segunda-feira, 15 de setembro de 2014

U2 - "The Miracle (Of Joey Ramone)"

"I woke up at the moment when the miracle had come"

Aviso prévio: Esta não é (mais) uma crítica ao novo álbum dos U2. Se quiserem categorizar este texto, chamem-lhe uma crítica às críticas ao novo álbum dos U2.

O assunto desta semana no mundo da música foi o lançamento do novo álbum de originais dos U2 - "Songs Of Innocence". Sempre (desesperadamente) polémicos, sempre (desesperadamente) revolucionários, sempre (desesperadamente) preocupados em não deixar ninguém indiferente, os U2 atiraram mais uma pedra no charco com o lançamento do seu novo álbum. Uma pedrada no charco resulta num efeito fixe, dá boas fotografias, mas o problema é que molha quem está à volta e quem fica de calças molhadas pode não achar piada.

A Apple (lê-se Apple e não EIpal; deixem-se disso, por favor) pagou (e bem) aos U2 e no dia 9 de Setembro ofereceu aos seus utilizadores o novo trabalho da banda irlandesa. A oferta do novo álbum não é uma estratégia original - já em 2007 os Radiohead o fizeram para promover "In Rainbows" - mas quem tinha a opção de downloads automáticos activada, acordou naquele dia com o álbum dos U2 na sua playlist. Mais que uma oferta, o álbum passou assim a ser uma imposição.
Numa época em que os melómanos podem gerar a sua própria rádio, o novo álbum dos U2 foi enfiado pela garganta abaixo de um público com cada vez menos paciência para estratégias de marketing intrusivas. Não foi a ideia mais brilhante.

De repente, o foco de atenção deslocou-se do novo trabalho dos U2, para o marketing utilizado para o promover e o assunto da ordem do dia deixou de ser aquilo que realmente importava - a música.
Todos querem falar, todos têm algo a dizer: uns atiram odes à genialidade de tal campanha, outros varrem o objecto indesejado que lhes foi posto em casa durante a noite, muitos aproveitam para vomitar todo o ódio que transpiram contra os U2, centrando a mira no seu alvo de eleição - Bono Vox.

Quando Bono se afirmou como um investidor e como um homem de negócios, comprou uma guerra com os puristas. Embora a música seja um negócio de milhões, os puristas ficam com a consciência mais tranquila quando se convencem que a arte não envolve dinheiro e que os artistas não se movem em função do seu trabalho, neste caso a música. Hipócritas.
E já nem falo nas ligações políticas de Bono, que também não lhe fizeram valer novos fãs e que é coisa que eu, pessoalmente, dispenso. Não é que eu não goste de ouvir músicos advogarem pela solidariedade social. Mas o que eu gosto mesmo é que falem sobre a condição humana. E os U2 fazem isso tão bem.

O problema dos U2 é a sua ânsia pela revolução, pela transformação, pela reinvenção. Ainda inebriados pela (brilhante) reinvenção que fizeram em "Acthung Baby" - já lá vão quase 25 anos - os U2 passaram o resto da sua carreira a tentar repetir o feito.
Embora os anos passem diabólicos por eles (e por todos nós), os U2 continuam a recusar o estatuto de dinossauros do rock e querem desesperadamente continuar a ser fixes, a ser relevantes. E isso pode ter tanto de aplaudível, como de irritante.

O facto que é que tornou-se moda bater nos U2. É fixe bater nos U2. (eu gosto mais de bater nos hipsters, nos puristas e nos outros hipócritas)
Como já vi escrito na net, o dia lançamento do novo álbum dos U2 foi "A Beautiful Day" for haters.

A popularidade dos U2 torna-os num alvo fácil. Se esta estratégia viesse do motor dos Radiohead, talvez fosse ultra-pioneiro-genial. Como são os U2, é ofensivo-intrusivo.
Desde que os U2 se tornaram um fenómeno de popularidade, não só musical (desde "The Joshua Tree"), como também cultural (desde "Achtung Baby"), que assim é. Os U2 mexem com muitos números - com muito público, com muitos discos, mas acima de tudo, com muito, muito dinheiro. E quem mexe com dinheiro é sempre olhado de lado, mesmo que nos dêem obras primas que nos engrandecem o quotidiano (deixem-se de merdas e de alternativismos; não me venham dizer que não há um único tema do (vasto) catálogo dos U2 que nunca tenha melhorado um dia das vossas vidas).

No meio disto tudo, o que me deixa irritado é que não se fale da música e que quando se fale, se remeta a uma referência em tom jocoso e irónico, anexada à análise da estratégia de marketing dos U2, essa sim, a notícia que interessa dissecar.
Porra, eu próprio já vou no 8º parágrafo e ainda não falei na música.

Falando na música... não vou falar ainda sobre "Songs Of Innocence". Pelo menos não em definitivo.
Só consigo fazer um crítica apropriada a um álbum após múltiplas audições e semanas, sei lá, meses de maturação. É preciso perspectiva.
Só depois do amadurecimento da música na alma é que eu consigo saber se ela deixa marca e se deixa, se a marca é doce, amarga ou insonsa.

