "Wrecking Ball").

As histórias que Bruce foi contando ao longo da sua carreira não foram um produto de geração espontânea do seu imaginário. Muitas delas tiveram origem em experiências pessoais e foram materializadas em música, de uma forma que todos que passámos por situações semelhantes nos podemos identificar. Como já aqui referi, é essa capacidade única, sem qualquer comparação que eu conheça, que eu tanto admiro nele.

Quando Bruce chegou ao fim da década de 70, já tinha passado pela sua dose de sofrimento, tanto com a família, nos seus anos de adolescente, como com a indústria da música, ao longo da sua carreira.
Os dramas que Bruce enfrentou ao longo da sua carreira, especialmente durante a gravação dos álbuns "Darkness On The Edge Of Town" e "The River", bem como dos que ficaram perdidos pelo meio, já foram aqui abordados.
Só ainda não falei nos dramas que Bruce enfrentou durante o seu crescimento.

E isto leva-me à difícil relação que Bruce tinha com o seu Pai, a qual funcionou como uma das principais forças motrizes da sua inspiração, especialmente na primeira metade da sua carreira.

Bruce não teve uma infância propriamente dramática. Filho de pais operários (a mãe era secretária e o pai fazia um pouco de tudo, para fugir ao desemprego e sustentar a sua família), de classe média e criado segundo uma educação católica rígida, os dramas de Bruce foram os mesmos de todos os adolescentes que tinham ideias diferentes dos pais (principalmente, do Pai) e que queriam seguir um caminho diferente, daquele que por eles tinha sido imaginado.

Afinal, Bruce estava, também ele, a desfazer um sonho do seu Pai.

O pai de Bruce não gostava da sua guitarra (referia-se a ela sempre como a "God-damned guitar") e detestava a ideia de ele fazer daquilo um modo de vida.
As discussões em casa eram uma constante.
Na introdução ao tema "The River", num concerto gravado no LA Coliseum, em Los Angeles, a 30 de Setembro de 1985, Bruce aborda esta tempestuosa relação:

"When I was growing up, me and my Dad used to go at it all the time, over almost anything.
I used to have really long hair, way down past my shoulders, when I was 17 or 18. Oh man he used to hate it...

We got to where we would fight so much that I would spent a lot of time out of the house. In the summertime it was not so bad, because it was warm and your friends were out. But in the winter, I remember standing downtown and it would get so cold... and when the wind would blow I had this phone booth that I used stand in. I used call my girl for hours at a time, just talking to her all night long...
Finally I would get my nerve up to go home, I'd stand there in the driveway and he would be waiting for me in the kitchen... And I'd tuck my hair down in my collar and I'd walk in... and he'd call me back to sit down with him... and the first thing that he always asked me was "What did I think I was doing with myself"?
And the worst part about it was I could never explain it to him.

I remember I got in a motorcycle accident once... I was laid up in bed, he had a barber come in and cut my hair and man... I can remember telling him that I hated him and that I would never ever forget.

He used to tell me:
"I can't wait till the army gets you... When the army gets you, they are gonna make a man out of you! They gonna cut all that hair off and they will make a man out of you!"
And this was in I guess '68... And there was a lot of guys from the neighborhood going to Vietnam. I remember the drummer in my first band coming over to my house with his marine uniform on, saying that he was going and that he did not know where it was. A lot of guys went and a lot of guys didn't came back and a lot that came back weren't the same anymore...

I remember the day I got my draft notice, I hit it from my folks and three days before my physical, me and my friends went out and we stayed up all night. We got on the bus to go that morning... Man, we were all so scared...
And I went... and I failed.

I remember coming home after I had been gone for three days, walking in the kitchen and my mother and father were sitting there and my dad said: "where you been?".
I said: "I went to take my physical."
He said: "What happened?"
I said: "They didn't take me"
And he said... "That's good.""




Bruce Springsteen é um óptimo contador de histórias. Esta, em especial, deixa-me sempre debaixo de um arrepio na espinha, principalmente no fim.
Afinal, o durão do Pai, que queria que o filho fosse um duro como ele, que queria que o exército o "amansasse", que queria que ele cortasse o cabelo, largasse a guitarra e fosse estudar Direito... Afinal, o Pai só queria o melhor para ele. O Pai amava-o e tudo o que fazia era na certeza que era o melhor para o filho. E estava no seu direito.
Porque afinal, Bruce estava, também ele, a desfazer um sonho do seu Pai.

