terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Queen - "The Show Must Go On"

"Inside my heart is breaking, my make-up may be flaking, but my smile still stays on."


"You probably already know that I am suffering and what my problem is.
But I don't want to talk about it...
I just want to keep making music 'til the day I f***ing die."
Freddie Mercury, revelando aos membros dos Queen que estava infectado com o vírus da SIDA
(reconstituição de Brian May no documentário "Days Of Our Lives")

Freddie sabia que lhe restava pouco tempo. Ainda o álbum "The Miracle" aguardava ordens de lançamento nas lojas e já os Queen estavam de volta aos estúdios para a gravação do álbum seguinte. Estávamos na Primavera de 1989, altura em que se iniciava a gestação de "Innuendo" - o álbum que a banda temia ser o seu último.

Desde as gravações de "The Miracle" que, no restrito círculo da banda, todos já tinham percebido que Freddie estava gravemente doente, mas ninguém sabia ao certo o que se passava. Só Jim Beach - o manager dos Queen - sabia exactamente o que era: Freddie recebera a notícia que estava infectado com o vírus da SIDA na Páscoa de 1987 e sabia que estava com os dias contados.
Note-se que, naquele tempo, o diagnóstico de SIDA era como que de uma sentença de morte se tratasse.

"On and on, does anybody know what we are looking for?"

A partir daí, Freddie Mercury nunca mais parou. Em primeiro lugar, realizou o seu sonho de trabalhar com a sua voz preferida: a cantora lírica catalã Montserrat Caballé. Desse projecto nasceu a fabuloso álbum "Barcelona", cujo tema-título seria utilizado, uns anos mais tarde, como hino dos Jogos Olímpicos de Barcelona.

Depois de "Barcelona", Freddie reuniu os seus fiéis escudeiros para um sprint final. Os últimos anos da sua vida seriam passados entre as camas de sua casa e dos hospitais e os estúdios de gravação, com os Queen.

Entretanto, multiplicavam-se as histórias nos jornais sobre o estado de saúde de Freddie. Os restantes membros dos Queen negavam tudo. "Freddie está bem de saúde e a trabalhar como nunca!", disse uma vez Roger Taylor aos tablóides. Mas só a parte de "trabalhar como nunca" era verdade.

"The sicker Freddie got, the more he seemed to need to record.
It was really a period of fairly intense work."
Roger Taylor - baterista dos Queen


Certo dia, Freddie teve que confessar aos seus colegas de banda que, afinal, as histórias dos tablóides eram verdade. Ele estava realmente doente e já lhe restava pouco tempo. Todo o tempo era precioso e todo o tempo teria que ser investido a fazer música.
Até ao fim.

A notícia da doença de Freddie tinha atingido a esfera dos Queen como uma tempestade feroz, mas o assunto era tabu. A ordem era para ignorar a doença e continuar a fazer música. Quanto muito, canalizar aquele drama para a música.
Os Queen continuaram a negar os rumores e a imprensa não soube de nada até à véspera da morte de Freddie.

Os sumos criativos dos Queen estavam ao rubro. Neste período de intensa criatividade, a partir de uma sequência de acordes de Roger Taylor e John Deacon, da cabeça de Brian May saiu o corpo de "The Show Must Go On" - um tema que descrevia com precisão o estado de alma vigente da banda. Era preciso continuar, custasse o que custasse.

"We spent our days in the studio waiting for Freddie.
Whenever he was feeling better, he would come, throw a couple of vodkas down and... go for it.
It was some of our best studio times."
Brian May - guitarrista dos Queen


Brian May temia o pior. Brian tinha desenvolvido "The Show Must Go On" e projectara um tema com uma faixa vocal poderosa e proeminente, estupidamente exigente, ao nível do "melhor" Freddie Mercury. Algumas notas eram tão altas, que na gravação demo do tema, Brian fora obrigado a cantar várias partes em falsetto.

O problema é que a doença de Freddie não parava de avançar e por isso, reticente, Brian mostrou a demo a Freddie, com medo que este não conseguisse atingir as notas mais altas.
Segundo reza a lenda, para surpresa de todos, Freddie consumiu então uma considerável quantidade de vodka e gravou, em apenas um take, a impressionante faixa vocal de "The Show Must Go On".

"Dêem-me alguma coisa para cantar e eu canto. Qualquer coisa.", terá suspirado Freddie para os seus colegas de banda. Mesmo que a sua condição física, cada vez mais frágil, parecesse servir de obstáculo, esse handicap não é, de todo, audível no álbum.

"I'll top the bill! I'll overkill! I have to find the will to carry on! On with the show!"