Sim, eu sei: há álbuns que entram à primeira, ouvimo-lo uma vez e ficamos apaixonados. Mas nem todos são assim.
Eu adoro o "The Lamb Lies Down On Broadway", mas quem me disser que se perdeu por amores por Lamb à primeira audição, das duas, uma: ou é um grande aldrabão, ou é um tipo muito estranho.

Mas talvez por isso eu nunca serei um crítico musical.
Impressionam-me sempre as críticas definitivas ("tudo o que precisa saber sobre o álbum x está aqui!!!", assim, com vários pontos de exclamação) que saem umas horas depois do lançamento de um álbum e que as publicações estampam eternamente nos álbuns, após o crítico - esse ser suprassumístico da análise sonora - ouvir um trabalho uma única vez. Alguém teve que enterrar a cabeça na areia depois das 5 estrelas a "Be Here Now" dos Oasis, ou (no pólo oposto) do assassinato ao 1º e 2º álbuns dos Led Zeppelin, mas estes estão longe de ser dos piores exemplos. Até "Abbey Road" (sim, esse mesmo) dos The Beatles foi arrasado pela Rolling Stone.

Aliás, voltando aos U2, "Songs Of Innocence", o álbum foi 5 estrelas para a Rolling Stone, 3 estrelas para a Blitz e 4.6 (em 10) para a Pitchfork. Viva a subjectividade. E viva o hype. E já agora, viva a política.
Sim, política. Porque nisto das reviews, ter uma linha editorial para agradar ao target da revista é tudo.

Claro que 1 ou 2 audições já servem para dizer qualquer coisa sobre um trabalho, mas fazer uma avaliação definitiva? A música não é um sistema de equações. Adoro matemática, mas se a música fosse números, este blog não existiria.



Ah, sobre o álbum... Tenho que o ouvir mais vezes (quão irónico seria, se depois deste texto todo fizesse uma crítica ao álbum?). Não, não é o melhor álbum dos U2, não é um "The Joshua Tree", tão pouco um "Achtung Baby", mas também não será o pior. Há lá bom material.
E no fim do dia, o que é que preferem: um novo álbum dos U2, ou um novo álbum da Rihanna?

7 comentários:

  1. Eu posso falar à vontade, não sou nem nunca fui grande fã deles :P gosto de algumas músicas mas nunca nenhuma me mudou a vida ou teve um impacto parecido... Mas percebo o que queres dizer e argumentaste bem, pareciam as alegações finais de um julgamento :P

    E isto é muito verdade: "Se esta estratégia viesse do motor dos Radiohead, talvez fosse ultra-pioneiro-genial." Já se sabe o estatuto acima de qualquer crítica dos Radiohead...

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    1. Não me referi a um impacto desses, mas estás a dizer-me que nunca, em situação alguma, um dia na tua vida foi atravessado por um tema dos U2 e esse dia ficou um bocadinho melhor?! Hmmm, I call that bullshit :P

      Eu também falo à vontade porque apesar de gostar muito dos U2, não sou um fã acérrimo deles, como sou dos Queen ou dos Pink Floyd, por exemplo. E mesmo nesses casos, como sabes, não coíbo de bater neles, se achar que merecem!

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    2. Nem a propósito: https://fbcdn-sphotos-f-a.akamaihd.net/hphotos-ak-prn1/v/t1.0-9/10666074_10152468950163889_219039988615340631_n.jpg?efg=e29sYXQ6ODB9&oh=d8f0900f0ff9790e9a7223ce90316b60&oe=54939642&__gda__=1422611843_ab324c89075b6c0da5fc57a625c28ff7

      lol

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    3. Hahaha muito bem apanhado! Mudam-se os tempos, mudam-se os formatos, mas mantém-se a estratégia :P

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  2. É engraçado que neste fim de semana, enquanto estava no trabalho, um colega comentava comigo: «Pá, digam o que disserem, só há duas bandas no mundo que não se pode dizer que não se gosta: Queen e U2. Só não gosta quem embirrar, seja lá porque motivo for».
    E eu não podia concordar mais com ele!
    Gosto de U2 mas não tanto deste álbum. Tem umas músiquitas engraçadas? Epá... Tem. Mas parece-me que o tempo deles já passou. Fazem o que fazem porque se podem dar ao luxo de o fazer. O tempo das obra-primas já lá vai. Restam-nos as obras sem sal :x

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    1. Concordo em absoluto com a teoria do teu amigo e ainda acrescento outra banda aos Queen e aos U2: The Beatles. Aliás, gostar dos Beatles é dos primeiros requisitos que tenho para começar a falar sobre música com alguém. Caso contrário, nem vale a pena ;)

      Tendo também a concordar com a tua análise ao novo álbum dos U2, à medida que o vou ouvindo mais vezes. Tem os seus momentos ("Every Breaking Wave" é classic U2), mas não é aquela sensação de me colar ao tecto, como eles já fizeram tantas vezes com a sua música. Pelo menos ainda não me bateu.

      Mas tenho uma ressalva a fazer sobre uma sentença mais definitiva à banda: ainda não desisti dos U2. O último álbum (o "No Line") tem um tema que é para mim das melhores coisas que os U2 já fizeram em toda a carreira, lado a lado com os grandes clássicos - o "Moment Of Surrender". Para quem já não esperava ficar surpreendido com eles, fiquei colado ao tecto :)
      Tenho que escrever sobre esse tema.

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