quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Bruce Springsteen - "Thunder Road"

"Why do we suffer? I got the answer to that one: because we have to! What would life be?"
"Porque é que sofremos? Eu sei a resposta: porque temos que o fazer! Como é que seria a vida?"

Quem mais poderia reproduzir estas palavras, se não Bruce Springsteen?
Quem mais nos poderia fazer reflectir sobre a importância, o valor, de um estado de espírito do qual fugimos toda uma vida?
O sofrimento. Porque ninguém sabe sofrer como Bruce Springsteen.

É com esta reflexão que Bruce abre o filme "Wings For Wheels - The Making Of Born To Run", o (fabuloso) documentário que mostra o making of de "Born To Run", o álbum que em 1975 lançou Bruce definitivamente para o estrelato. O filme de Thom Zimny (que acabaria por ganhar um Grammy em 2007) é uma ferramenta essencial para se perceber Bruce Springsteen e como este criou um dos álbuns que marcaram de forma indelével o Rock americano nos anos 70.

"Born To Run" foi a obra que deu a conhecer Bruce Springsteen ao Mundo, dando-lhe as capas das revistas Time e da Newsweek na mesma semana. Mas mais do que isso, "Born To Run" foi o álbum que definiu Bruce Springsteen, onde ele nos revelou ao que vinha. Foi também onde Bruce introduziu os personagens que o seguiram nas 3 décadas seguintes. Personagens que deram asas à nossa imaginação, com as quais nos pudemos identificar tantas e tantas vezes. Porque como disse Jon Stewart, no seu discurso, aquando da condecoração de Bruce para os Kennedy Center Honors:
"When you listen to Bruce’s music, you aren’t a loser. You are a character in an epic poem... about losers."
"Quando ouves a música do Bruce, não és um falhado. És um personagem num poema épico... sobre falhados."


O álbum "Born To Run" está na lista daqueles assuntos que me são extremamente difíceis de abordar aqui no blog. Difícil porque é um álbum de grande significado pessoal, que em tempos me marcou profundamente e difícil porque (também por isso) há tanta, TANTA coisa para dizer... Por onde começar?

Segundo Bruce Springsteen, "Born To Run" é um conjunto de histórias épicas, que poderiam decorrer todas "numa interminável noite de Verão". São histórias que dançam à volta de uma motivação, de uma vontade: fugir.
Há por todo o álbum um sentimento que uma jornada importante se aproxima, um momento que vai definir a nossa vida. O sentimento é de urgência, de fuga das raízes. É preciso fazer alguma coisa para mudar uma vida que não nos satisfaz e é preciso fazê-lo urgentemente.
Querer fugir, ir embora para outro lado, mas sem saber ainda para onde. Na verdade, isso não interessa, desde que seja para fora daqui.
Não há certezas, a não ser de que aqui, nesta vida, neste paradigma, não dá.

"Born To Run" é um álbum que me diz muito. Diz tanto como "Darkness On The Edge Of Town", mas de uma maneira diferente, porque eles marcaram a minha vida em fases diferentes, mais ou menos da mesma maneira que marcaram Bruce. Em "Darkness", Bruce desmonta os sonhos que desenhara em "Born To Run", mas aqui, a ingenuidade da sua juventude impede-o de prever o que se passará a seguir. Passou-se com Bruce em meados dos anos 70, passar-se-ia comigo 30 anos depois.

Penso que já deu para perceber: tive uma fase fortíssima de "Born To Run" quando era mais novo, nomeadamente quando aos 17 anos fiz as malas e vim viver sozinho para Lisboa. Achava que o Mundo ia ser meu, todos os meus sonhos se iam tornar realidade e nada, nem ninguém, me poderia parar. E a verdade é que a História (a minha), com os seus percalços, até correu bastante bem.
Mas ao fim de algum tempo, inevitavelmente, percebemos que NADA na vida corre como tínhamos planeado. Pode até correr "bem", mas não era "bem aquilo" que nós havíamos pensado. Por vezes, corre mesmo "mal" e outras vezes ainda, quando pensamos que "pior" não pode ficar, porque chegámos ao fundo do poço, alguém se lembra de pegar numa pá e começar a escavar.

É a vida. Somos obrigados a lidar com todas estas situações e a música de Bruce Springsteen parece servir de manual para saber como fazê-lo. Ou pelo menos para perceber que não estamos sozinhos. Que alguém, há muitos anos, muito longe de nós e em circunstâncias diferentes, passou pelo mesmo.
Bruce mostrou que o sofrimento é sentido por todos, da mesma forma. Porque ninguém sabe sofrer como Bruce Springsteen.