Quando Bruce viu o alívio do pai, na altura que descobriu que o filho não vai para a guerra, terá sido aí que se apercebeu que tudo aquilo é o amor duro de um Pai. Tough love is, after all, true love.

O mais engraçado nisto tudo? É que Bruce se tornou, à sua maneira, de uma reflexão do seu Pai. Uma imagem reflectida num espelho diferente.
Bruce vestia-se com as roupas do seu Pai, cantava sobre as dificuldades da classe operária (que ele viu e viveu enquanto jovem) e assim tornou-se num estandarte da working class americana.
O Pai de Bruce queria que ele se tornasse um advogado, mas o que Bruce se tornou foi não mais que... o seu Pai, em cima de um palco.
Bruce falou sobre isso numa entrevista à Rolling Stone:

"When I went to work, I really went to work in my dad's clothes, and it became a way, I suppose, that I honored him and my parents' lives, and a part of my own young life. And then it just became who I was."

No fim de contas , apesar de não se dar com o seu pai durante o seu crescimento (e mostrou isso em temas como "Adam Raised A Cain"), Bruce acabou por reconhecer o mérito do trabalho árduo que o seu Pai tinha entre mãos, como "chefe" de uma família que não lhe deu facilidades.

Como em tantas outras ocasiões, a mensagem de Bruce ressoa na minha cabeça, como se estivesse a falar para mim.
Felizmente, não creio que o meu crescimento tivesse sido feito numa colisão tão forte com o meu Pai, até porque, ao contrário de Bruce, eu acabei por me tornar naquilo que ele desejava. Mas isso não significa que tenha sido fácil.
Os choques entre Pai e Filho em minha casa eram também frequentes e não raras vezes, muito duros. Mas como já referi aqui, tudo o que eu queria ser, afinal, era como o meu Pai.
Uma imagem reflectida num espelho diferente.



P.S.: Com isto tudo, ao fim de 12 parágrafos, acabei por nem abordar o tema "The River" e a sua história, para além da "realização do sonho". É uma pena, porque há muito mais para dizer. Ficará para outra ocasião.

3 comentários:

  1. :))

    Não deve ser mesmo nada fácil, ser-se pai (ou mãe, claro).
    Pode-se criticar a forma dura como o dele agia por vezes mas esta história demonstra que no fundo todos querem o mesmo: o melhor para os filhos. Muitas vezes essa imposição do que entendem ser o melhor é que mina as relações...

    É uma história com um significado tão profundo. E só podia ser dele e só podia ser contada desta forma por ti ;)


    (provavelmente já conheces este vídeo mas só há uns dias é que vi por causa de um amigo meu:

    http://www.youtube.com/watch?v=xGJpu5AiYoE&feature=player_embedded

    principalmente a partir do minuto 2:07 lol)

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    1. Muito obrigado pelas palavras, mais uma vez. :)

      De facto, não deve ser mesmo nada fácil ser-se pai (ou mãe) e gerir a relação com um filho. Até onde devem ir as imposições? A partir de quando é que a disciplina passa a ser tirânica? Bem, aos olhos de um miúdo, a disciplina é sempre tirânica, mas quando é que isso passa a linha?
      Tudo questões pertinentes que eu, como é óbvio, não tenho respostas. Muito menos experiência para tal! Assim, para já, ficam só as perguntas! :P


      Não conhecia esse vídeo, mas ainda me ri bastante :P Mas já sabia que o youtube está cheio dessas paródias ao "Der Untertag", por tudo e mais alguma coisa :P

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    2. Pois, também não faço ideia quais serão as respostas :P e até imagino que o Bruce quando foi pai ele próprio, terá compreendido bem melhor o pai...

      Sim, já vi imensos vídeos a parodiar o filme. Uns bem divertidos por acaso.
      Quanto ao filme, tenho em DVD para ver há imenso tempo mas por acaso ainda não vi :/ já sei que quando aparecer essa cena vou imaginar, entre outras coisas, o Goebbels a dar boleia ao Hitler para o concerto num Camaro :PP

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