Ao longo de todo o álbum "Innuendo", parece que Freddie tenta, sozinho, travar uma luta hercúlea contra a sua doença, usando como arma apenas o poder catártico das suas cordas vocais.
Durante os 4 minutos de "The Show Must Go On", parece até que Freddie está em vantagem.

"I'll face it with a grin! I'm never giving in!  On with the show!"

Ouçam Freddie a cantar em "The Show Must Go On". Mas ouçam com atenção. Prestem atenção às nuances expressivas, à força, à dinâmica, à emoção.
É o mais preciso, concentrado, afinado, grito de desespero que jamais ouvirão.

Freddie está preso num beco sem saída, à procura da sobrevivência. Se alguma forma de escapar existe, ela será de certeza a cantar. E quem pode dizer que Freddie não escapou? Volvidos mais de 20 anos, a sua música continua aí, mais forte que nunca.

Na época, o single de "The Show Must Go On" chegou apenas ao 16º lugar nas tabelas britânicas - uma posição modesta, explicável tendo em conta que já era o 4º single de um até aí muito bem sucedido álbum "Innuendo".
Com a notícia da morte do Rei, desencadeou-se uma febre pela música dos Queen, que duraria anos.


"The Show Must Go On" serviu como canto do cisne da discografia dos Queen, "aprovada" por Freddie Mercury. Lançado a pouco mais de 1 mês da sua morte, foi o último single e o último tema do último álbum dos Queen, em tempo de vida de Freddie.
Se há algum sentido na expressão "fechar com chave de ouro", ela tem que ser aplicada a "The Show Must Go On".

6 comentários:

  1. Na minha opinião, o que é mais difícil de enfrentar quando morre alguém ou quando algo de grave acontece, é precisamente o facto da vida continuar. Como é possível tudo continuar como se nada fosse? Ninguém tem a possibilidade de fazer pausa enquanto está a tentar perceber o que aconteceu. Lá está, the show must go on... E ele ter tido a lucidez de continuar a fazer música, de forma tão fervorosa diz muito sobre a pessoa que era... E é como dizes, deixou um legado enorme e será sempre imortal nesse sentido.
    Nunca tinha ouvida a música com muita atenção, com este contexto.

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    1. Pois é, não só ele teve essa lucidez, como os restantes Queen também.
      Os álbuns "Innuendo" e "Made In Heaven" (o "The Miracle" nem tanto) são um feito incomensurável. Como é que um grupo que está a ser afectado por uma tragédia daquelas (todos sabiam que sem o Freddie, seria o fim do ganha-pão de todos) não só se mantém forte e coeso, como ainda consegue canalizar as emoções para o trabalho, de modo a criar a música lindíssima que ouvimos nesses álbuns?
      É sem dúvida uma história fantástica de superação.

      Já há uns anos que ouço que está a ser preparado um filme biográfico sobre o Freddie Mercury, interpretado pelo Sacha Baron Cohen, o qual terminaria com a actuação dos Queen no Live Aid - alegadamente o ponto mais alto da sua carreira. Porém, na minha opinião, o GRANDE filme que está na história dos Queen é o que retrata os últimos anos de Freddie Mercury.

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    2. Acho que faz sentido pensar que provavelmente se deram conta daquele cliché (tão verdadeiro) do carpe diem. Cada dia que passavam a trabalhar nos álbuns seria bem mais intenso e com um significado muito maior. Devíamos viver sempre assim, com esse tipo de intensidade mas a rotina às vezes dá cabo disso...

      Pois, tu que conheces bem a história deles dás-te conta disso. Antes de ler este post, para mim, faria mais sentido esse filme biográfico como o estarão a fazer mas realmente se calhar seria bem mais interessante e até diferente (porque as biografias são sempre a mesma coisa) fazerem um sobre os últimos anos.

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    3. É verdade. A não ser que estejam a pensar em fazer uma sequela (lol), o filme poderia até ser feito ao contrário do que estão a projectar. Isto é, começar com o triunfo do Live Aid e na primeira parte retratar o sucesso e os excessos durante 1985/1986 (álbum "A Kind Of Magic" / Magic Tour) e culminar na actuação em Knebworth. Esta seria a primeira parte do filme. A segunda parte seria com esta luta para a gravação dos últimos álbuns e terminaria com o desfecho que conhecemos, em 24 de Novembro de 1991...

      Acho que as filmagens vão começar esta Primavera. Veremos como será, estou com grandes esperanças no Sacha Baron Cohen, tenho fé que ele honre o legado do Freddie!

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  2. Realmente, fiquei encanta com a forma que descreveu The Show Must Go On, sempre tive essa impressão sobre o sentimento que ela transparenta...Parabéns pelo texto.

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