"It's a town for losers, but I'm pulling down here to win"

...grita Bruce Springsteen no clímax de "Thunder Road", tema de abertura do álbum "Born To Run" e que resultara de uma evolução de "Wings For Wheels" (nome que iria baptizar o documentário de Thom Zimmy sobre "Born To Run").
"Thunder Road" materializava, da cabeça à ponta dos pés, o que sentia no dia que cheguei a Lisboa. De facto, "Thunder Road" foi o primeiro tema que ouvi em Lisboa, imediatamente a seguir a ter montado a minha (hoje defunta) aparelhagem. Era a transcrição do que me ia na alma.
Tinha 17 anos e a mesma vontade, o mesmo sentido de urgência, que Bruce anunciava naquele tema. Eu ouvia "Thunder Road" e chegando àquele clímax, aumentava o volume dos altifalantes até ao máximo. Estava sozinho, no meu exíguo quarto em Lisboa (tão exíguo, que se eu esticasse os braços, tocava nas paredes de ambos os lados do quarto!) mas Bruce estava ali, a cantar para mim, sobre mim. Restava-me cumprir a profecia de Bruce Springsteen.

Naquele momento, era tudo tão claro. De tal forma que parecia que Bruce escrevera este álbum sobre mim, ou dirigido à minha pessoa, 10 anos antes de eu ter nascido. Claro que, como eu, milhões de pessoas espalhadas por todo o Mundo sentiam o mesmo.
Com "Born To Run", Bruce Springsteen uniu pela primeira vez milhões de pessoas à volta de um sentimento, de uma vontade, de uma urgência, de um sofrimento. É essa a força, é essa a magia de Bruce Springsteen.
Porque a verdade é que ninguém sabe sofrer como Bruce Springsteen.

12 comentários:

  1. Morri! lol
    Este era o post que eu tanto queria ler! (lê o P.S. do meu primeiro comentário aqui: http://escolhamusicaldodia.blogspot.pt/2010/12/bruce-springsteen-promise-darkness-on.html#comment-form :P) Nem interessava qual seria a música. Escusado será tentar explicar a dimensão do meu contentamento quando abri o google reader e vi este post (e por acaso estava entretida a ouvir o "The Wild, the Innocent & the E Street Shuffle"...) :)

    Eu sei que parece um bocado estranho, ainda nem há 4 meses eu pouco ligava ao Bruce Springsteen (gostava de uma ou outra música) e agora dou por mim completamente rendida ao homem. Continua a ser a melhor noite deste ano para mim e uma das mais felizes de sempre, por mais anos que viva vou guardar aquelas horas comigo para sempre.

    Ele é realmente uma pessoa especial e única. Gosto e admiro muitos músicos mas a grande maioria é pela música em si, muitas vezes não está relacionado com a pessoa. Mas ele é completamente diferente. É tudo o que dizes, ele é um de nós. Sabe pegar como mais ninguém em tanto da condição humana e passar isso para o trabalho dele. Não há palavras para descrever o que sinto quando o ouço, quando o vejo nos documentários, em entrevistas, em vídeos de concertos... He's the real deal... é como num comentário do you tube que li há pouco tempo: "there's no bullshit in Bruce". Quando vi o documentário (principalmente da segunda vez) essa frase do sofrimento ficou-me por ser tão simples e tão verdadeira.

    A tua experiência aos 17 anos realmente tem mesmo tudo a ver com o álbum, como já te tinha dito num post anterior. Não faço ideia o que será passar por uma mudança tão grande como essa mas sei perfeitamente o que é sentir que o mundo é meu e o vou conquistar, ter a certeza disso (no meu caso foi aos 18, 19 anos) sem contar que na maioria das vezes é a vida que tem planos para nós e não o contrário...

    A "Thunder Road" é das minhas músicas preferidas dele. Gosto de ir no carro a cantarolá-la :P Ou quando vou na rua com os phones, de certeza que faço algumas figuras tristes às vezes. Há uma parte que me dá sempre vontade de rir: You ain't a beauty but hey you're alright lol, não será concerteza um dos maiores elogios que se pode fazer a alguém :P
    Mas nada bate a parte final da "Born To Run" em termos de uma pessoa não se controlar e ter de cantar em plenos pulmões, a partir do: THE HIGHWAY'S JAMMED WITH BROKEN HEROES ON A LAST CHANCE POWER DRIVE (...) :D Dá vontade de fugir por aí, literalmente lol
    Por acaso no outro dia estive a ver o concerto em Barcelona (2002) precisamente porque vi a "Thunder Road" de lá no you tube. Grande concerto e grande ambiente!

    E pronto, adorei o post! :)) valeu a pena esperar :P

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    1. Ainda bem que gostaste! :) Lembrava-me bem do teu comentário com o request, mas "isto" da escrita funciona de forma muito esquisita para mim... Eu sento-me à frente do PC (ou do caderno com a esferográfica) e nunca sei o que me vai sair, que história é que vou contar, o que vou escrever.
      Às vezes quero escrever sobre um determinado tema ou artista, mas não me sai nada. Mas depois ouço um tema de outro artista que não tem nada a ver e acende-se uma luz. Ou então não acende nada. Enfim, who knows... :P
      Isto tudo para dizer que só escrevi este post agora, porque só agora é que me acendeu "a luz" para a escrita sobre o "Born To Run". Vi o "Wings For Wheels" e pronto... Aí está! :)
      O "Wings For Wheels" é realmente um grande documentário, aí consegues perfeitamente perceber que o Bruce é apenas um de nós, com a diferença que nasceu com aquele dom mágico de materializar os sentimentos (bons e maus) inatos da condição humana em música. Lindíssima e poderosíssima música.
      Poderosíssima e sem precisar de ser pesada, basta lembrar a reacção do James (quando ele arregala os olhos) ao falar da música do Bruce cujo género ele "nem aprecia" (segundo as palavras dele).

      A tua experiência com o Bruce não parece nada estranha, é a reacção normal à música do Bruce, comum a milhões de pessoas em todo Mundo, a única diferença é que a descobriste um pouco mais tarde :)

      Figuras tristes (serão mesmo? :P ) na rua (quando andava a pé, antes de ter carro) e no carro a ouvir música nos fones ou no auto-rádio... comigo, é todos os dias! A sério, é mau demais! :D

      O Bruce em Espanha (o "Jefe", como lhe chamam) é uma espécie de semi-deus. A sério, é todo um culto à volta do homem que não tens noção. Ainda este fim-de-semana estive na Corunha e falei do concerto que tinha ido ver há uns anos atrás e a história ainda arregala os olhos a toda a gente. :)
      Parece que estiveram todos lá (e se calhar até estiveram, só que não entraram :P ).
      Ele se quiser dá 5 a 10 mega-concertos (80 a 100 mil pessoas) em Espanha por ano e estão SEMPRE esgotados. É a loucura!

      Ah e, como sempre, obrigado pelas palavras! :)

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    2. Eu acho que a última vez que tive este tipo de sentimento, com um impacto destes (apesar de ser completamente diferente e nem dar para comparar porque estou a pensar olhando para algo que já aconteceu há uns anos e algo que está a acontecer há pouquíssimo tempo) foi quando comecei a ouvir Tool há quatro anos... Até fui desenterrar algo que escrevi nessa altura (se tiveres curiosidade podes ler aqui: http://calgone.tumblr.com/post/57493248/mention-something-mention-anything). Se for a ver, tanto pode ser sobre Tool como qualquer outra banda/artista que provoque em mim aquele sentimento que não estou sozinha, alguém sente o mesmo. E sentimento esse que leio muitas vezes nos teus posts, principalmente os do Bruce. Quem comentou na altura eram amigos meus que eu martirizava imenso com este assunto :P

      Lolol! Também fazes dessas figuras, ao menos não sou a única maluca ;P às vezes na minha cabeça estou num videoclip e só imagino coisas tipo isto: http://www.youtube.com/watch?v=8tJoIaXZ0rw ou mesmo isto http://www.youtube.com/watch?v=tgd46QiHz4I lol Mas claro que tenho de manter a compostura e limito-me a cantarolar, o que já é bastante tendo em conta os olhares de estranheza de algumas pessoas :P

      "Jefe" lol! Os espanhóis também adaptam tudo. Em português seria muito estranho, o Patrão. Lembro-me de contares que lá ele é um fenómeno enorme! :) Quando ele voltar à Europa, gostava de ir vê-lo a Espanha (e cá claro, se alguma promotora o conseguir trazer).

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    3. WOW!
      Estive a ler o teu texto com atenção e... palavra que o que eu aqui escrevi sobre o Bruce não foi copiado dali!! :P
      Porque é quase tirado a papel químico do que digo acerca do Bruce, nomeadamente naquele famoso post pós-RiR! A sério, parecia que estava a ler o texto que nunca escrevi, fiquei mesmo boquiaberto :P
      Rita, tens MESMO que criar um blog e despejar lá o que queres dizer, porque se é para fazeres textos na linha do que eu li... então eles merecem ver a luz do dia!!

      Eu no trânsito é mais isto... http://www.youtube.com/watch?v=_cZtQWwZBmI
      True story... :P

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    4. Ah e parece que já sabes qual será o teu primeiro objectivo se mudares de carreira: trazeres cá o Boss!!! :)
      (e já agora, se não for pedir muito, estes senhores, por quem espero há ANOS intermináveis! http://www.youtube.com/watch?v=pHDOek0DZIs http://www.youtube.com/watch?v=1H0kaasdkiU pleeease :) )

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    5. :) nem te sei dizer a quantidade de vezes que ao ler-te pensei: "ele está dentro da minha cabeça!!" :O
      Se não aparecesse lá que foi escrito em 2008, pareceria que te estava a plagiar :P eu já nem me lembrava onde tinha escrito isto...
      Há textos parecidos mas isto ultrapassa o parecido, é qualquer coisa tipo twilight zone! :P

      Agora sou eu que digo: obrigada pelas palavras :) sempre gostei bastante de escrever mas de há uns anos para cá que já não escrevo tanto e o que escrevo é mais para mim...

      LOL! dás cabo do pescoço com tanto headbanging! :PP

      Ehehe se dependesse de mim, trazia-o sim :)) ele e os Tool que infelizmente nunca vi ao vivo (a última vez que vieram foi em 2006 e eu ainda não os ouvia na altura...).
      Muito gostas tu de Tears for Fears ;) tá descansado, eu não me esqueço! ;P

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    6. E outra coisa curiosa: hás-de ver este filme do Malick http://www.imdb.com/title/tt0069762/

      Há uma música do Bruce que é inspirada no filme mas não te vou dizer qual é :P (e não, não é a "Badlands" lol). No outro dia estava a ouvir com atenção o álbum em que está essa música e pensei: espera lá, isto parece tal e qual o filme... fui à wikipedia e realmente o Bruce escreveu a música depois de ver o filme :) isto só me faz gostar ainda mais do Boss ehehe

      (e pronto, se já sabias isto vai perder a piada :/ )

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    7. O "Nebraska"!! Não sabia, mas entretanto fui ver ;-)
      O Malick é um daqueles realizadores obrigatórios, mas nunca vi o "Badlands" (grande nome para um filme! ;) ) Tenho que ver o filme então!
      Eu já tinha reparado na história que o Bruce conta no Nebraska (já ouvi o tema tantas vezes... lol), mas por alguma razão nunca tinha ido pesquisar acerca disso. Confesso que não é dos álbuns que ouço mais.

      Pois é, que fique já aqui registado que vais mexer todos os teus cordelinhos para ver os TFF!! Quando estive em LA, no ano passado, vi o Curt Smith a solo e foi fantástico! Depois ainda tive o bónus de o conhecer no final do concerto :)

      Enquanto não mexes os teus cordelinhos, toca a escrever! ;-)

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    8. Eu gosto bastante das histórias do "Nebraska" apesar de não o ouvir tanto quanto os 4 primeiros álbuns dele por acaso.
      O "Badlands" tem uma música que se repete ao longo do filme que de certeza que conheces: http://www.youtube.com/watch?v=-tEgzGnzojc :) Acho que não te vais arrepender de o ver (mas eu sou suspeita porque gostei dos filmes todos dele :P uns mais que outros)

      Pois, eu li num post teu mais antigo que o tinhas conhecido lá. És fã mesmo a sério! ;)

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  2. Parabéns,Nuno Bento! Excelente texto! Abraços do Brasil.

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    1. Muito obrigado Pedro! Volta sempre aqui a este espaço e pesquisa aí de lado mais textos sobre o Bruce, pode ser que gostes ;)

      Ah e parabéns pela notícia que finalmente Bruce Springsteen e a E Street Band vão ao Brasil! Vais curtir à brava!

      Abraço de Portugal!

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